Maria dos Anjos Ribeiro
Março 2022
PETROLOGIA/GEOQUÍMICA
SÓCIA APG Nº O514
É natural de Aboboreira e é beirã com muito gosto. Ensinar é uma das coisas que mais prazer lhe dá. É docente e investigadora na FCUP. Foi pela mão do avô que contactou pela primeira vez com a Geologia...
"Eu adoro dar aulas e quando deixar de ser ativa, acho que a coisa que mais me vai custar é deixar de dar aulas."
Quase uma arroba de anos depois, regressámos ao local onde conhecemos a Maria dos Anjos Ribeiro: a praia de Lavadores. Foi no meio de granitos tardivariscos que ouvimos as histórias desde os tempos em que o avô lhe mostrava trilobites, até às adaptações a sítios novos, mais difíceis do que a petrologia de migmatitos. Quem a conhece, jamais imaginaria que nunca lhe tinha passado pela mente estudar Geologia. Contudo, hoje nada lhe dá mais prazer do que transmitir o gosto pelas "mineralites". De Aboboreira para Coimbra, de Coimbra para o Porto, venham conhecer mais uma geóloga que aflorou na Beira Baixa, região que afinal nos tem dado muito mais do que o complexo xisto-grauváquico, tão apreciado pela Maria dos Anjos.
Entrevista
Praia de Lavadores/Miradouro do Estuário do Douro, Vila Nova de Gaia, julho de 2021
1) Nome, idade e local de nascimento.
Maria dos Anjos Marques Ribeiro. Nasci em 1958, portanto tenho atualmente 63 anos e nasci numa pequena aldeia, no centro de Portugal, que se chama Aboboreira e que pertence ao concelho de Mação, distrito de Santarém. Mas é Beira Baixa, sou Beirã com muito gosto.
2) Se tivesse de resumir numa única frase o que fez profissionalmente, mas para leigos, o que diria?
Essencialmente sou
professora de Geologia, ou seja, ensino os jovens que me ouvem a compreender um
pouco mais a Terra e, para fazer isso com o mínimo de bom desempenho, também
tenho que fazer alguma investigação sobre aquilo que ensino.
3) Qual é a área?
Ora, eu trabalho essencialmente na área da petrologia, da geoquímica, com um forte contributo cartográfico, dado que ao longo da minha vida tenho tido alguns desempenhos envolvendo cartografia geológica, a qual, na minha opinião, deve estar na base. Se não a cartografia, pelo menos a análise de campo e o reconhecimento das unidades e das rochas que depois detalhamos com tecnologias laboratoriais. A análise da inter-relação entre esses corpos deve ser primeiramente definida no campo e, portanto, a representação dessa relação geométrica está bem plasmada nas cartas geológicas.
4) Em que ano e onde
ingressou no curso de Geologia?
Ingressei no curso de Geologia
no ano letivo de 1977/1978, na Universidade de Coimbra. Eu digo no ano letivo
de 77/78, porque realmente não ingressei em Geologia em 77, mas sim em 78. Esse
ano letivo foi o primeiro em que os candidatos à universidade tiveram que fazer
exame de aptidão. Ou seja, no ano de 76/77, eu deveria fazer serviço cívico, que
era o que existia nos anos anteriores. Inscrevi-me no ano de 76/77 no serviço
cívico, mas como estava em Mação, "lá nas berças" como se costuma dizer (risos),
e com muita dificuldade de comunicação com a sede de distribuição dos
estudantes inscritos, que era em Santarém, a sede de distrito. Passava manhãs
no posto público, porque não tinha telefone em casa, a tentar saber
[novidades]. E nunca fui colocada, ou seja, fui colocada na escola primária da
minha aldeia, mas já não sei muito bem por que razão, nunca foi concretizado o
meu envolvimento no serviço cívico. Acho que aconteceu com muita gente, porque
nesse ano aquilo [o serviço público] já estava numa fase de transição. E o que
é que aconteceu? Em março, salvo erro, fomos informados de que o serviço cívico
deixava de existir e passava a existir um exame de aptidão à Universidade, que
foi realizado em junho ou julho, já não tenho datas, e nós tínhamos que fazer
exame a três disciplinas: o português e as duas nucleares, que, no meu caso,
eram as ciências naturais e a físico-química. Aconteceu que eu tinha estado um
ano parada, aconteceu que eu estava longe da prática letiva e de ter aulas e
tudo isso, e que depois motivar-me para estudar para os exames foi muito
complicado. E o resultado foi que eu tive uma nota muito boa a ciências
naturais, tive uma nota razoável a físico-química e tive um 10 a português,
(risos) má! E quem chumbasse a português ficava excluído, não entrava. Portanto,
eu passei ali assim [no limite]. Resultado, eu não entrei na universidade na
primeira fase, graças ao meu 10 a português. Entrei só na segunda fase de
candidatura e só ingressei em janeiro de 1978.
5) Lembra-se, mais ou
menos, de quantos alunos entraram no curso no seu ano?
Em Geologia? Em Coimbra,
éramos, salvo-erro, 33 ou 35 no primeiro ano.
6) O que é que a
levou a seguir Geologia?
Na sequência da história que eu contei anteriormente, na realidade, no liceu - eu fiz o secundário no Liceu Nacional de Abrantes - tive dois professores de Geologia espetaculares. Sobretudo uma professora de Geologia, que nos levou numa visita de estudo à Serra de Sintra, nunca mais me esqueci dessa visita, eu fiquei fascinada com a Geologia. Mas nunca tinha passado pela minha mente estudar Geologia, era uma coisa que eu nunca tinha equacionado. Os meus pais são de origem humilde, mas o irmão mais novo da minha mãe conseguiu ser médico. Graças a muito esforço, conseguiu. Portanto, para mim era um ídolo. Numa família em que as pessoas tinham a quarta classe e algumas nem isso, o meu tio mais novo conseguiu ser médico e eu também queria ser como ele, então queria ser médica. Vai daí, concorri em primeiro lugar para medicina e em segundo lugar para Geologia, porque era a área das ciências de que eu mais gostava no liceu. Não era que eu tivesse muita noção do que era ser geólogo, não era nada disso. Foi fruto desta situação.
"O Portugal Ferreira transmitiu isso de uma maneira [eficaz], era um professor entusiasta, dava aulas brilhantes e era uma pessoa muito inteligente."
7) Lembra-se do nome de
algum desses seus professores?
Não me consigo lembrar do nome da professora, eu acho que era Carolina, mas não tenho a certeza. E o professor, do sexto ano antigo, vim a encontrá-lo mais tarde, comigo já licenciada, mas também não me consigo lembrar do nome. Lamento. Ambos do Liceu Nacional de Abrantes em 1974/1975 e 1975/1976. Adorei o liceu, adorei os professores que tive, ótimos professores, destaco sobretudo a professora de matemática e os professores de ciências. Adorei a formação que tive no liceu e eu acho que isso teve um impacto positivo no meu futuro. Voltando agora à candidatura. Candidatei-me em primeiro lugar para medicina para Lisboa e para Coimbra e em segundo para Geologia, também para Lisboa e para Coimbra. Sempre primeiro para Lisboa e depois para Coimbra, porque na altura o meu pai estava em Lisboa e só vinha aos fins-de-semana e, portanto, eu tinha um apoio familiar. E o que aconteceu foi que eu vim para o curso de Geologia para Coimbra. E na altura, a minha adaptação a Coimbra também foi difícil. Isto é um testemunho que muitas vezes dou aos alunos, que a gente quando chega a um sítio [novo] nem sempre é fácil, e para mim não foi nada fácil. Primeiro, porque cheguei em janeiro e o ano letivo tinha começado em outubro. Eu cheguei em janeiro e 15 dias depois estava em exames de primeiro semestre. Eu, que no liceu sempre tinha tido ótimas notas a ciências, tive a minha primeira negativa. (risos) Fui fazer exame prático de Geologia geral e apanhei uma negativa, porque eram os mapas e eu até pensava que estava a perceber aquilo, mas na realidade não estava a perceber o suficiente para fazer um exame e apanhei um 9. E o primeiro ano correu muito mal.
8) Até em relação à cidade?
Até a cidade. A adaptação à cidade, a adaptação a tudo, era tudo novo, o primeiro ano foi muito difícil para mim. Até que eu me lembro que em agosto, quando estava em casa, disse aos meus pais "eu vou fazer os exames de recurso", que eram em setembro, "se correr bem, eu continuo, se continuar a correr mal, eu venho-me embora", porque eu não me podia permitir ao luxo de andar ali a fazer que fazia - ou sim ou vinha-me embora! E em setembro, acho que tive uma iluminação qualquer e as coisas começaram a correr bem. Não consegui fazer todas as cadeiras, acho que deixei a química analítica, ou lá o que era, que não conseguia fazer, [até] porque também me tinha inscrito em muitos exames em setembro. Depois, no segundo ano, comecei desde o princípio e tenho que dizer e prestar homenagem a um professor, que foi o Portugal Ferreira, graças ao qual eu aprendi a gostar de Geologia. Porque ele foi, no primeiro semestre do segundo ano, meu professor de petrologia ígnea e depois no segundo semestre, de petrologia metamórfica. E ele conseguia transmitir o entusiasmo por aquilo, ele conseguia mostrar-nos como em Geologia está tudo interligado, e que é preciso pensar para poder interpretar as coisas. E, portanto, foram as petrologias, primeiro a ígnea e depois a metamórfica, que me abriram as portas para eu gostar de Geologia. E depois com outra componente, a de campo. O Portugal Ferreira transmitiu isso de uma maneira [eficaz], era um professor entusiasta, dava aulas brilhantes e era uma pessoa muito inteligente. Isto eu não preciso de estar a dizer aqui, porque toda a gente sabe isso, acho eu, mas podia ser muito inteligente e não ser um professor muito cativante. Mas não, ele conseguia transmitir um entusiasmo muito grande e deu-me das melhores aulas que eu recebi na vida, também me deu das piores, porque às vezes aquilo ia tudo à última hora, mas isso já numa fase mais adiantada. Sem sombra de dúvidas, devo-lhe a ele o gosto que me foi germinando pela Geologia e por esta ciência.
9) Queria voltar só um bocadinho atrás. Há pouco referiu a sua saída de campo à Serra de Sintra, que foi muito marcante, terá sido este o seu primeiro contacto com a Geologia?
Por acaso, há bocado estava aqui a conversar em privado com a Sofia e transmiti-lhe que nasci numa zona onde há uma enorme quantidade de trilobites. O meu avô paterno tinha uma casa, bem, tinha e tem, que aquilo agora está em ruínas, uma casa de campo daquelas que ficam longe da aldeia, onde se guardavam as alfaias agrícolas. Essa casa estava construída em pedra que tinha montes de trilobites por todo o lado. De tal maneira que os caçadores de fósseis começaram a andar por lá - eu acho até que a casa está agora em ruínas também porque teve um importante contributo desses caçadores de fósseis, que foram tirando pedra! - E eu lembro-me de ser pequena e de conversar muito com o meu avô. Foi uma pessoa muito presente na minha infância, muito próximo. O meu avô era sapateiro e eu passava muitas horas com ele, ele gostava de ensinar. Ensinou-me a Nau Catrineta antes de eu ir para a escola primária, ele sabia aqueles poemas. Tinha a terceira classe, lia, então ia-me transmitindo isso. E uma das coisas que me transmitiu quando eu era pequena foram as trilobites, que me trazia lá do palheiro, como nós lhe chamávamos. Eu achava piada, mas nunca passou disso. Era muito miúda. Já mais crescida, lembro-me de o padre da aldeia ir lá apanhar fósseis e de perguntar ao meu avô de onde é que tinha vindo a pedra, já com mais consciência das coisas, para tentar saber se havia mais fósseis. Lembro-me de ir lá uma vez, mas nunca encontrei nenhum fóssil naquele sítio que o meu avô disse, mas eu também não tinha bem a certeza de ser aquela rocha. E depois disso, quando ingressei em Geologia, também nunca tive grande paixão pela paleontologia, verdade seja dita. Não foi nunca a minha apetência. Estranhamente, devo contar aqui uma inconfidência, que não é inconfidência nenhuma, está no meu currículo, eu fui contratada como monitora quando estava no terceiro ano e fui dar as minhas primeiras aulas, que foram de paleontologia: coitados dos meus alunos que me tiveram a dar aulas sobre crinoides. Eu estudei, cheguei lá e fiz o meu melhor, mas não era a minha área de eleição, de todo. Nem nunca foi. Mas foi uma vacina.
10) Na família, há alguém para trás ou agora mais recentemente, ligado à área das geociências?
Não, na minha família anterior não. O meu marido é geólogo, mas isso já foi fruto da contingência, fomos colegas de curso, portanto somos ambos da área da Geologia. Um dos meus filhos entrou em Geologia, mas não era o que ele queria, foi uma brincadeira. Quando ele estava a preencher o boletim [para concurso de acesso ao ensino superior] disse assim: "Até vou pôr aqui Geologia só para te chatear". E não é que entrou em Geologia?! Ainda foi aluno do professor [Fernando} Noronha, só que depois mudou porque não era o que ele queria. Ele queria engenharia civil, mas quis preencher aquilo [boletim] tudo. E portanto, não tenho mais ninguém na família na área da Geologia.
"(...) foram as petrologias, primeiro a ígnea e depois a metamórfica, que me abriram as portas para eu gostar de Geologia."
11) Já percebemos que o início foi um bocadinho conturbado, mas quando terminou o curso sentia que era uma aluna média, boa ou muito boa?
Era uma aluna média-alta, não vou ser falsamente modesta, mas não tinha notas assim [altas]. Eu tinha um colega de curso que era um aluno excelente, destacava-se de todos nós. Eu estava na "média alta", digamos assim.
12) Quem era o seu colega?
É atualmente professor em Coimbra, é o Eduardo Ivo Alves, fomos colegas de curso e ele, sem dúvida nenhuma, era o aluno dos dezoitos e dos dezanoves. Havia disciplinas em que eu tinha melhores notas do que outras.
13) Fazia parte dos que eram mais calados nas aulas, ou dos que gostavam de participar?
Não era muito faladora. Era e ainda sou um pouco tímida e por isso não era muito faladora nas aulas.
14) No tempo em que foi estudante, na universidade, já nos falou do professor Portugal Ferreira... se tivesse de escolher o professor que mais a marcou nessa altura, seria ele?
Sem dúvida nenhuma. Nessa altura da formação, seria ele, porque se não fosse ele, provavelmente eu teria desistido do curso, eu teria desistido da formação. Depois disso, tive professores que me marcaram noutro sentido. Aí tenho que destacar um, que é o professor Gama Pereira, já numa fase de maior maturidade da minha formação. Nunca trabalhei diretamente com ele, mas era um amigo com quem eu discutia muito. Eu sei que só me foi pedido um professor, mas tenho que referir outro, que foi a pessoa com quem eu iniciei as provas [de Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica], que depois não fiz [em Coimbra], que foi o professor Bernardo Sousa. Fiz muito trabalho de campo com ele, no xisto-grauváquico, quer no das Beiras, quer no do Douro. Era um professor, como eu costumo dizer, "low-profile", mas que me marcou muito, não só como professor, mas a nível humano. Era um professor de uma humanidade tocante.
15) Foi ele que a levou para os xistos? (risos)
Foi ele que me levou para os xistos, não tenho dúvida nenhuma disso. (risos)
16) Tem algum geoídolo? Quem é o seu geólogo preferido, assim aquela referência? Pode ser alguém que não tenha conhecido
Eu tenho dificuldade em destacar. Nesta fase da graduação, destaco estes três nomes [anteriormente mencionados], que foram importantes na minha formação em Geologia, mas também como pessoas, porque as pessoas tocam-nos a outros níveis. Mas o professor Bernardo Sousa, eu penso muitas vezes nele e penso no meu avô, são duas referências da minha vida e penso muitas vezes neles. São referências pela postura que tiveram. Já agora, tenho que destacar aqui alguém que também foi fundamental, que é o professor [Fernando] Noronha, que o foi numa outra fase do meu percurso, sobretudo no meu doutoramento e que também para mim é uma referência absoluta. Ele conseguiu, numa fase em que eu já estava na preparação do doutoramento, corresponder àquilo que eu ansiava fazer e que eu gostava de fazer. Conseguiu encaminhar-me exatamente da forma que eu gostava, ser um verdadeiro orientador.
"A folha 2 da carta geológica de Portugal, a 1:200.000, é uma folha lindíssima do ponto de vista estético, até mesmo para quem não sabe nada de Geologia, que olha para aquela folha e tem que ficar extasiado com a beleza."
Excerto da folha 2 da Carta Geológica de Portugal à escala 1:200.000 (LNEG).
17) Qual é a sua publicação favorita na área das geociências? Pode ser um livro, ou uma carta, um artigo...
A folha 2 da carta geológica de Portugal, a 1:200.000, é uma folha lindíssima do ponto de vista estético, até mesmo para quem não sabe nada de Geologia, que olha para aquela folha e tem que ficar extasiado com a beleza. E depois pelo seu conteúdo, obviamente, porque abrange o Douro e Trás-os-Montes e abrange uma das zonas que, geologicamente, é das mais interessantes. É uma folha a que voltamos muitas vezes. Ainda na semana passada, andei com alunos de doutoramento em Trás-os-Montes e lá levava a folha 2, um exemplar já todo rasgado, que ainda anda no meu carro, ainda não tive tempo de a tirar. Tenho que a colar. É uma folha fundamental na Geologia de Portugal. Obviamente, não estou a dizer que tudo o que está para trás não tem valor, porque ela está suportada nisso tudo, no que está para trás.
"E os meus filhos às vezes gozam: "Não se vão pôr a ver falhas deitadas, pois não?!". É uma expressão lá de casa. "
18) Só o é porque ainda
não fizeram a folha 3... (tom provocador)
Não sei se vai ser mais gira. Eu acho que é difícil superar a beleza da folha 2, a beleza estética e o conteúdo geológico da folha 2. (risos)
19) A Maria dos Anjos já fez muita coisa. No âmbito da sua carreira profissional, qual é a atividade ou exercício que mais lhe dá prazer?
Eu adoro dar aulas e quando deixar de ser ativa, acho que a coisa que mais me vai custar é deixar de dar aulas. Porque eu gosto, mesmo que às vezes seja difícil e cada vez [mais] há o distanciamento de idade entre mim e os alunos, de postura, cada vez é um bocadinho mais difícil. Agora acentuado com esta crise pandémica que vivemos. Mas vai ser, ainda assim, a atividade que me dá mais gosto fazer.
20) Já sabemos que, pelo seu marido, não seria inconveniente, mas já arrastou os seus filhos para umas férias porque queria muito ir ver alguns afloramentos e não lhes disse?
Já! E eles até gozam connosco. Agora já não gozam, porque os meus filhos já estão numa fase em que não vão de férias connosco. Daqui a algum tempo voltarão, acho eu, não sei. (risos) As últimas férias que fiz com os meus filhos, todos juntos, foi na Escócia. E eu devo dizer que fui porque gostava da Geologia da Escócia. Uma das noites ficámos acampados num parque de campismo juntinho ao "Caledonian Canal". De vez em quando, andamos em férias e é impossível não olhar para a Geologia, não tapamos os olhos. E os meus filhos às vezes gozam: "Não se vão pôr a ver falhas deitadas, pois não?!". É uma expressão lá de casa. (risos)
21) Qual foi a resposta mais caricata que recebeu de amigos ou familiares quando lhe perguntavam o que é que fazia da vida?
Eu devo dizer que grande parte dos meus familiares, sobretudo os mais velhos, não entendem isso muito bem. E numa gíria muito comum é "andar a apanhar calhaus". Mas agora tenho uma pessoa na família que, de vez em quando, em tom de gozo, diz-me assim: "Então já vai outra vez estudar mineralites? Então estas são as mineralites?". Eu não sou muito colecionadora, mas tenho uma vitrine com alguns minerais [em casa], que até me foram dados por um amigo que foi engenheiro de minas na [mina da] Panasqueira e tenho muitas amostras, muito bonitas da Panasqueira. E tenho-as numa vitrine. Uma das minhas netas gosta muito de ir para lá e eu, às vezes, vou-lhe dizendo os nomes dos minerais. Ela já sabe que um é escuro, um é claro, um é grande, um é pequeno... E portanto, às vezes brincam comigo, a dizer: "Lá está a transmitir o gosto pelas mineralites!".
22) Conte-nos um evento ou um momento que foi marcante para si, na sua carreira, que pode ser mais ou menos positivo.
Eu tenho para mim uma filosofia que é assim: mesmo os negativos têm sempre coisas positivas atrás. Uma das mudanças na minha vida em que eu tive de me adaptar mais, foi a minha vinda de Coimbra para o Porto. E não pode ser visto como um evento negativo, porque eu acho que ele foi positivo na minha vida. Mas foi difícil, no princípio, o meu primeiro ano no Porto. Lá está, são os anos de adaptação. E não foi difícil só porque o ambiente me foi hostil, não foi por isso. Foi difícil porque também correspondeu a outro impacto na minha vida, eu fui mãe nesse ano. Foi uma grande mudança, vir para uma cidade que eu não conhecia, onde eu só tinha vindo uma vez. A minha vida familiar mudou drasticamente, porque é uma grande mudança, e eu não tinha família nenhuma perto. Nada. Estava muito longe de toda a minha família e da do meu marido. O departamento está cheio de boas pessoas, eu acho que as pessoas do Porto dão a camisa pelos outros e ficam sem ela. Mas eu vou dizer uma coisa que acho que toda a gente diz quando chega ao Porto: era difícil porque o departamento era só de pessoas que eram "da casa" e eu vinha de fora. Ainda ontem, que fui com ele para o campo, o professor Noronha brincou comigo porque eu estava a fazer um comentário jocoso com a Helena Sant'Ovaia [professora associada da FCUP], e ele veio: "Lá está a escola de Coimbra". Eu já estou no Porto há 35 anos! Isto agora já não tem significado nenhum para mim, mas no princípio, às vezes, não era fácil de gerir, até porque eu também estava mais fragilizada, estava em fase de adaptação. Nunca foi grave, mas às vezes era difícil, às vezes era muito difícil.
Geomanias
Rocha preferida? Xisto e migmatito. Posso dizer duas? [Não!]. Pronto, xisto.
Mineral preferido? Quartzo.
Fóssil preferido? Trilobite, em memória do meu avô.
Unidade litostratigráfica preferida? Complexo xisto-grauváquico.
Era, Período, Época ou Idade preferido? Transição Proterozoico-Paleozoico.
Trabalho de campo ou de gabinete? Trabalho de campo.
Martelo ou microscópio? Muito difícil, o meu coração oscila. Microscópio.
Amostra de mão ou lâmina delgada? Amostra de mão. Gosto mais de caracterizar a lâmina porque vejo mais coisas, mas há amostras de mão que são livros abertos.
Carta Geológica favorita? Folha
2 [1:200.000], e complementava com a folha 1:50.000 de Vila Pouca de Aguiar
[folha 6-D], folha da minha tese.
Pedra mole ou pedra dura? Pedra dura.
Recursos minerais metálicos ou não metálicos? Metálicos.
Crosta ou crusta? Digo crosta,
embora às vezes escreva crusta.