Maria Francisca Gusmão

Abril 2023





ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO

SÓCIA APG Nº O1397




Natural de Lisboa, especializou-se em sistemas de informação geográfica e atualmente 'ordena' o território. Foram as moscovites e os fósseis em casa dos pais que despertaram a sua curiosidade para a área, mas foi o seu gosto por história que ditou a ida para a Geologia. Afinal, queria também conhecer a história por trás daqueles objetos.

"Foi muito duro. Foi horrível. Nós éramos três, trabalhávamos como se não houvesse amanhã… era mesmo muito duro, com trabalhos e entregas (...) Eu recordo aquela fase com muita dureza, porque nós gozámos muito pouco. E é engraçado, porque eu não acho que o ensino lá [Roma] seja melhor do que o nosso, muito pelo contrário"

Uma tarde tórrida de julho, um parque em Lisboa, duas entradas, lei de Murphy. Passada a hora, ligo à Francisca - antes de saber que ela detesta falar ao telefone - e decide ela subir, porque eu estava carregada com todo o material para a entrevista. O que eu não sabia é que mais carregada estava ela! Grávida e bem disposta, ao longo da entrevista fomos dando conta dos vários conhecidos que temos em comum, sem nunca nos termos cruzado. A Geologia, embora estude o mundo, é ainda este mundo pequeno só nosso. Muito terra-a-terra, ou território-a-território, esta alfacinha de gema foi contando como a sua paixão por história a levou para a Geologia, e como a Geologia a levou de volta a Letras. Venham conhecer esta geóloga que todos os dias veste a camisola para trazer alguma ordem ao desordenamento do nosso território. Ah, e se tiverem cartas geológicas aí em casa por dobrar, temos a solução! 


Entrevista 

Lisboa, julho de 2022


1. Nome, data e local de nascimento?

Maria Francisca Falcão e Cunha de Campos Gusmão, de Lisboa, nascida a 29 de abril de 1984.

2. Diga-nos, como se fosse para leigos, o que é que faz?

Eu faço muita coisa, mas em termos gerais eu apoio, quer no setor privado, quer, sobretudo, no setor público, a elaboração de planos em que se definem os usos e as utilizações do território. Nós dizemos "Aqui pode-se construir, é a zona urbana. Aqui é agricultura ou aqui é floresta". Em termos gerais, é isso que eu faço. Portanto, é muito fora da Geologia. É uma área muito mais ligada ao ordenamento do território, uma coisa mais imediata e palpável do que algumas vertentes da Geologia.

3. Em que ano ingressou no curso de Geologia?

Em 2002, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

4. Qual é que foi o primeiro contacto consciente com a Geologia?

Eu sempre tive em casa dos meus pais amostras de moscovite e fósseis. Acho que esse foi o primeiro contato em que eu pensei "Calma que há aqui outra coisa para além de ser só uma pedra ou ser só um dente… isto aqui é mais qualquer coisa do que isso!".

5. Porque é que eles tinham lá esses objetos?

Porque eram curiosos.

6. Mas tinham-nos apanhado, foram comprados numa feira?

Eu penso que os dentes foram oferecidos, vindos do Brasil, se não estou em erro. A moscovite, penso que foram eles [pais] que apanharam. Sempre estiveram lá em casa, acho que nunca perguntei onde é que os tinham ido buscar.

7. Quando é que há aquele clique que isto podia virar uma profissão?

Isto não é assim tão linear, porque eu queria ir para arqueologia. Mas a minha mãe disse-me "Não vás para história que isso não tem futuro nenhum!". E eu pensei "Então vou arranjar qualquer coisa que me ligue à história", porque era algo de que eu gostava. Andei a investigar e vi que podia ir para paleontologia, uma vez que até achava bastante graça à parte da Geologia. Foi aí que decidi "Vou". E foi assim que surgiu a Geologia. Não foi como uma opção consciente do 10º ano, mas já foi consciente mais tarde, já no 12º ano. Ao início não estava consciente de que queria ir para Geologia.

8. E teve Geologia no 12º ano?

Não, o que eu fiz foi auto propor-me a exame. Estudei por mim para fazer o exame e entrei no curso com as disciplinas de Geologia e matemática. É por isso que eu digo que no 12º ano já houve uma decisão consciente sobre aquilo que queria. 

"(...) ir para Geologia não foi para depois mudar "

9. Que engraçado. Normalmente é o contrário, as pessoas confundem a Geologia com a arqueologia e acabam na arqueologia, querendo fósseis, porque se enganaram…

Para mim, ir para Geologia não foi para depois mudar. Pensei que a minha mãe tinha razão, que história não faria sentido, na altura que o país atravessava. Então decidi ir para Geologia, porque depois podia ir para paleontologia ou para outras coisas caso não gostasse, ou seja, abria-me um leque maior de possibilidades.

10. O que é que disse a família, quando lhes apresentou a opção de ir para Geologia?

Depois não houve muita censura, porque era uma área ligada às ciências e a minha família é praticamente toda da área das ciências. Eles achavam que eu tinha mais perfil para as ciências do que para as letras e, então, já não se opuseram à minha decisão.

11. E eles são de que áreas?

Os meus pais são engenheiros agrónomos. O meu irmão é arquiteto paisagista, a minha irmã é engenheira do ambiente e o outro é artista, está completamente fora deste contexto. 

"A sensação que eu tive foi que entrámos 100 e acabaram para aí uns 40. E dos 40, a grande maioria (...) ou foi para investigação ou mudaram completamente de área"

12. Tem colegas de curso do mesmo ano de entrada que tenham ficado a trabalhar na área?

Sim, a Maria Olho-Azul por exemplo. A sensação que eu tive quando acabei o curso é de que houve uma dispersão de pessoas, foram poucas as que ficaram a trabalhar em Geologia. Foram para áreas diferentes, tentando a sua sorte. E, de facto, no meu ano, as pessoas que continuam a trabalhar na área são colegas angolanos, porque naquela altura havia aquele acordo com a TOTAL e uma grande parte dos meus colegas eram angolanos, estavam ao abrigo desse acordo e continuam a trabalhar na TOTAL. Há uns que já saíram, mas continuam a trabalhar em Geologia. Mas são esses cujo percurso profissional tenho acompanhado.

13. Parece que aqui já estamos num daqueles anos de transição, entre a altura em que com uma licenciatura todos conseguiriam ter um trabalho para o contexto atual, em que já não é bem assim…

A sensação que eu tive foi que entrámos 100 e acabaram uns 40. E, dos 40 que terminaram, a grande maioria, para além dos angolanos que já tinham um emprego à priori, ou foi para investigação, ou mudou completamente de área. Isto é a sensação que eu tenho, acho que foi o que aconteceu. Para investigação talvez tenham ido uns 10.

14. Por curiosidade, quem?

O João Carvalho, também a Ilda Calçada… mas eu acho que ela não entrou no meu ano. Eu não fiz o curso em quatro anos, fiz em cinco, pelo que apanhei alguns que vinham do ano seguinte. Do meu ano mesmo, são muito poucos os que trabalham em Geologia. Em empresas havia o Nuno Inês, que era do meu ano, e depois conheço pessoas que trabalham na Galp: além da Maria Olho-Azul, o Daniel, o Marco Ferraz, a Ana Clara Marques. ´´É muito pouca gente, de tal maneira que ambas os conhecemos, não é?

15. Sendo dessa geração, nunca pensou também na GALP como um caminho a seguir?

Não. Eu iniciei a minha carreira em investigação e fui logo para geografia e ordenamento do território. Fiz uma bolsa de investigação, um mestrado lá na antiga Faculdade de Letras, que é agora o IGOT [Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa], e depois passei para uma área mais relacionada com o litoral, que era algo que me agradava mais. Se eu soubesse o que sei hoje, pensando em termos de estabilidade de financeira, acho que teria ido para lá. A vida na minha área é muito incerta, não é uma coisa fácil. Estamos a trabalhar mais do que aquilo que devia ser e depois não somos compensados por isso. Faz parte. Eu acho que é típico da nossa geração… Depois a geração abaixo, mais nova, não veste a camisola. Hoje estão aqui e se não estiverem bem, amanhã estão noutro sítio e não querem saber. Não querem saber de responsabilidades, isto é a sensação que eu tenho.

16. Já cresceram numa lógica diferente, não pensam em empregos para a vida.

Mas eu já nem digo ter um emprego para a vida, mas ter uma certa estabilidade, saber que "Hoje estou aqui, mas amanhã consigo estar noutro sítio com outras condições melhores que as primeiras". E não, isso já não acontece hoje em dia.

17. Foi uma aluna média, boa ou muito boa?

(gargalhada) Eu acho que fui média. Mas orgulho-me de dizer que recebi um prémio por estar entre os três melhores alunos do meu ano. As notas eram razoáveis, não eram espetaculares. Eu era uma aluna de 14, não era de 20 nem 18, mas mesmo assim recebi o prémio. Como um primo meu diz "Eu sou o melhor dos piores!" (riso)

"Mas há um período na minha vida que apaguei. Isto tem a ver com o trabalho em si. Isto porque tive vários picos de trabalho, sem fins-de-semana, sem férias, sem nada, sempre a correr e até altas horas"

18. Fazia parte dos alunos mais calados ou mais participativos?

Depende. Dependia muito das disciplinas, mas, por norma, era das mais caladas.


"Tudo que era ligado ao litoral e à parte sedimentar, eu achava muita graça"

19. E nas atividades académicas extracurriculares, participava? Praxes?

Não. E eu sou um bocado contra. Eu percebo a lógica das praxes e até faz sentido – conhecer as pessoas que acabam de chegar ao curso – mas há formas e formas de o fazer. E algumas praxes no meu ano, não foram as melhores, acabando por levar a que me afastasse. Eu tinha um colega que simplesmente dizia "Eu não quero participar". Mas ficava a ver e as pessoas diziam-lhe "Vai" e ele "Não quero". E ficou para sempre conotado como "a pessoa que não quer ir para as praxes". Aquela foi a postura dele perante as praxes e compreendo perfeitamente que ele não tenha querido fazer parte.

20. Conte-nos como foi a experiência do ERASMUS.

Eu terminei o curso no ano letivo de 2006/2007, pelo que foi no ano anterior, em 2005/2006, o 3º/4º ano. Foi muito duro. Foi horrível. Nós éramos três, trabalhávamos como se não houvesse amanhã. Era mesmo muito duro, com muitos trabalhos e entregas. Depois de uma de nós, a Bárbara, ter saído de Roma, ficámos só duas, eu e a Maria Olho Azul, e subalugámos a casa a mais duas estudantes portuguesas da área da comunicação. Elas, de facto, estavam sempre em festa, mas eu e a Maria sempre a ir às aulas a a fazer trabalhos. Em Roma havia também vários outros portugueses que eu conhecia, tinha lá dois primos ao mesmo tempo, um em arquitetura o outro em economia, e ainda um amigo em gestão. Eles todos com uma grande vida e nós sempre a trabalhar muito. Recordo aquela fase com muita dureza, porque nós gozámos muito pouco. E é engraçado, porque eu não acho que o ensino lá seja melhor que o nosso, muito pelo contrário. Também não tinham muito cuidado, ou seja, viam que estavam lá estrangeiras e continuavam a falar italiano como se nada fosse. Vais apanhando palavras e consegues depois construir as coisas. Eu estive lá nove meses. O idioma fica no início, mas depois acaba por se perder, porque não é uma língua que se use frequentemente. Apesar de eu gostar imenso de italiano. Em Roma, as cadeiras são anuais, pelo que têm mais créditos. Quando voltámos, em vez de terminar com mais créditos fomos "queimando" disciplinas do 4º ano, fomos mais inteligentes. (sorriso) Ou seja, o que fizemos no último ano foi escolher de entre as que sobravam aqueleas que eram mais vocacionadas para nós.

21. Quais é que foram aquelas que foram despachadas com felicidade?

As que tinha em atraso, que despachei logo. Ainda fui fazer ambientes sedimentares com a professora Teresa Azevedo e tive nas práticas o professor Nuno Pimentel. Assim de repente não me recordo de mais, pois há um período na minha vida que apaguei. Isto tem a ver com o trabalho em si, porque tive vários picos de trabalho, sem fins-de-semana, sem férias, sem nada, sempre a correr e até altas horas, e isso fez com que eu apagasse um bocado do meu tempo…

22. Qual foi o primeiro trabalho contratado já na área do ordenamento do território?

O primeiro foi na DHV, que era uma empresa privada multinacional. Fui contratada em 2010 e o primeiro trabalho que fiz foi a revisão do PDM [Plano Diretor Municipal] de Loulé. Todos os municípios têm que ter um PDM onde definem os usos e as utilizações do território. Esse meu trabalho foi delimitar em ArcGIS® as áreas efetivamente ocupadas, ou seja, através dos ortofotomapas ia vetorizando as áreas em que havia construções. Aliás, esse foi o segundo trabalho. O primeiro foi muito mau, passei 15 dias a dobrar cartas do estudo de impacto ambiental do novo aeroporto de Lisboa, que na altura era em Alcochete. (risos)

23. Ficaram tão bem dobradas que nunca mais saíram da gaveta! (risos)

Ficaram. Mas tiveram um DIA [Declaração de Impacte ambiental] favorável. Se caducou, o problema foi outro.

24. Qual a disciplina que mais gostou durante o curso e quem é que a lecionava?

Foi a disciplina de sistemas litorais, do Professor César Andrade. A tudo que era ligado ao litoral e à parte sedimentar eu achava muita graça. Gostei muito também da geologia marinha, que foi com o professor Pedro Terrinha. Tive também uma disciplina de opção, que foi a hidrogeologia, com a professora Catarina Silva, e que também gostei muito. 

25. Tem algum geoídolo, uma referência na Geologia ou alguém com quem tenha gostado de trabalhar?

A pessoa que foi mais importante para mim - e eu acho que não tem noção disso - foi o professor Fernando [Manuel Silva da Fonseca] Marques [FCUL]. Eu fiz a minha tese de mestrado no IGOT e havia uma disciplina, a mecânica dos solos, que eu não tive durante o curso, porque só havia no ramo de Geologia aplicada e eu fiz o ramo de recursos. Então o meu orientador de tese disse ''Olha, vai fazer esta disciplina. Pelo menos a parte prática, que eu acho que seria bom para ti." Eu aceitei a sugestão e o professor Fernando Marques ajudou-me muito na minha tese de mestrado. Foi muito importante, até mesmo pela postura dele na vida. Acho que ele é uma pessoa fenomenal.

"O telemóvel foi a melhor e a pior invenção 'neste' século!"

26. Naquilo que é a sua vida profissional, qual a atividade que mais prazer lhe dá?

Ir para o campo. Como trabalho muito nos municípios, sempre que começamos um trabalho temos de ir conhecer o concelho. E ir para o local e conhecer não só o território - a parte física - mas a parte socioeconómica, para mim, vale tudo. Também o contacto com o cliente, que quando são as câmaras é muito bom, porque eles dão-nos a perspetiva de quem lá mora, permitindo-me ter a visão das realidades que existem fora do meio urbano. Até porque grande parte dos nossos planos são no Alentejo, que é completamente diferente daquilo a que estamos habituados. 

" (...) uma coisa que era um objetivo na minha vida, era trabalhar em Angola (...) e foi fantástico ter tido essa oportunidade. Foi muito bom"

27. E qual é a coisa que menos gostas de fazer, mas que faz parte do trabalho?

Falar ao telefone. (gargalhada) O falar ao telefone mexe muito comigo. Porque ou é um cliente ou são entidades, e o mais chato é que temos que estar sempre disponíveis. O telemóvel foi a melhor e a pior invenção deste século! De facto, nós temos de ter disponibilidade e, às vezes quando, não atendemos, recebemos logo um e-mail a dizer ''Eu tentei entrar em contacto consigo e não consegui, mas que é isto?''. Ou seja, o telefone obriga-nos a estar constantemente disponíveis, principalmente para os clientes. E os clientes por vezes não percebem que há uma vida para além do trabalho. E eu, às vezes, recebo telefonemas às 8h da noite, é muito chato!

"(...) há vários falhanços no nosso país em termos do território que é necessário ultrapassar"

28. Tem alguma publicação favorita na área das Geociências? Um livro, uma carta?

A Carta Geológica de Portugal à escala 1/50 000. Ainda no outro dia estava toda contente, porque a primeira fase de elaboração de um estudo de impacte ambiental é o estudo de caracterização do território e o diagnóstico, onde fazemos sempre um capítulo sobre a Geologia. Num dos trabalhos, houve um concelho que não fui eu que fiz e pedi à minha colega para ir buscar as cartas correspondentes ao LNEG. Ela foi e passado meia hora liga-me: ''Francisca, não está cá nada''. E eu: ''Tem que estar! Como não está?!'' (risos) E ela: ''Não está!''. E eu, incrédula, disse-lhe ''É impossível não estar!''. Fui investigar e, de facto, faltavam duas cartas [por publicar] daquela zona do território (risos) e fiquei muito triste... Mas o facto de terem disponibilizado online as cartas georreferenciadas e as notícias explicativas já ajuda muito. Ainda assim, em Portugal, há um longo trabalho de disponibilização de informação - de todas as entidades, não só a nível da Geologia – mas acho que os dados abertos foi uma coisa boa da parte deles.

29. Qual foi assim o evento ou momento mais marcante na sua carreira?

(pensativa) Eu acho que já tive vários. Mas uma coisa que era um objetivo na minha vida era trabalhar em Angola. E tive essa possibilidade em dois grandes projetos, que acabaram por não dar em nada, mas pelo menos estive lá e fiz o meu papel naquilo que eu consegui fazer. Uma das coisas que mais me marcou foi perceber que existe um país que precisa tanto de ajuda e que nós não estamos lá para impor nada, mas sim para os ajudar. Eles precisam de ajuda, de beber o nosso conhecimento, porque em termos de ordenamento do território, Angola tem quase copy/paste da nossa lei. Não é tout court igual, mas é muito semelhante. Só que depois não executam os planos que são obrigados a fazer e neste capítulo podiam ganhar muito. Angola é um país extraordinário, quer em termos geológicos, quer em termos de território, paisagístico, socioeconómico… Angola foi um exemplo que me marcou bastante a nível de trabalho: um dos projetos era relativo ao cadastro nacional e o outro projeto, já ligado ao ordenamento do território, deu-me oportunidades de ir a várias localidades em Angola e foi fantástico ter tido essa oportunidade. Foi muito bom.

30. E um momento embaraçoso, um falhanço? Se calhar, aquele primeiro trabalho... (risos)

(risada) Acho que não foi um falhanço, foi uma aprendizagem. Às vezes contratamos pessoas e a mim dá-me gozo ensinar as pessoas a dobrar cartas para ficar direitinho, porque é muito difícil dobrar cartas A0. Mas voltando à questão, não vou dizer uma coisa especifica, vou dizer no geral. O ordenamento do território em Portugal vai dar quase sempre em falhanço, quase sempre. Eu participei na elaboração do Plano de Ordenamento do Estuário do Tejo, que terminámos em 2013. Foi para discussão pública e nunca foi publicado. Foram horas e horas a "queimar pestanas", que acabaram por não levar a nada. E isto é só um plano, pois há outros. Esta revisão do PDM de Loulé que eu mencionei, quando entrei na DHV [2010], já estavam a fazê-lo. E hoje estamos em 2022 e ainda estamos a fazer a revisão. Ou seja, há vários problemas no nosso país em termos do território que é necessário ultrapassar. Apesar de gostar muito de trabalhar em ordenamento do território, que para mim é muito mais palpável e imediato que outras áreas da Geologia, que não são assim tão imediatas, é muito frustrante, porque, muitas vezes, não se chega a bom termo.

31. Pensava que era uma área que estivesse a crescer e que lhe dessem mais importância…

Os primeiros PDM são de 1995. É de facto uma área que está a crescer, e tem sido dado grande importância, mas colocam leis em cima de leis, umas coisas em cima das outras, criando uma grande entropia. Por exemplo, na questão das florestas, têm sido introduzidas muitas alterações que têm interrompido a elaboração dos planos e gerado muita confusão para o desenvolvimento normal das coisas. É muito difícil conseguirmos fazer um PDM em dois anos, muito difícil.

32. Há algum hobby extra Geologia?

No início da minha carreira, e até na faculdade, eu dançava sapateado, mas depois percebi que, de facto, não tinha vocação para a coisa e que era só mesmo um hobby para me entreter.  (risos) Mas a verdade é que a nível profissional esta área é muito desgastante e é muito difícil conseguir conciliar as coisas.

33. Para terminar, se não tivesse sido geóloga, o que é que teria sido?

Se fosse neste momento, teria ido para gestão. (risos) Acho que não estaria aqui. Acho que não tinha ido para esta área. Eu gosto muito do que faço e, por um lado, não trocava. Atualmente, faço gestão de projetos e ordenamento do território, mas acho que tinha encurtado aqui muitos passos na minha vida. Acho que não tinha ido para Geologia, que apesar de ter gostado imenso, não sinto que tenha contribuído para o lugar em que estou agora. Se calhar, tinha investido mais em sistemas de informação geográfica, pois foi por aí que comecei e no que me especializei bastante, ainda que não seja uma expert na matéria. De facto, nós não sabíamos… com 18 anos somos muito inexperientes para saber.


Intraclasto

Tema das mesas do casamento da Francisca

O momento geogeek da Francisca foi quando se casou. Entre ela e o marido, engenheiro químico, optaram por dar nomes de minerais às mesas da boda. Nós teríamos sugerido que colocassem na lista os nomes dos minerais e nas mesas só a fórmula química... já a comida estaria fria quando todos se sentassem. Porque afinal, uma turmalina é muito mais fácil de digerir do que Na(Li,Al)3Al6(BO3)3Si6O18(OH)4 (o marido, João Chambel, que nos perdoe!)


Geomanias

Rocha preferida? Xisto

Mineral preferido? Pirite

Fóssil preferido? Trilobite

Unidade litostratigráfica preferida? Faixa Piritosa Ibérica


Era, Período, Época ou Idade preferido? Paleozoico

Trabalho de campo ou de gabinete? Campo

Martelo ou microscópio? Martelo



Amostra de mão ou lâmina delgada? Lâmina delgada 

Recursos minerais metálicos ou não metálicos? Não metálicos

Lusitânica ou Lusitaniana? Lusitânica


Teaser da Entrevista