Mafalda Oliveira

Janeiro 2022






RECURSOS MINERAIS

SÓCIA APG Nº O1459

É natural de Vila Nova de Gaia e trabalha na mina de Neves Corvo. Foi no 11º ano que despertou para a Geologia. Prefere os silicatos, mas abre uma exceção para a aragonite e a rodocrosite. No dia que entrou no túnel de Águas Santas, ainda em construção, tudo parou... 

"...no dia que eu entrei no túnel [de Águas Santas] pararam os trabalhos, parou tudo. Porque eu era mulher. 

Fomos ao encontro da Mafalda na Gare do Oriente. Tudo o que nos envolvia remete para a sua área profissional: os recursos minerais. Sem eles, não haveria comboios. Nem carris. Nem edifício. Nem ecrãs. Nem sistemas de som para anunciar as linhas e interromper-nos a entrevista. Nem câmara e microfone para registar as histórias geológicas da nossa convidada. Determinada e muito segura das suas escolhas e dos seus gostos "brutos", para os quais despertou no 11º ano pela mão do seu entusiasta professor de Geologia, prefere os silicatos, mas abre uma exceção para a aragonite e a rodocrosite. Neste frio mês de janeiro, vem conhecer um pouco mais da história por trás da geóloga Mafalda Oliveira e o porquê de ter feito parar os trabalhos de construção do túnel de Águas Santas.


Entrevista
Gare do Oriente, Lisboa, julho de 2021


1) Nome, idade e local de nascimento.

Vou dar o meu nome mais curto e o mais profissional que é Mafalda Oliveira. Que eu tenho um nome muito grande. Nasci em Vila Nova de Gaia no dia 22 de janeiro de 1965 [56 anos].

2) Se tivesse de resumir numa única frase o que faz profissionalmente, para leigos, o que diria?

Atualmente, agora? (risos) Podia dizer uma coisa mais redutora, faço gestão de equipa. Porque ao fim de 30 anos de trabalho, como devem calcular, faço gestão de equipas. Do ponto de vista mais técnico, faço tudo o que está relacionado com a caracterização geológica, geoquímica e geotécnica dos resíduos mineiros produzidos em Neves Corvo, bem como a hidrogeologia toda de Neves Corvo. Tenho uma equipa.

3) Em que ano e onde ingressou no curso de Geologia?

Na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto em 1982.

4) O que a levou a seguir Geologia?

O meu professor de Geologia do 11º ano. 

5) O que é que ele tinha de diferente? Era geólogo?

Era geólogo, era um professor brilhante. Eu nunca tinha tido qualquer contato com a Geologia, na altura era uma cadeira obrigatória, não havia uma disciplina [de Geologia] opcional, era obrigatória. E ele era brilhante a explicar, brilhante a cativar e, de facto, foi ele que despertou em mim o gosto pela Geologia, o gosto e vontade e curiosidade de saber mais. Era o professor Mário Xavier, do Liceu Nacional de Vila Nova de Gaia, hoje Escola Secundária de Almeida Garrett. Nunca mais soube nada dele.

6) Qual foi o primeiro contato consciente que teve com a Geologia?

O primeiro contacto foram as aulas iniciais dele [professor Mário Xavier]. Foi logo no início, se não foi na primeira aula, foi logo na segunda. Depois fizemos passeios e visitas de estudo giríssimas, interessantíssimas. Fomos, por exemplo, para o Maciço Calcário Estremenho. 

"Reconheço e dou muito valor aos geólogos que desenvolveram a Geologia em Portugal... no início." 


7) Então se assim foi, antes de querer ser geóloga o que gostaria de ter sido?

Quando eu era miúda queria ser veterinária, mas isso acho que todos querem! (gargalhada) Quando era miúda gostava muito de animais, aliás, eu gosto muito de animais e esse gosto mantenho. E, de facto, passou por mim a vontade de ser veterinária. Acho que houve ali uma fase que eu não sabia o que queria ser, nos primeiros anos de liceu eu dizia que queria ser veterinária.  Agora o gosto que eu tenho pelos animais é igual ao gosto que eu tenho pelas rochas.

8) Na família, quer em gerações anteriores ou posteriores, há mais alguém ligado à Geologia?

Há agora um filho de um primo. Eu fui a primeira. (sorriso) Sei que ele está a acabar o curso aqui em Lisboa.

9) Foi uma aluna média, boa ou muito boa durante os tempos universitários? Fazia parte dos mais calados ou dos mais participativos?

Tinha dias. (risos) Mais calada ou mais participativa, acho que em média fui uma aluna boa. Claro, há cadeiras que nós gostamos muito mais em que eu fui muito boa e cadeiras que nós temos que fazer e em que eu fui menos boa, mas em média fui boa [aluna], sim.

10) De que disciplinas gostou mais?

Geologia de Portugal tive uma nota boa, também Geoquímica e Geologia de Engenharia.

11) No tempo em que foi estudante, seguramente alguns professores, de uma forma ou outra, tiveram um impacto em si. Se pudesse escolher um, só um, dos professores [universitários] que mais a influenciou nessa altura, quem escolheria?

Eu vou escolher um, (pausa) porque eu tive vários que eu reconheço que me influenciaram e que me ajudaram. Mas eu vou escolher um, porque foi aquele que, de facto, condicionou o meu percurso profissional e que me abriu a porta para o meu percurso profissional: chama-se Fernando Noronha [FCUP e aqui]. Tenho pena de ser só um, porque tive outro durante o curso que me influenciou também bastante e de quem hoje sou muito amiga. Mas escolho o Fernando Noronha porque ele abriu-me a porta para a minha atividade nas Minas de Neves Corvo em 1989.

"... fui à Islândia com a minha filha (...) para mim, a viagem geológica da minha vida. "

12) Tem algum geoídolo? Quem é o seu geólogo favorito ou a sua referência na Geologia?

Não tenho, não tenho. Reconheço e dou muito valor aos geólogos [no geral], e aos geólogos que desenvolveram a Geologia em Portugal...no início. Não vou destacar um nome, porque acho que foi um trabalho, de facto, contra tudo e contra todos. Dou muito valor a quem pôs mãos à obra, e meteu a Geologia no mapa e que hoje volta a estar outra vez fora do mapa. Mas todo o trabalho inicial feito em Portugal, inclusivamente por estrangeiros, é de facto glorioso e reconheço isso. E com as condições da altura!

13) E no seguimento, tem alguma publicação [da área das Geociências] preferida (pode ser livro, artigo, carta,...)?

Mas de quem, minha? (sorriso). [Pode ser uma a que regresse muitas vezes]. Eu leio muita coisa sobre a Geologia de Neves Corvo, de Geologia de Engenharia e Geoquímica. Mas assim um artigo que eu já saiba de cor, já não o uso. Por exemplo, consulto aqueles dois tomos do livro de Geologia de Portugal e gosto e vou lendo, mas eu leio mais é sobretudo da Geologia de Neves Corvo e da Faixa Piritosa Ibérica.

14) Naquilo que é a sua vida profissional, qual é a atividade ou exercício que mais prazer lhe dá? É a gestão de equipas, o trabalho de laboratório, a análise de dados?!

É o trabalho de campo e a gestão de equipas. A gestão de equipas é um desafio diário, mas é um orgulho ver a equipa crescer e a ser de facto muito competente, tecnicamente falando. Agora, trabalho de campo sempre gostei muito, muito mais do que [trabalho de] microscópio. Também gosto de laboratório, mas o [trabalho] de campo sempre gostei muito.

15) Já marcou férias propositadamente para um lugar porque queria ir lá ver algum afloramento, mas ocultou da família o verdadeiro motivo da escolha do destino?

Não, mas fui à Islândia com a minha filha. E foi de facto, para mim, a viagem geológica da minha vida. Falta a costa norte, vi a costa sul toda. (sorriso) E para a minha filha, que é de ciência política, foi uma lição de Geologia também!

16) Qual a resposta mais caricata ou hilariante que recebeu de familiares ou amigos quando à pergunta "que fazes da vida" respondeu "sou geóloga"?

Foi há muito tempo, quando estava a estudar Geologia, fui por acaso um dia almoçar a casa da minha avó e foi lá alguém que a minha avó conhecia, não me lembro quem, e perguntaram o que é que eu fazia e a minha avó disse "olhe, está a estudar Geologia" e a resposta foi "a sua neta tem uns gostos tão brutos". (risos) Eu fiquei irritadíssima, a minha avó não respondeu e eu, até hoje, não me esqueci. Depois há outras, mas esta foi de facto a mais hilariante. 

17) Conte-nos um evento ou momento marcante na sua carreira, pode ser mais ou menos positivo.

Também [foi] há muitos anos, quando comecei a estagiar. Estavam na altura em construção as autoestradas de Porto-Braga e Porto-Amarante, e eu fiz estágio no túnel de Águas Santas. Acompanhei a construção toda do túnel. O túnel, propriamente dito, estava a ser construído por uma empresa Italiana, a Italstrade, para onde eu depois fui trabalhar. E no dia em que eu entrei no túnel, eles pararam. Pararam os trabalhos. Porque eu era mulher. (risos) Parou tudo. [Não estavam à espera?]. Não. Eu e uma colega minha de curso fizemos lá estágio e no dia em que entrámos no túnel eles pararam todos. E eu disse - "olhe, é melhor continuar, senão a obra não acaba". Isto foi em 1988. Depois, no início de Neves Corvo, em 1989, houve ali uns anos em que também não foi fácil. Não é que tenha tido episódios desagradáveis, mas foi preciso sempre provar mais. Hoje é um orgulho para mim ver Neves Corvo cheia de mulheres, mineiras, nas lavarias, no fundo [de mina]... Isto é um filme passado, mas de facto tive sempre a sensação que tive que provar mais do que os colegas [homens]. Mas pronto, isto é passado. Soube gerir muito bem isto, dei as respostas certas e não me atrapalho nada com essas coisas. Quem está errado são eles [gerência no passado], não somos nós.

"Hoje é um orgulho para mim ver Neves Corvo cheia de mulheres"

Fotografia feita posteriormente, em julho de 2023, durante o XI Congresso Nacional de Geologia, em Coimbra, porque no dia da entrevista nos tínhamos esquecido ;) Um beijinho especial para a Mafalda, a nossa primeira APG 365!


Geomanias

Rocha preferida? Granito

Mineral preferido? Essa pergunta não se faz. (risos) É muito difícil, não pode ser só um. Eu vou dizer que os minerais que eu mais gosto são os silicatos. Os que eu menos gosto são os carbonatos mas, dentro dos carbonatos, há dois que eu adoro: aragonite e rodocrosite

Fóssil preferido? Trilobite

Unidade litostratigráfica preferida? [toda a] Faixa Piritosa Ibérica

Era, Período, Época ou Idade preferido? Paleozóico

Trabalho de campo ou de gabinete?/Amostra de mão ou lâmina delgada? Campo / Amostra de mão

Carta Geológica favorita? A carta geológica de Portugal à escala 1:1 000 000

Pedra mole ou pedra dura? Pedra dura

Recursos minerais metálicos ou não metálicos? Metálicos

Crosta ou crusta? Crusta (sorriso)


Teaser da entrevista