Violeta Ramos
Maio 2025
PETROGRAFIA E GEOQUÍMICA
SÓCIA APG Nº O1350
Nascida no Porto e criada em Gondomar, o fascínio por vulcões e dinossauros levou a melhor. Apaixonada por petrografia, considera um privilégio ler as rochas ao microscópio. Já passou pelo Canadá, pelo betão e jazidas de lítio, estanho e tungsténio e agora caracteriza materiais geológicos da Cornualha na Universidade de Exeter, Inglaterra.
" (...) sou uma Facebookiana assumida, tenho muitas rubricas, divirto-me com a Geologia (...) para além do gato, que aparece de vez em quando, gosto imenso de escrever sobre Geologia, desde a rubrica "A Geologia na minha bijuteria", os ditados populares para Geólogos, as saídas de campo que eu procuro documentar (...) ".
Fomos ao encontro da Carla ali algures entre o final do Albiano e o Cenomaniano, nas imediações da Escola Básica dos Castanheiros em Caneças, num afloramento que já é casa e que acompanhou toda uma geração de alunos do seu tão carismático "Clube de Geologia". Nascida em Angola, assume-se como distraída e despassarada, vítima de uma curiosidade crónica. Quis ser professora para honrar a avó, formando-se em biologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Ainda o curso ia a meio e já sabia que "a pensar, a pensar, morreu um biólogo". Hoje, arranca a vegetação para ver bem as falhas, "fala de mochila cheia" (de amostras) e pode afirmar que "já são muitos anos a virar bússolas". Se acha que a conhece de vista, é bem provável! A Carla não perde uma oportunidade de ir a todos os eventos geológicos atuais e por ela ia até aos do passado, para mergulhar no mar que então cobriu a região de Caneças, foco principal da sua atividade de divulgação geológica. A vida dos professores pode ser "dura que nem quartzitos", mas "quem muito dorme, pouco martela" e a Carla nunca ficou à espera que o conhecimento viesse até ela, porque "se a montanha vier até ti, foge. É um deslizamento". Venham conhecer esta entusiástica professora do ensino básico, geoapanhada convicta e prova martelante de que nunca é tarde para descobrirmos a Geologia. Até porque "quem deposita por último, sedimenta melhor".
Entrevista
E. B. dos Castanheiros, Caneças, julho de 2023
1. Nome, idade, local de nascimento?
Sou a Carla Simões, nasci a 26 do cinco de 1969 em Sá da Bandeira, atualmente Lubango, em Angola.
2. Conte-nos, como se fosse para leigos, o que faz profissionalmente.
Sou uma humilde professora do ensino básico, leciono ciências naturais aos alunos do 7º, 8º e 9º anos. E, para além disso, tenho um pequeno "Clube de Geologia" que já tem 11 anos de existência e é das atividades mais gratificantes na minha atividade profissional.
3. Há quantos anos é professora?
Sou professora há 26
anos. O início foi atribulado. Entrei na Universidade de Trás-os-Montes e Alto
Douro (UTAD), não foi fácil o meu percurso académico por lá e continuou muito difícil quando passei dois anos pela Universidade de Évora. Portanto, recomecei
na Faculdade de Ciências [da Universidade de Lisboa] e terminei só em 1996, o
curso de Ensino de Biologia e Geologia (variante Biologia). O curso era uma licenciatura de cinco
anos, como era tradicional na altura [pré-Bolonha], com o estágio integrado – o
nosso estágio já era remunerado –, mas eu não consegui fazer o curso em cinco
anos. Tive muita dificuldade, tive problemas que me dificultaram, a nível
pessoal e de saúde. Consegui também fazer Erasmus, que foi uma experiência muito
gratificante. Isso também me atrasou e também me retirou oportunidade de fazer
as cadeiras de Geologia que, hoje em dia, mais falta me fazem. Mas graças a
isso fui à procura de formação e nasceu um gosto enorme pela Geologia.
4. Fez onde, o Erasmus?
Fiz Erasmus em Utreque, na Holanda [Países Baixos]. E a Holanda não tem nada de Geologia, tirando a parte sul, ironicamente. Mas, curiosamente, no primeiro ciclo, eles já desenvolvem trabalho de campo e trabalho experimental com os alunos, e a minha experiência foi conhecer esse trabalho que os professores lá faziam, num equivalente aos politécnicos de cá, para se tornarem professores do 1º ciclo, que engloba o nosso quinto e sexto anos. Foi apenas um semestre, mas perdi as cadeiras de Geologia mais importantes, como a mineralogia, a petrologia geral, e ainda hoje sinto falta dessas bases.
" (...) para honrar a minha avó, quis ser professora. E queria ser de matemática, (...) só que quando vi o nome das cadeiras na faculdade – análise infinitesimal, cálculo integral – assustei-me! "
5. O que é que a levou a seguir o ramo do ensino da biologia e Geologia?
Primeiro,
porque a minha avó foi a única das irmãs e irmãos dela que não foi professora. Como
era a mais nova, teve que trabalhar no campo e não pôde estudar. E eu, para
honrar a minha avó, quis ser professora. E queria ser de matemática, porque na
altura matemática era a disciplina com mais insucesso e eu queria revolucionar
o ensino da matemática. (risos) Só que quando vi o nome das cadeiras, na
faculdade – análise infinitesimal, cálculo integral – assustei-me! "Não, eu
vou mas é escolher ciências que é mais fácil, a biologia". (risos) E
assim foi! Tive sorte, no terceiro ano, de apanhar a reestruturação do curso de
ensino, porque para o ensino iam os "menos bons" do curso de biologia, e para o
ramo científico iam os alunos brilhantes que não tinham conseguido entrar em medicina.
E havia uma elite em Lisboa, não sei se hoje isso ainda se mantém, que era a
elite dos alunos que queriam medicina, mas que iam parar à biologia e depois
faziam outras vias, ou até pediam transferência. No terceiro ano, houve a
reestruturação e foram incorporadas as cadeiras de Geologia, que dantes não
havia. No entanto, eu preferi a experiência do Erasmus e não consegui fazer
todas as que integram o curso. Ainda assim, fiz 41 cadeiras na FCUL e tinha feito cinco cadeiras na Universidade de Évora, mas a maior parte da área da biologia e da pedagogia. Portanto, tive uma formação de base igual a todas as outras variantes do curso, incluindo as áreas científicas. Mas faltava-me maturidade e nunca consegui ser cientista, porque sou muito
distraída. Acho que ia perder os rótulos e, se fosse geóloga, ia ser um
daqueles casos em que a amostra é etiquetada com o nome do local errado, como
já aconteceu com outros no passado, quase de certeza. (risos)
"Só no terceiro ano, quando comecei a ter contacto com os professores de Geologia é que eu notei uma grande diferença na proximidade de contacto connosco"
6. Nessa altura, era uma aluna participativa ou mais calada?
Sempre fui muito
participativa e sempre me importei, também, por causas sociais. Na altura,
havia constrangimentos com as aulas práticas de citologia, a universidade
estava em mudança da [Escola] Politécnica para o edifício do Campo Grande e nós
perdemos aulas práticas importantes, no laboratório. E eu mobilizei-me, ao
nível dos protestos. Sempre gostei de fazer barulho e de chamar à atenção. (risos)
E participei também nas manifestações contra as propinas, para defender o ensino
público. Hoje custa-me pagar as propinas da minha filha, que está no segundo
ano na universidade, é um sacrifício acrescido. E tenho lutado também, na minha
carreira como professora, pela qualidade do ensino público, porque passam por
nós miúdos com muita qualidade, com muita competência, genuinamente aptos para
determinadas funções, e a dificuldade económica pode ser limitativa.
7. E a nível de saídas de campo, por exemplo, instigava um bocadinho os professores ou os colegas para fazer outras atividades, além das aulas?
Isso só começou a acontecer depois de me tornar professora, porque os anos de faculdade foram duros. Nos primeiros anos, tive muitas dificuldades: os anfiteatros eram enormes, cheios de alunos, às vezes não havia espaço para cabermos todos, e não tinha essa possibilidade. Só no terceiro ano, quando comecei a ter contacto com os professores de Geologia é que eu notei uma grande diferença na proximidade de contacto connosco [alunos]. Enquanto os [professores] de biologia mantinham aquela distância, aquela hierarquia, em Geologia senti logo uma proximidade, um ambiente familiar, que me possibilitou também crescer, no sentido em que eu colocava dúvidas com mais facilidade, não havia aquela distância professor-aluno, quase que éramos colegas. E ainda sinto isso hoje, até mesmo com professores de grande nível, eles tratam-nos por igual e isso é espetacular. Adorei! E no terceiro ano é que eu descobri que devia ter ido para Geologia, mas já não era possível. (risos)
"Mas o grande interesse pela Geologia na escola começou (...) quando se celebrou o Ano Internacional do Planeta Terra e eu (...) fui a 18 palestras na Faculdade de Ciências (...) e adorei as do Carlos [Marques da Silva], porque ele tinha uma temática que era a Geologia lá fora, e fiquei fascinada, gostei imenso. "
8. E
no final, considerou-se uma aluna média, boa ou muito boa?
Média! Porque eu sou muito despassarada. Por exemplo, tinha exame de biologia vegetal e ia começar a estudar, mas depois via as reações químicas da fotossíntese e já estava no manual de química a tentar perceber as reações da química. E depois tinha os apontamentos muito ordenados, os meus colegas fotocopiavam e tiravam altas notas, mas eu não passava ali das notas baixas, porque não tinha tempo para estudar tudo o que era necessário, pois ia estudando o que queria, na altura. (risos) Tive de me disciplinar e, hoje em dia, sou eficiente em termos de prazos e também o exijo aos alunos, mas a minha tendência é seguir a curiosidade e tentar descobrir agora o que é isto, como é que funciona, e fui trabalhando nisto ao longo dos anos.
9. E das disciplinas que teve, qual foi a que mais gostou?
Sem dúvida, a paleontologia estratigráfica, com o professor Mário Cachão. Porquê? Porque era aquela que, na altura, tinha mais instrumentos de avaliação diferentes. Tradicionalmente, as disciplinas tinham o exame, tínhamos de estudar e marrar e a biologia tinha muita parte teórica que era preciso memorizar… a biologia animal, por exemplo, com aqueles reinos e filos todos, até à espécie, era doloroso. Nessa disciplina [paleontologia estratigráfica], houve trabalho de campo, houve mini-testes, houve o exame e outro trabalho, sei que eram ao todo uns quatro métodos de avaliação, e isso deu-me a possibilidade de saber que se falhasse num, até era boa noutra competência. E eu transpus logo isso para o [meu] ensino assim que me tornei professora, e hoje estamos a voltar a essa filosofia de diversificar os instrumentos. Porque há muitos alunos capazes a nível de método e de estudo, mas há outros mais habilidosos nas competências de comunicação ou da prática laboratorial. Também foi nessa disciplina que tive a oportunidade de fazer o primeiro relatório de campo. E até tenho ali fotos dessa saída de campo, que foi ali para os lados de Peniche. Tenho aqui um fóssil de uma amonite das margas de São Pedro de Moel. Fiz a disciplina no terceiro ano, mas eu penso que era uma cadeira do quarto. A parte prática foi em Carcavelos. Agora o afloramento já está cimentado, infelizmente. Na altura, alternavam o trabalho prático entre Carcavelos e a margem de Almada. Mas o grande interesse pela Geologia na escola começou no ano de 2008, quando se celebrou o Ano Internacional do Planeta Terra e eu estava na Escola do Lumiar. Fui a 18 palestras na Faculdade de Ciências, era ali pertinho. E adorei as do Carlos [Marques da Silva], porque ele tinha uma temática que era a Geologia lá fora, e fiquei fascinada, gostei imenso. Nesse ano, consegui participar num projeto num geoparque em França, Les enfants de la Terre, em que eles criaram um globo com amostras de rochas enviadas por miúdos, mas era do 1º ciclo. Os meus alunos eram já do 7º ano, mas ainda consegui que aceitassem a amostra ali do Lumiar. Então, fizemos o primeiro relatório da rocha do calcário conquífero do Lumiar, foi traduzido para francês com a ajuda de uma colega e depois, no ano a seguir, vim para Caneças, começar tudo outra vez, e fiquei contente com aqueles blocos do Cretácico ali [nas imediações da escola], à minha espera. (risos)
10. Ainda sobre os tempos da universidade, que colegas seus é que hoje em dia ainda trabalham em Geologia?
Nenhuns, porque estava no ramo de ensino e todos os meus colegas na altura são hoje professores em escolas. Mas tenho como referência o meu colega Francisco Sousa, que conheci já mais tarde, e é a pessoa que eu mais admiro como professor. Porque graças a ele, desde que o conheci e conheci o grupo dos Geoapanhados, a minha vida mudou para melhor, porque a Geologia passou a fazer parte de um estilo de vida. Eu não consigo andar sem olhar para o chão! Mas esse bichinho também me foi passado pelo Mário Cachão, para ver os fósseis na calçada, e também uma formação que fiz com o Carlos Marques da Silva, que é a Geologia na cidade, novas abordagens, foi das primeiras formações que fiz e que gostei imenso.
11. Do seu ano, daqueles que estavam a fazer "Ensino de Biologia e Geologia", houve mais alguém que tenha pegado mais pelo ensino da Geologia ou que tenha ficado fascinado como a Carla ficou por esta área?
Dos meus colegas, não. Só querem mesmo é biologia. E chateia-me imenso, vou às saídas de campo e só estão lá a fotografar as plantas. Eu gosto é de arrancar a vegetação para se ver bem as falhas! (risos)
12. Qual foi o seu primeiro trabalho remunerado?
Foi
logo o estágio, porque tivemos a sorte de, nessa altura, ser remunerado, e foi
na Escola Dona Luísa de Gusmão, em Lisboa, perto do bairro da Graça. Foi uma
experiência única. Logo no primeiro dia de aulas, um miúdo pulou por cima da
cadeira para se sentar. E eu ainda filmei algumas aulas do estágio para o meu
trabalho, pedi a um colega que tinha uma câmara: era eu a explicar e a
gesticular e eles [alunos] todos a falar. (risos) Estavam dois alunos
atentos e era para esses dois que eu dava a aula, porque o nosso orientador
queria que eles trabalhassem sempre em grupo. Estamos a regressar a essa
metodologia novamente, tem vantagens e tem desvantagens. Mas a experiência, fui-a
adquirindo e, portanto, na altura ainda me sentia muito miúda no meio deles.
Ainda hoje, a parte gratificante de ser professora e desta faixa etária, dos 12
aos 14/16 anos, é esta energia que eles trazem, a alegria. É contagiante e é
única. Isto não substitui nenhuma outra profissão, não gostava de fazer outra
coisa!
" (...) também me possibilitou crescer a nível científico, porque tenho ido à procura de conhecimento para desenvolver e para ensinar melhor. E sem dúvida que essa atividade me tem dado muita satisfação "
13. Na sua vida profissional, conte-nos qual é a atividade que mais prazer lhe dá.
Sem dúvida que é o clube de Geologia, que, entretanto, tive a possibilidade de criar, com algum receio no início, porque sair para o campo com dez crianças de idades entre os 10, 12/13 anos é complicado, requer muita disciplina, muita responsabilidade. Mas ao longo do tempo fui ganhando experiência e substituí as horas de apoio ao estudo, tutorias, que os meus colegas têm para preencher o horário, com essa hora, que, entretanto, também me possibilitou crescer a nível científico, porque tenho ido à procura de conhecimento para desenvolver e para ensinar melhor. E sem dúvida que essa atividade me tem dado muita satisfação e ajudado a superar os constrangimentos da profissão, que todos conhecem. Os salários baixos, as horas a mais de trabalho burocrático não contabilizado, as reclamações dos pais, a indisciplina dos alunos...
14. É recompensador?
Sim, tem sido recompensador, porque já tenho alunos que passaram pelo clube e são hoje estudantes de Geologia na Faculdade de Ciências [da Universidade de Lisboa]. Já tive o privilégio de os encontrar nas Feiras Internacionais de Gemas, Fósseis e Rochas, na "Escola Politécnica" [Lisboa], onde anualmente acontecem. E foi uma surpresa enorme ver lá alunos que começaram a martelar no clube a olhar para as rochas e para os fósseis. (risos)
15. E como é que surgiu esta ideia de criar o clube de Geologia?
A ideia partiu do Mário Cachão, foi o meu inspirador, com o projeto Rocha Amiga que depois evoluiu para o programa Rocha Amiga. Infelizmente, surgiu num contexto muito difícil para os professores, em que nós deixámos de ter as horas para esse tipo de projetos e passámos a ter outro tipo de trabalho. E, portanto, não houve aquela adesão que eu esperava que houvesse, porque o projeto é giríssimo. Cada escola estuda a amostra típica da sua zona, faz a descrição científica, o tipo de ambiente e ecossistema inclusive, as aplicações dessa rocha na indústria ou nos monumentos, ou até mesmo histórias ou lendas ligadas à rocha, construindo um relatório-tipo que ficava disponível no site do Ciência Viva. E depois as escolas trocavam amostras de rochas consoante o interesse naquela amostra. Eu cheguei a trocar umas 12 amostras com outras escolas. Tenho, por exemplo, um granito de Guimarães, com a fichinha a acompanhar, tenho o basalto ali da zona do Penedo do Lexim, na Malveira, e a nossa também viajou para outras escolas, nos envelopes de correio verde. (risos)
" (...) foi a partir da carta que eu peguei e disse 'Não, Carla, tu tens que estudar a carta, tu não podes andar por aí a estudar as rochas bonitas à superfície, tu tens primeiro de estudar tudo o que está na carta [geológica]' "
16. Qual é a escola mais longe a que chegou?
Talvez Sines… Temos o grés de Sines, e [a nossa amostra] também foi para Mirandela, e recebemos um quartzito de Mirandela. Essa escola tem até um bonito afloramento na própria escola, de quartzito. E isto até era interessante, se houvesse continuidade, mas requer muito tempo que nós, professores, não dispomos.
17. E qual é a atividade que menos gosta?
São as atas, é escrever atas. Porque nós, no básico, vamos ao detalhe de todas as atividades que são feitas na escola, as atas chegam a ter para cima de 12 páginas. E isso é muito cansativo, é extenuante. Agora estamos no regime de semestres, as escolas todas de Odivelas passaram para o regime de semestres, o que quer dizer que passamos a ter quatro momentos de avaliação formal, em vez de seis, como quando havia os trimestres, contando com as avaliações intercalares, entre o primeiro semestre e o segundo. Portanto, isto reduz as seis atas para quatro, para os momentos de avaliação, à exceção das extraordinárias, quando há casos disciplinares ou outras situações que requeiram nova reunião. Às vezes, não temos a sorte de ter um colega que seja mais colaborante como secretário, mas isso também traz vantagens, pois já tive o caso de conseguir um cartoon giríssimo com um colega que também não gostava de fazer as atas como eu! (risos)
18. Qual é a sua publicação favorita na área das Geociências? Pode ser uma carta, um livro, um artigo…
Uma carta
é a [Folha] 34-B [Loures], porque é o meu instrumento de trabalho. E, portanto,
foi a partir da carta que eu peguei e disse "Não, Carla, tu tens que estudar a carta,
tu não podes andar por aí a estudar as rochas bonitas à superfície, tu tens
primeiro de estudar tudo o que está na carta, porque a carta [geológica] é que
é a receita para o conhecimento desta zona". E, realmente, comecei a ler e a
simplificar, a fazer pequenas publicações no Facebook sobre a Geologia, também
para ajudar os meus colegas a irem tendo conhecimento do que havia aqui à volta,
para não se perder informação que está a desaparecer com a urbanização
crescente. No meu bairro, depois da pandemia, nasceram 12 moradias, só numa rua
e, portanto, são afloramentos e são fósseis que se perdem. Eu ainda apanhei uma
amonite com 50 centímetros de diâmetro, colhida, deixada ali, na moradia em
frente à minha, onde eu moro – hoje está no espaço do quintal. Mas é uma pena,
porque teria desaparecido. O fóssil é da Formação Galé e Caneças indiferenciadas,
que é também para mim uma unidade muito difícil de compreender, tem muitos
níveis, e os níveis são descritos com base no conteúdo fossilífero. Não é
fácil. Já tenho bastante familiaridade em reconhecer, na área, os vários
níveis, mas há sempre trabalho a fazer. Também tenho livros de Geologia que
estou a adorar, os [dois] volumes recentes do professor Rui Dias, "Portugal de
antes da História - 600 Milhões de anos de Evolução", por exemplo. Todo o tempo
que eu tenho livre, que não é muito, é para ler. E estou a gostar imenso, acho
que vai ser a bíblia da Geologia por cá. Eu já disse a brincar ao professor Rui
Dias, numa ocasião de uma palestra, que ele é o Moisés da Geologia. (risos)
O Moisés escreveu os dez mandamentos e ele está a escrever um documento
importante da Geologia, os três volumes. A ideia que agora tenho é pegar na
carta militar e fazer a topografia/geologia de Caneças, tentar retratar, vai
ser esse o meu desafio, para além daquele guiazinho infantil. (risos)
" (...) e fui selecionada para a saída de Marrocos, com o Luís Vitor Duarte. Pronto, nunca mais quis outra coisa! Fiquei encantada, com o conhecimento dele a vários níveis, não só da Geologia. "
19. É um bocadinho no âmbito desta sua curiosidade em querer fazer melhor e saber mais de Geologia que foi ter, ou foi encontrada, pelos Geoapanhados? Como é que surgiu esse encontro?
Foi através de um colega de "Português", lá na minha escola. Tento dar um bocadinho de apoio aos colegas novos que chegam, para os integrar e para começar a conversar, porque estão sempre sozinhos a trabalhar no computador. E, por acaso, eu estava a pesquisar qualquer coisa sobre Geologia e ele viu e começou a falar das rochas na zona dele, e disse que sabia de um grupo, a Associação Portuguesa de Professores de Biologia e Geologia de Coimbra [APPBG], que organizava formações para a minha área, porque a esposa é de biologia e Geologia. Ele é o Gabriel e ela é a Ana. E foi graças a ele, que me disse: "Olhe, todos os anos fazem, o ano passado foram à Islândia, e este ano vão abrir outra formação – esteja atenta que esgotam logo as inscrições". E eu, "A sério? Então eu tenho de me inscrever!" e consegui. Foi para aí em 2016/17, e consegui nesse ano inscrever-me e fui selecionada para a saída de Marrocos, com o Luís Vitor Duarte. Pronto, nunca mais quis outra coisa! Fiquei encantada, com o conhecimento dele a vários níveis, não só da Geologia. São formações específicas para vermos aqueles afloramentos, não é uma viagem de turismo, voltámos com muita bagagem e depois isso desperta atividades didáticas com os miúdos e é uma lufada de ar fresco quando acontece durante o ano. São cinco dias durante o ano letivo, e em vez daquele sentimento de desgaste e de que o ano nunca mais acaba, vamos fazer outra coisa ainda mais gira! (risos)
20. Quando vai a estas saídas, ou às dos Geoapanhados, e volta, sente que vem renovada?
Completamente. E o conhecimento científico que se traz, o perceber que a aprendizagem não se esgota e é continua, e que cada pessoa com quem nós contactamos, cada pessoa e cada geólogo das diferentes áreas, é uma riqueza enorme. E que nós professores nunca conseguiríamos reunir tudo isso, mas somos a ponte e o veículo para fazer chegar esse conhecimento. Porque os artigos científicos, escritos com grande método e rigor, ficarem no ciclo onde são produzidos, não tem interesse nenhum. É preciso fazer chegar ao público jovem e ao público "cá de fora".
21. Fale-nos dos Geoapanhados.
Os Geoapanhados têm o Geoapanhado-mor, que é o Francisco Sousa, um colega e amigo. Ele é do Porto, mas trabalha numa escola de Aveiro e tem um conhecimento enorme sobre Geologia. Foi com ele que eu percebi que não sabia nada, porque quando eu achava que estava a começar a saber alguma coisa e a perceber dos minerais, das rochas, apanhei um granito nefelínico e mostrei-lhe "Olha, Francisco, que granito tão bonito, já viste?" e ele pegou e disse, "Isso é um epi-sienito"! E estávamos numa saída de campo no Gerês, perto de Espanha, e eu disse "Tenho mesmo que ir estudar e não posso faltar às saídas de campo!" (risos) A partir daí, percebi que todo o grupo respira o mesmo espírito, nós vamos, ninguém se atrasa, ninguém vem triste, conseguimos conciliar a vida familiar, estar presentes. Não conseguimos ir a todas as saídas que o Francisco organiza. Ele tem um calendário: a época da caça ao afloramento, que ele chama assim. (risos) E é uma época porque está relacionada com as condições climatéricas, não queremos ninguém a escorregar pelos afloramentos nem a ter deslizamentos. (risos) Mas desde que abre a época até que encerra, quinzenalmente, ele seleciona as inscrições com base nos critérios de prioridade, mas dá sempre oportunidade de todos poderem participar. E já criou outra dinâmica que é passar para nós a responsabilidade de levar os colegas a conhecer a sua zona. E, portanto, já houve colegas que tiveram essa iniciativa, eu também aceitei o desafio, e cresci imenso com essa oportunidade. Porque escrever o guia de campo para os meus amigos ajudou-me a sistematizar o conhecimento, que era isso também que me estava a faltar, concentrar a informação num documento que seja útil, que possa também ainda ser melhorado com o passar dos anos.
22. Sabe, mais ou menos, quantos é que vocês [Geoapanhados] são?
Não faço ideia, o Francisco deve saber. Eu por acaso interesso-me muito por números, sei que no ano letivo anterior dei 460 aulas, tive em 57 reuniões, mas nos Geoapanhados, quantos são, não sei… Para cima de 200, penso eu! Por cada saída são entre 25-30, mas depende da saída. Quando a saída é nos nossos veículos, mais de cinco carros já dificulta. Chegamos a ser 10 carros, a interromper o trânsito nalgumas zonas, às vezes há constrangimentos. (risos) Mas são sempre geo-aventuras gratificantes.
23. Também já ouvi dizer que há sempre provas gastronómicas…
Eu sou mais apologista da comida de campo! A cervejinha e a lata de sardinhas, fico satisfeita. Quero é ver rochas! O estar ali uma hora a comer e à espera de ir à casa de banho, café, não é para mim, é tempo perdido para ver rochas. (risos)
24. Olhando para trás, qual é o evento ou o momento mais marcante da sua carreira?
Eu acho que está a ser este! (risos) Porque eu gosto de aparecer, sou uma Facebookiana assumida, tenho muitas rubricas, divirto-me com a Geologia, portanto uso o Facebook como instrumento de trabalho e diversão para a Geologia. Basicamente, para além do gato, que aparece de vez em quando, gosto imenso de escrever sobre Geologia, desde a rubrica "A Geologia na minha bijuteria", os ditados populares para Geólogos, desde as saídas de campo que eu procuro documentar, porque isso facilita muito os trabalhos que temos que fazer e os relatórios, e eu vou lá buscar informação. No clube de Geologia, nem sempre tenho possibilidade de escrever o que aconteceu em cada saída que faço com os miúdos, mas se fizer uma pequena reportagem, depois consigo ir recuperar essa informação e é útil para o ano seguinte. Portanto, para mim, eu acho que este é o ponto máximo da minha carreira como humilde professora. Mas há outros colegas meus, no grupo [Geoapanhados], com muito trabalho que admiro imenso. Por exemplo, o Nuno Correia. Quando comecei a escrever umas coisinhas, encontrava spots dele na internet, e também criei admiração por ele, pela forma como ele escreve. Há pessoas com muita riqueza no grupo que ainda não foram descobertas, certamente.
25. Qual é que é assim o momento na sua carreira que considera mais complicado, ou um falhanço ou embaraço?
Como professores, temos muitos, quase diariamente. Agora, recordo-me de um logo no início, a seguir à faculdade, no primeiro ano em que eu vim dar aulas, aqui em Caneças, para onde curiosamente regressei 14 anos depois. Nesse primeiro ano eu já tinha acabado o programa do 7º ano e deixei os alunos sair mais cedo 10 minutos. A informação chegou aos ouvidos do presidente, atual diretor, fui chamada à direção, levei uma descasca e saí de lá a chorar. Eu tinha feito um trabalho com os miúdos do 7º ano que achei interessante, em Área de Projeto na altura, e celebrava-se o Ano Internacional da Luta contra a Xenofobia e fiz um vídeo, inclusive com música, e tudo isso foi desvalorizado, e eu desatei a chorar. Achei um bocadinho injusto, mas passados estes anos acho que já consegui conquistar a admiração do diretor, que também está a cumprir o seu papel. Serviu-me de emenda, nunca mais deixei sair mais cedo, entretenho-os com estratégias, faço render até à sexta-feira às seis e meia. Às vezes já são seis e meia e eles ainda estão a fazer perguntas. E isso também valeu, marcou, mas valeu.
26. Além do clube e os Geoapanhados, sobra-lhe tempo para fazer mais alguma coisa, algum hobby?
Eu também tenho de descansar para ganhar forças para as saídas de campo! (risos) Mas sim, tenho. Eu canto no coro aqui da Sociedade Musical e Desportiva de Caneças. Agora estamos temporariamente em descanso, porque o ano passado tivemos três concertos seguidos, e isso também requer muitas horas à sexta-feira à noite e durante a semana e o grupo já estava a ficar pouco assíduo aos ensaios. E é preciso união, como em qualquer grupo, e dedicação, para o trabalho sair bem. Mas conseguia conciliar, e isso também era outra forma de ganhar à vontade e de aparecer. (risos)
Intraclasto
A Geologia na bijuteria da Carla
Como intraclasto, a Carla trouxe-nos um dos vários projetos de escrita geológica a que se dedica nos tempos livres, a rubrica facebookeriana "A Geologia na minha bijuteria".
"Comecei por reparar que a maior parte da minha bijuteria são peças de rochas, de minerais, de fósseis; estes brincos que estou a usar são seixos e foram feitos por uma aluna de Geologia, mas também tenho amonites, que comprei nas feiras dos minerais, às vezes encontro pedras já com furinhos, como esta que estou a usar da cascalheira da Serra da Arrábida, e faço disso uma peça de bijuteria. Depois dá-me um gosto enorme descrever essa peça, ir à procura das características dos minerais. Também é uma forma de eu aprender, porque falta-me a cadeira de mineralogia, e vou vendo as propriedades, fica lá registado, e vou complementando. E também confesso, sou vaidosa e gosto deste lado feminino, que é conciliar a Geologia com um toque de arte e de adereços ".
Outro dos geoprojetos da Carla são os "Provérbios para Geólogos", os quais foram cedidos para uma rubrica mensal da APG. Consulte aqui.
Geomanias
Rocha preferida? Brecha da Arrábida
Mineral preferido? Turmalina, adoro
Fóssil preferido? A Nerinea, porque tem uns tabiques lindíssimos.
Unidade litostratigráfica preferida? A Formação Galé e Caneças indiferenciadas.
Recursos minerais metálicos ou não metálicos? Metálicos, heavy metal forever! (risos)
Era, Período, Época ou Idade preferido? Cretácico, antes disso Caneças ainda não existia para mim.
Trabalho de campo ou de gabinete? Campo
Martelo ou microscópio? Martelo, sempre!
Amostra de mão ou lâmina delgada? Amostra de mão
Pedra mole ou pedra dura? Pedra dura
Ortóclase ou Ortoclase? Ortoclase