Marina Sousa Paiva

Julho 2023










RECURSOS HÍDRICOS

SÓCIA APG Nº O1520


É Natural de Vale de Cambra, pelo que foi só meio caminho andado pela serra e caiu nos grabens da Geologia. Hoje é hidrogeóloga e continua a ser o trabalho de campo que mais a entusiasma, ainda que agora envolva banhos de lama. Se não souber a proveniência de uma amostra, prefere nem a ter! 

'Eu olhei para aquilo e pensei "Que paisagem incrível! As nuvens ali todas em baixo e nós aqui em cima!". E vi aquele encaixe todo das montanhas e comecei a pensar "Porque é que isto está assim? Porque é que não é diferente? Porque é que aqui tem este morro, ali aquela serra, mais suavezinha?'

Alegre e com muita graça, assim é a benjamim do APG 365 de 2023. Marina Sousa Paiva, a "miúda nova" que se intrigou com as formas da paisagem e que não parou até descobrir o porquê das serras onde cresceu e onde a fomos conhecer. Chegou a querer ser professora de natação e acabou mesmo na água: tragam-lhe a sonda de nível, o medidor de pH, de condutividade e temperatura e deixem-na no campo a inventariar a hidrogeologia! Venham conhecer a geóloga que prefere aturar as pedrinhas, que não falam, e para quem não há furo como o primeiro. "Geologia? Mas isso serve para quê?" perguntavam-lhe. Bem, para já, tem servido e muito bem para fazer a Marina feliz.


Entrevista 

Barragem Engenheiro Duarte Pacheco, Vale de Cambra, julho de 2022


1. Nome, data e local de nascimento.

Marina de Sousa Paiva. Nasci a 29 de julho de 1993 e sou natural de Vale de Cambra.

2. Conte-nos, mas como se fosse para leigos, o que faz profissionalmente?

Eu trabalho com a água subterrânea, ajudo na sua extração e na sua gestão, quer a nível de qualidade, quer a nível de quantidade. Para ser assim suavezinho, para perceberem (sorriso)

3. E um típico dia de trabalho seu, consiste em ir para o campo ou há mais?

Sim, temos um bocadinho de tudo! Temos de ir ao campo, fazer um inventário hidrogeológico, depois temos a parte do gabinete para processamento. Portanto, no campo podemos medir níveis, podemos fazer colheitas de água para fazer a medição do pH, da temperatura e condutividade elétrica. E depois vamos para o gabinete fazer o processamento de toda a informação.

4. Em que ano e onde é que ingressou no curso de Geologia?

Entrei na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, em setembro de 2011. Foi logo a primeira opção, foi muito bom!

5. Foi a sua primeira opção, ir para o Porto? Chegou a colocar uma segunda opção?

Foi! E sim, ir para o Porto. Mas pus, pus todas, eu preenchi tudo! Pus Geologia em Coimbra, como segunda opção, e Engenharia Geológica em Aveiro, como terceira. Sempre tudo em Geologia. Só depois é que acho que pus Engenharia do Ambiente na FEUP [Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto], sei que ainda pus Farmácia e Oceanografia Física em Aveiro, no fim, que era caso não entrasse em nada, podia ser que pelo menos conseguisse aquilo… (risos)

6. Então o que a levou a seguir as geociências?

Eu sempre fui muito apaixonada por vulcões. Sempre que via um documentário qualquer ficava fascinada com aquilo… a minha mãe ainda há uns dias se recordou disso. Mas, ainda assim, nunca me tinha despertado o bichinho para a Geologia. Depois fui a um passeio com os meus pais, nas serras de São Macário, que faz parte do Maciço da Gralheira, da serra da Arada. Era um domingo de manhã e fomos subindo a serra e, à medida que subíamos, víamos a neblina por baixo. Eu olhei para aquilo e pensei "Que paisagem incrível! As nuvens ali todas em baixo e nós aqui em cima!". E vi aquele encaixe todo das montanhas e comecei a pensar "Porque é que isto está assim? Porque é que não é diferente? Porque é que aqui tem este morro, ali aquela serra, mais suavezinha?". E, na altura, estava no 11º ano e foi quando comecei a dar a parte da Geologia e surgiu o interesse todo. Foi a partir daí que comecei a dedicar mais tempo à Geologia e a querer seguir esse ramo. 

"Ai vão para Geologia?! Que coisa tão feia! As plantinhas e as algas é que são bonitas e vocês vão para Geologia?!?" (...) A Geologia é sempre desvalorizada.

7. O seu interesse já tinha sido despertado talvez até por outros passeios…

Sim, estava aqui pertinho também. (assinalando a área em redor) Eu ia com os meus pais para a Serra da Freita e lembro-me de ser miúda e apanhávamos pedras do chão: "Olha que bonita, é diferente!". Trazia para casa, metia lá nos muros, nos canteiros e achava curioso terem uma vedação lá à volta. [Pedras Parideiras, Castanheira, Arouca]. Os meus pais diziam "Ah, porque isto é raro, é raro! Não existe mais no mundo". Também não se sabia bem o que é que era, foi no início, há muitos anos [primórdios do Arouca Geopark]. Nesta altura nem se falava ainda em Geoparque, era apenas um local protegido pela Câmara Municipal de Arouca com uma vedação.

8. Na escola, falavam disso? Nas aulas de Geologia?

Não! Não falávamos.

9. Apesar da proximidade…

Sim, mas não falávamos. Só depois no 12º ano, que conseguimos abrir uma turma de Geologia no secundário, é que a professora fez uma saída de campo lá. Mas até então não se ligava muito. Apesar da proximidade, não o faziam, até porque não havia ainda desenvolvimento da parte do geoparque, não havia ainda uma manifestação muito grande para tentar explicar o que é que havia, o património.

10. Não sei se tem familiares mais novos, mas a geodiversidade aqui do concelho entra muito mais no currículo escolar? Fazem mais visitas de estudo?

Sim, fazem saídas de campo lá. Mas ainda assim, há escolas de mais longe a irem mais vezes fazer esse tipo de visita do que as de cá. Ainda assim! (risos)

11. A galinha do vizinho…

… é melhor que a minha! Querem sempre passeios mais longe… Mas, de qualquer das formas, foi engraçado, porque no 12º ainda havia a disciplina de "Área de Projeto" e foi nessa altura que se iniciou o geoparque de Arouca. Eles tinham um site, com alguns sítios geológicos, mas não era muito divulgado, ainda era uma coisa muito fechada. E nós tentámos, pelas coordenadas, ir atrás de alguns desses pontos, porque o nosso projeto era fazer um livrinho sobre o património geológico aqui à volta e das aldeias de xisto. Mas só conseguimos assim aqueles mais cliché, que conhecíamos. Os outros que eles diziam, nós íamos com as coordenadas e nunca chegávamos a lado nenhum. Não havia indicações, não havia aqueles placarzinhos todos. 

12. Já tinha sido "aprovado" o geoparque quando entrou para a licenciatura?

Antes de entrar ainda não tinha sido aprovado. A casa das Pedras Parideiras, que foi dos primeiros geossítios, juntamente com cerca de mais 40 geossítios, a integrar a Rede Global da UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cutura, foi inaugurada apenas no final de 2012. Tinham um site, começaram a pôr alguma informação, mas ainda não estava muito divulgado. Não sei se dissemos à Câmara ou a alguém da ADRIMAG [Associação de Desenvolvimento Rural Integrado das Serras do Montemuro, Arada e Gralheira], mas fizemos questão de assinalar que eles deviam pôr umas indicações, umas setinhas. Porque no nosso livrinho escrevíamos "Na segunda curva à esquerda, no terceiro poste de eletricidade, caminham não sei mais quantos metros e está lá o afloramento das dobras". (sorriso) E foi assim que descrevemos alguns dos afloramentos na altura, porque ainda não tinha indicações. Hoje já está tudo sinalizado, já é fácil encontrar.

"Na segunda curva à esquerda, no terceiro poste de eletricidade, caminham não sei mais quantos metros e está lá o afloramento das dobras". E foi assim que descrevemos alguns dos afloramentos!

13. E no 12º, o professor vinha da biologia ou da Geologia?

Era da biologia! E depois teve a "lata" de nos dizer "Ai vão para Geologia?! Que coisa tão feia! As plantinhas e as algas é que são bonitas e vocês vão para Geologia?!?". (risos) A professora era muito querida, mas ainda assim mandou aquela. A Geologia é sempre desvalorizada. É que "nós" somos a base para a vida poder desenvolver! (risos)

14. O que é que a sua família disse quando os informou "Olhem, quero mesmo Geologia, vou tentar concorrer para entrar neste curso"?

Pois, na altura eles não sabiam bem o que é que eu estava a dizer: "Geologia? Mas isso serve para quê?". E eu fui dizendo alguma das saídas profissionais e foi curioso, porque o meu pai tem uma empresa de terraplanagem e dizia "Desde que tu não venhas para as obras dizer que eu não posso escavar porque tem lá uma rocha diferente, tudo bem!". (risos) Foi engraçado ele dizer isso assim! (risos) A minha mãe na altura disse "Ai tu devias ir para psicologia, que tu és muito boa a psicologia, tens muito boas notas!". "Mas mãe, eu aturar pessoas não quero. Prefiro aturar as pedrinhas que não falam, não chateiam!". (risos) Eles sempre apoiaram. Claro que mandavam a piada do "Ela estuda calhaus", mas apoiaram sempre, nunca se opuseram a nada, aceitaram, sim.

"Mas mãe, eu aturar pessoas não quero. Prefiro aturar as pedrinhas, que não falam, não chateiam!"

15. E enquanto foi aluna de Geologia, que foi assim há muito tempo… (risos) do seu ano, há mais alguns colegas que estejam agora a fazer carreira na área?

Há sim! A Cátia Dias, a Adriana Batista, o Ricardo Silva, a Maria João Oliveira. Por exemplo, a Adriana está a fazer divulgação científica, a Maria João está também em divulgação científica, a Cátia está na parte de prospeção de recursos minerais e o Ricardo está em geofísica.

16. Acha que durante o curso foi uma aluna média, boa ou muito boa?

Eu era uma aluna média, não era muito boa, era média. Estudava aquilo que gostava e era muito de fazer as coisas por lógica, por associação. Quando começava a vir a parte de decorar, pronto, eu não era de decorar… (risos)

17. Então que disciplina é que gostou mais?

No 12º ano adorava a parte da sísmica, das ondas, adorava essa parte, consegui arranjar também mnemónicas e lógica e adorei. Depois na faculdade não gostei assim tanto desse tema, se calhar já era profundo demais para mim. (risos) Já não consegui acompanhar tão bem. Mas adorei a parte da hidrogeologia, a parte da pedologia, gostei muito da geomorfologia e do pouco que se falava em petrologia ígnea sobre os vulcões e os magmas.

18. Pois, entrou a gostar de vulcanologia…

... mas depois fui para a água!

19. E começou a ver a parte mais aplicada…

Sim! Quem dava hidrogeologia era o professor Jorge Pinha Marques.

20. Gostou muito da disciplina? Foi isso que a motivou a seguir a área da hidrogeologia?

Gostei muito, mas também foi por ele. Por acaso é curioso, porque na altura da tese de mestrado eu queria fazê-la numa empresa, eu queria uma coisa prática. Então fui falar com o professor Alexandre Lima, que era quem tinha maior proximidade com as empresas, e ele disse "Isto está muito complicado e olha que depois não te vão pagar nada, tem de ser tudo às tuas custas, tens a certeza que é isso que queres?". Mas eu queria uma coisa prática, não queria fazer um relatório de estágio muito académico. O estágio de licenciatura já tinha feito na área de pedologia e da hidrogeologia, na Serra da Estrela e gostei muito. Só que depois no mestrado queria uma coisa prática, com empresas. Só que não me conseguiram arranjar um estágio e depois o professor Espinha Marques ligou-me: "Ah, eu vi que ainda não tens nada atribuído. Vai abrir isto assim e assim, nós ainda estamos a ver se conseguimos que isto seja estágio ou se ficará só por tese, queres concorrer?". E eu disse que sim, concorri ao projeto porque gostei muito do trabalho que fizemos na licenciatura, por isso ia adorar fazer o estágio na área da hidrogeologia. Não foi aceite o estágio, mas fiz a tese, no mesmo tema, e gostei imenso. Mas foi já na licenciatura que começou aquele bichinho da hidrogeologia. Depois foi-se desenvolvendo e agora gosto imenso.

21. Era uma aluna assim mais calada, a escutar, ou gostava de participar nas aulas com questões?

No início da faculdade eu era uma rapariga muito tímida. Pode não parecer, mas eu era! (risos) Só que depois com a faculdade, uma pessoa tem de desabrochar, e comecei a ser mais extrovertida, mas ainda assim nas aulas era caladinha. A não ser que fossem aquelas disciplinas que mais gostava, se calhar aí fazia uma pergunta ou outra. Mas por norma era mais caladinha, mais sossegada. 

22. Qual foi o seu primeiro trabalho contratado?

Foi na TARH, já foi lá. E lembro-me que o primeiro trabalho mesmo foi organizar uns documentos das características hidrodinâmicas das Termas de Monte Real. Era compilar todos os dados que existiam, que estavam dispersos, e juntar tudo. Era acerca de níveis, condutividades… Já tinham alguma coisa pré-feita, mas depois precisavam que se voltasse a ver aquilo tudo. E foi esse o primeiro trabalho. Depois, a primeira saída de campo na TARH também me lembro perfeitamente, porque foi um caso de tribunal. Não sei se posso falar disto assim ou não. (risos) Mas foi um caso de tribunal em Torres Vedras, relacionado com um furo e um poço que estavam muito perto um do outro.

23. Um máximo, logo assim envolvida com casos de tribunais na primeira saída de campo!

Sim, sim, fomos logo fazer inspeção-vídeo, eu nem sabia que existia inspeção-vídeo para um furo! (risos)

24. Afinal a hidrogeologia pode ser bem mais interessante que escrever, submeter propostas e entregar relatórios…

Sim! Ali é igual… é a parte mais chata, que depois mais à frente vamos falar.

25. Isso, guarde, guarde! (risos) Qual é assim a sua georreferência ou alguém que admire muito na Geologia?

Hum, não tenho assim nenhuma! Gosto muito daquele casal de vulcanólogos que morreu lá a ir ao vulcão, os Kraft. Gosto deles pelo lado da exploração, de irem mesmo ao local, hoje em dia temos máquinas e robôs que nos fazem esse tipo de prospeção. Mas não tenho assim um geoídolo. Admiro muito os pioneiros da cartografia em Portugal, acho que eles fizeram um trabalho admirável. O Carlos Ribeiro, o Carlos Teixeira, o Zbyszewski…

"Eu também admiro muito os professores [...] porque nós éramos pouquinhos a entrar todos os anos, então dá para criar uma proximidade, [...] são muito disponíveis e muito abertos"


26. Então podíamos chegar ao seu quarto e ver lá pendurado um poster deles?

Talvez mais as cartas! (risos) Eu também admiro muito os professores. Digo os da minha faculdade [FCUP], porque foi onde estudei, e admiro-os porque nós éramos pouquinhos a entrar todos os anos, então dá para criar uma proximidade com os professores, eles são muito disponíveis e muito abertos. Também os admiro muito por esse à-vontade com os alunos e a forma como eles transmitem o conhecimento, também muito interessante. E depois o professor [José] Martins Carvalho, não só por ser o meu patrão [à data da entrevista], mas também por ser o pioneiro da geotermia em Portugal. Também desenvolveu muito os recursos hidrominerais…

27. E porque é um senhor! Nós ficámos maravilhadas.

Sim, ele é um querido! A maneira como ele consegue transmitir os conhecimentos, ainda agora, e a paciência que ele tem, é incrível! Qualquer coisa, até pode estar a repetir a segunda vez, mas ele diz as coisas com uma calma, faz os croquis todos, é incrível!

28. E trabalhar com ele está a ser, para si, uma experiência muito enriquecedora?

Sim! E muito, muito gratificante. A aprender com um dos melhores, não podia estar mais contente! É verdade, estou mesmo feliz. 

"Pegar na sonda de nível, no medidor de pH, de condutividade e temperatura e ir para o campo! É isso que eu gosto!"

29. No seu trabalho, qual é a coisa que mais gosta de fazer?

Pegar na sonda de nível, no medidor de pH, de condutividade e temperatura e ir para o campo! É isso que eu gosto! Fazer os inventários hidrogeológicos, pegar nesse equipamento, ir fazer as investigações, colheitas de água, adoro. Depois uso softwares como o Excel, o QGIS, modelar, tentar perceber como estão os aquíferos, a gestão toda.

30. E o que é que não gosta nada de fazer?

Pois, é depois do campo ter de chegar e fazer os relatórios! (risos) Processar a informação ainda é ok, consegues perceber o que é que está a acontecer. Mas depois teres que escrever aquilo de forma mais científica… Porque falar é uma coisa, depois ter que escrever é outra. Essa parte aí é mais complicada. E tem de ter a parte técnica bem desenvolvida, ou seja, tem de se conseguir transmitir bem a mensagem sem entrar em muito detalhe científico. Nós trabalhamos muito com empresas, portanto tem de ser mais nessa vertente. Mas ainda assim, não deixar de se ter cuidado com a ciência, com a maneira como se está a abordar os temas e a aplicá-los. Faz parte! Mas sim, é toda a burocracia…

"(...) ver os sondadores a trocar as varas, "E mete mais uma, e será que é agora que vai sair água? Será que é agora que vai acontecer alguma coisa?". É sempre emocionante!"

31. De publicações em geociências – livros, cartas, artigos – há alguma que goste particularmente?

Sim, gosto muito da carta [Geológica de Portugal, na escala] 1:500 000. Adoro! Mas só tenho, fisicamente, a 1:1 000 000, porque a 1:500 000 nunca está disponível no LNEG, está sempre esgotada. 

32. Ainda que a sua carreira esteja a começar, já consegue pôr o dedo assim num momento marcante?

Sim, tenho alguns. Por exemplo, assistir à execução de um furo do início ao fim, ver as máquinas chegarem, preparar a plataforma… Nós vemos em vídeos, sabemos a teoria, mas depois a parte prática é mais emocionante. Estar ali a acompanhar, perceber quando é que vem a água, quando é que não vem, o que é que está a acontecer, o que é que está a sair, quando há mudança de litologia… Essa parte, foi muito importante. E outra foi quando fui à central geotérmica dos Açores, do Pico Alto, na Terceira. Também foi incrível, ver a dimensão daqueles furos de captação e depois os furos de rejeição e ver tudo funcionar, as turbinas, a dimensão daquilo. Foi um momento marcante.

33. E até de confirmação.

Sim, sim, de confirmação que é isto que eu quero, exato. Que eu quero aprender, que quero perceber como evoluir mais dentro disto.

34. Como é que foi esse momento, estar lá?

Fui com o geólogo da empresa e foi emocionante. Foi assim estilo "Isto agora é que vai ser, vou tentar perceber o que é que vai acontecer, o que é que vai mudar", sempre a ver os sondadores a trocar as varas, "E mete mais uma, e será que é agora que vai sair água? Será que é agora que vai acontecer alguma coisa?". (entusiasmada) É sempre emocionante, o primeiro é sempre aquele que dá a pica toda. Aquela energia toda. (risos)

35. E agora quando vai aos furos, é mais sereno?

Sim, agora já é mais tranquilo! E nós na empresa em que estou [TARH], fazemos muita fiscalização. Ou seja, como nós trabalhamos com as concessões de água, de água hidromineral, das termas, eles têm o perímetro de proteção definido. Então, quando há algum furo de um particular, ou algum furo na zona do perímetro de proteção, nós temos que acompanhá-lo, obrigatoriamente. Está lá o dono do terreno, o sondador, e chega ali alguém de fora que é um fiscal. Eles consideram um fiscal, olham logo de alto a baixo, mas depois veem uma miúda nova, [pensam] "Sabe lá alguma coisa disto!". Depois às vezes tentam passar assim a perna. Olham um bocadinho de lado, é sempre dos momentos mais embaraçosos até depois começarmos a falar, a mostrar que não estamos ali para arranjar problemas com nada, estamos só para garantir que é feito de acordo com as normas todas e para não provocar problemas a jusante para o nosso cliente.

36. Então esse é dos momentos mais embaraçosos que tem, esse primeiro encontro?

É, é esse primeiro encontro quando temos de ir ao terreno "fiscalizar" alguma coisa. As pessoas ficam sempre a olhar assim como quem diz "Olha, lá vem esta agora, o que é que ela quer?"

"E depois o sondador, com o ar do compressor para limpar o furo, dá assim umas bombadelas e mandou água para cima de nós."

37. E acha que isso acontece porque é nova e mulher ou só por ser nova?

Eu acho que é um bocadinho por ser nova e ser mulher, apesar de também já ter acontecido eu estar com o professor Martins Carvalho e o sondador fazer assim umas patifarias mesmo já estando lá o professor. Foi um trabalho que fizemos lá em baixo no Alentejo. Primeiro eles mudaram o furo do sítio onde tinham planeado a localização. Mudaram e saiu fora do perímetro de proteção, mas nós tínhamos de acompanhar na mesma, estávamos lá, apesar de eles terem mudado à última da hora. E depois o sondador, com o ar do compressor para limpar o furo, dá assim umas bombadelas e mandou água para cima de nós. Fez mesmo de propósito, mesmo lá estando o professor. Lá está, é mesmo aquelas birrazinhas de sondador! (risos) Mas também já apanhámos uns super queridos, que faziam tudo o que a gente queria e vinham logo perguntar se estava bem assim. E tratam-me logo por engenheira, porque qualquer mulher que trabalhe assim com obras é engenheira: "Oh engenheira, isto está bem assim? E quer mais alguma coisa, precisa que a gente faça mais alguma coisa?". Há um pouco de tudo. E depois, lá está, é aquela primeira impressão que têm, e uma pessoa vai falando, tentando dialogar e a coisa passa tranquilamente. Depois já somos todos amigos, no segundo dia já ninguém quer saber se eu estou ali a fiscalizar muito ou pouco! (risos)

38. E fora da Geologia, tem algum hobby?

Não concretamente. Estamos aqui na minha aldeia, às vezes vou com os meus pais ao campo, mas coisas muito pontuais, fazer caminhadas. Vamos mesmo para o campo, apanhar umas batatas, apanhar umas uvas, fazemos a vindima, eu gosto. Eu gosto da parte da agricultura, ter ali um canteirozinho com umas florzinhas e ir arrancar umas ervas. (risos) Claro que nos passeios, todos os geólogos olham para o lado, para as pedras. Até no outro dia fui com o meu namorado, íamos a passar e eu disse "Olha, isto aqui parece-me ser uma nascente!". Ele disse que é água da Câmara, "Não vês que é um tubo da Câmara que rebentou e está água a sair por ali?" e eu "Não é, olha que está a sair daqui de dentro, de uma espécie de diaclase, uma fraturazinha. À volta está tudo seco, só está a sair daqui". "Lá estás tu com as tuas coisas", disse ele (risos) Mas é engraçado, ver estes pormenores. Nós vamos em passeio, mas metemos sempre o olho em alguma coisa, a olhar para a geomorfologia.

39. Se não fosse geóloga, o que podia ter sido?

Já pensei muito nessa questão, mas não me recordo assim de nada em especial. Eu quando era miúda gostava de ser cabeleireira, como todas as crianças. Depois passei a fase da educadora de infância, porque achava piada, estar ali a ensinar os mais novinhos, a fazer os recortes e as picotagens. Depois passei para professora de natação, mas nem sequer sabia nadar, o que é incrível! (risos) Mas eu ia lá chegar! Como? Ainda estava a delinear a estratégia! (risos) Lembro-me também assim de umas brincadeiras como dentista, mas depois do 9º para o 10º queria fugir das matemáticas e físico-químicas, mas a minha mãe disse "Não, vais porque isso dá muita saída, dá para tudo, vai!". Ok, então siga para isto! Depois no 10º e 11º, o pessoal todo já a começar a decidir para o que é que vai, o que é que queria. E eu, pois, ainda não sei, até àquele passeio com os meus pais. E a parte da Geologia na escola ter-me puxado mais para aí. Porque, lá está, eu gostava muito dos vulcões, mas nunca tinha pensado em estudá-los, como profissão. Normalmente as pessoas não pensam num geólogo. Mais facilmente vão buscar a ideia do engenheiro civil, ou alguma coisa de obras, do que propriamente o geólogo. E acho que isto é um problema que já vem do ensino. Acho que no ensino se devia puxar muito mais pela Geologia, porque eu lembro-me, quando andava a estudar, que não se ligava nadinha à Geologia! Há umas rochas, aqui um granito, um calcário, e um arenito e "'tá, é isto as rochas, é isto a Geologia" e acaba por aí. Não se explicava, não se puxava e mesmo no secundário depende do professor que se apanha.

40. Para terminar, diga-nos algo mais sobre este local onde estamos.

Estamos em Vale de Cambra, no distrito de Aveiro, mais precisamente na freguesia de Roge, aqui na barragem Engenheiro Duarte Pacheco, que foi uma obra feita pela Junta Autónoma das Obras de Agricultura, das obras agrícolas. E servia para guardarem aqui água para regarem os campos lá em baixo, na zona de Vale de Cambra, para a parte dos laticínios, porque Vale de Cambra, no início, era muito forte nos laticínios. Só depois passou a ser mais forte na indústria metalúrgica, do aço-inox.

41. Pronto, isso é a resposta politicamente correta… na verdade isto foi feito para a malta namorar por ali, não é? (risos)

Exatamente! (risos) Para ao domingo à tarde, os velhotes (risos)… os velhotes não, os mais novos virem aqui para o fresquinho das árvores (risos)

42. Metade da população é made in barragem! (risos)

Olha que não digo que não! (risos) Não digo que não!


Intraclasto

Escala cronoestratigráfica

Para a Marina, o objeto geológico mais especial é a tabela cronoestratigráfica. Nunca se perde tempo quando nos perdemos no tempo...


Geomanias

Rocha preferida? Granito. Não desfazendo as pedras parideiras (risos)

Mineral preferido? Quartzo ametista

Fóssil preferido? Trilobite

Unidade litostratigráfica preferida? Complexo Xisto-Grauváquico


Era, Período, Época ou Idade preferido? Paleozoico

Trabalho de campo ou de gabinete? Campo!

Martelo ou microscópio? Martelo

Pedra Mole ou pedra dura? Dura



Amostra de mão ou lâmina delgada? Amostra de mão 

Recursos minerais metálicos ou não metálicos? Apesar de estar ligada mais aos não-metálicos, gosto de pôr assim um olhinho nos metálicos, têm assim coisas boas para desenvolver a tecnologia. Acho que é 50/50.  

Lusitânica ou Lusitaniana? Lusitaniana


Teaser da Entrevista