
Edite Bolacha
Fevereiro 2025
ENSINO
SÓCIA APG Nº O739
Natural de Lisboa, foi, é e sempre será professora. Membro do Grupo de Trabalho em Educação da APG, cresceu a questionar-se porque eram escuros os basaltos de Benfica e diferentes as pedras usadas nos nossos castelos. Defende que um professor tem de estudar toda a vida e que o mais difícil é também o melhor da escola: os alunos.
"O aluno às vezes propõe, 'Professora, podemos fazer um trabalho sobre isto ou sobre aquilo'. Eu posso até não saber, mas digo sempre 'Investiga!' Ele vai investigar, mas eu também vou investigar para casa. Lá está, o professor tem de trabalhar em casa, e é também isso que os ministérios não veem, que os professores precisam de trabalhar em casa"
Que sítio pode ser mais apropriado para quatro geólogos se encontrarem do que o Parque do Calhau? E mais a mais, logo por cima dos basaltos do CVL, os favoritos da Edite Bolacha. Ela que sempre teve um fascínio por pedras. Enquanto as outras meninas sonhavam com príncipes, a Edite estava mais interessada nos materiais de construção dos seus castelos. Eram diferentes ao longo do país. Hoje já sabe o porquê e dedicou a vida a explicá-lo aos outros. Nascida em Lisboa, mas carreada para a Geologia em Coimbra, foi professora em muitas escolas, ambientes e realidades. Doutorou-se em Geologia Experimental, mas a maior experiência talvez tenha sido o próprio doutoramento. Hoje, aposentada, continua a lutar pela qualidade do ensino e a defender que se saia do manual e da caixa, até porque caixas, só as de areia, para simular a cadeia varisca num modelo análogo. Venham conhecer uma das caras do Grupo de Trabalho da Educação da APG, que defende que se usem as coisas que o futuro nos trouxe como ferramentas pedagógicas para se estudar o passado.
Entrevista
Parque do Calhau, Monsanto, julho de 2024
1. Nome, a data e local de nascimento.
Edite Paula Silva Bolacha. Nasci a 20 de fevereiro de 1965, em Lisboa.
2. Conte-nos, de forma simples, para leigos, o que é que faz e fez profissionalmente.
Eu fui professora, sou professora. Professor que nasce é sempre professor. (risos) Para a vida. Fui professora contratada durante bastante tempo, mas tirei o [ramo] científico e não tirei logo o educacional, porque gosto de Geologia. (risos) Fiquei efetiva julgo que no final dos anos 90. E, nessa altura, tal como agora, havia falta de professores também. Por isso tenho várias colegas que fizeram o ramo científico, mas que depois foram dar aulas, como eu. Até porque para as mulheres havia muito mais lugares no ensino do que noutras áreas. Para além de ser professora, porque muitas vezes eu não consigo separar uma coisa da outra e isto foi um bocadinho em paralelo, há o investigar, o questionar-me sobre certas coisas que não estavam bem no Ensino e que me levou a fazer o Mestrado, em 1998-2000. Na altura, a minha orientadora foi a Filomena Amador [Universidade Aberta]. Também tive um professor aqui no [Liceu] D. Pedro V, o José Fernando Pires Batista, que tinha sido meu professor de Geologia de 12º ano, e ambos foram autores do novo programa de Biologia e Geologia [componente de Geologia]. Isto passou-se em 2000-2002 e a Filomena Amador convidou-me para entrar na APG, era então presidente o professor Fernando Noronha. Os novos programas entraram em vigor em 2004, começámos a ver que os novos manuais tinham algumas incorreções - porque grande parte dos professores são biólogos, não é? - e então, nessa altura, fizemos uma análise e mandámos para o Ministério. (risos) Nessa altura não havia comissões, quer dizer, só no papel é que havia comissões de avaliação de manuais escolares, mas elas não eram mesmo efetivas.

Edite Bolacha e José Baptista num jantar na Escola D. Pedro V.
3. Continua a ajudar a APG nessa comissão?
Continuo a ajudar porque agora que estou aposentada, convidaram-me para pertencer ao Grupo de Trabalho da Educação. E o que é que temos feito? Estamos a analisar as aprendizagens essenciais. Algumas delas também têm algumas incorreções e é preciso atualizar o conhecimento. Há um grande leque de pessoas nesse grupo, quer da área de Educação, quer da área Científica. E mandámos agora um parecer para o Ministério [da Educação], pois a APG faz parte do Conselho Científico do IAVE [Instituto de Avaliação Científica, I.P.] e a representante é a Gina Correia. Julgo que eles estarão abertos a que haja essa revisão. Fizemos esse trabalho também em parceria com a Sociedade Geológica de Portugal e com a Ordem dos Biólogos.
4. Também é a Edite que contribui para os pareceres sobre os exames nacionais, certo?
Sim, sim, eu e não só, via APG, enquanto pertencente ao CC do IAVE. Qualquer associado pode contribuir para o parecer da APG.
"Eu acho que sempre gostei de pedras! (risos) (...) Quando andávamos pelo país gostava de observar castelos e via que eram feitos de pedras diferentes."
4. Em que ano e onde é que ingressou no curso de Geologia?
Ingressei em 1983, em Coimbra, porque não tinha média para entrar em Lisboa, que foi a primeira opção. (risos)
5. O que é que a levou a seguir Geologia?
Eu acho que sempre gostei de pedras! (risos) A minha mãe trazia-nos aqui à Mata de São Domingos de Benfica e, nessa altura, no final da avenida estava a estação de São Domingos de Benfica. Nós podíamos atravessar, qualquer pessoa atravessava a linha de comboio, e já no outro lado, havia um muro antigo e lembro-me de subir uns degraus e ver pedras muito escuras, que não era norma, não era o que eu via no resto da cidade. E lembro-me de, em miúda, nas férias, apanhar pedras na praia, no Algarve, e depois metia-as no carro, o meu pai zangava-se e dizia, "Essa é muito pesada, tira a pedra daqui! Essa não, essa não." (risos) O meu pai, que infelizmente já faleceu, era de Silves e aquele castelo de lá também me chamou à atenção. Quer dizer, chamava à atenção porque eu também tinha a mania dos castelos. Quando andávamos pelo país gostava de observar castelos e via que eram feitos de pedras diferentes. Não sei se isso me influenciou ou não. (risos) Depois houve uma altura em que tinha de escolher as opções Ciências ou Letras. Se tivesse ido para Letras, porque gosto de escrever e de ler, talvez tivesse ido para jornalismo. Mas como tinha essa outra opção, pensei, "Não, vou para Ciências". E depois de me decidir pelas Ciências é que optei pela Geologia, porque tive Geologia no 11º ano, no [Liceu] D. Pedro V, onde havia opções para toda a gente! Por isso até tive bastante Geologia, face às outras pessoas naquela época. Havia muita gente que ia pela área de Saúde e eu não, não fui e nem gostava. Fui para a área de Quimicotecnia e a opção no 10º ou 11º era obrigatoriamente Geologia. É claro que as pessoas na minha família diziam, "Para que é que isso serve, Geologia?" Havia a hipótese de ir para Engenharia Química, que eu também gostava, mas o que eu queria mesmo era Geologia. E não entrei em Lisboa, mas entrei em Coimbra.
6. Nos tempos em que foi estudante, acha que foi uma aluna média, boa, muito boa?
Média!
7. Era uma aluna mais calada ou até gostava de participar nas aulas?
Raramente. Não participava muito. Até porque, nessa altura, o ambiente era um bocadinho austero. (risos) Não havia grande proximidade entre alunos e professores. Não era como vocês aqui [em Lisboa], não. (risos) Só anos mais tarde... Eu ia às aulas todas, porque os meus pais estavam a pagar para eu lá estar, e chegava a horas, não faltava, e havia um grupo de colegas que também fazia sempre isso. Eu acho que isso também é participar.

Queima das Fitas, Universidade de Coimbra (1985)
"(...) o slogan da campanha do Freitas do Amaral na altura era 'Prá Frente Portugal'. Eu às vezes falava alto e gostava muito de rir e estávamos a falar de política no carro e eu digo, 'Prá Frente Portugal!' [Ferreira]"
8. Fez estágio em Coimbra?
Sim, fiz estágio científico com a professora Ana Neiva, em geoquímica. Gostei bastante, porque ela era uma pessoa acessível. Era excelente com os alunos. Quando nos levava para o campo, nós comíamos, dormíamos e ela pagava tudo! (risos) E o trabalho também foi interessante, foi sobre os encraves de Lavadores e Madalena [Porto]. Foi mesmo muito interessante, tínhamos de comparar as análises de geoquímica para depois perceber a proveniência do magma.
9. E participava em atividades extracurriculares, como saídas ou feiras dos minerais?
Acho que não existia na altura. Nós éramos de fora. Eu ia à Académica beber cafés, jogar poker, ler [o semanário] "O Jornal"! (risos) Havia um grupo de estudantes que estavam deslocados, eram de várias zonas do país e, por isso, falávamos, conversávamos, estávamos muito tempos juntos. Conversas sobre política e sobre cultura também. Anos 80, "Soares é fixe". (risos) Lembro-me perfeitamente do Mário Soares ir lá a Coimbra. (risos) E íamos à Figueira da Foz, as saídas de campo eram muitas vezes relacionadas com as disciplinas. Tenho uma história engraçada de uma. Viemos a Lisboa com o [Martim] Portugal Ferreira, que ia a guiar, a uma visita de Hidrogeologia na A. Cavaco. Vínhamos no jipe do departamento, nem cintos tínhamos, nem nada, e íamos todos na conversa e o slogan da campanha do Freitas do Amaral na altura era "Prá Frente Portugal". Eu às vezes falava alto e gostava muito de rir e estávamos a falar de política no carro e eu digo, "Prá Frente Portugal!" [Ferreira] (risos) E o pessoal ficou todo caladinho. Às vezes metia um bocado de água. (risos)

"Eu fui professora, sou professora. Professor que nasce é sempre professor. Para a vida."
10. Qual foi a disciplina de que mais gostou?
Eu acho que foi Petrologia Ígnea, dada pelo [Manuel Maria] Godinho. Gostava das teóricas dadas por ele. Acho mesmo que o melhor professor que tive, porque era uma pessoa justa, era objetivo. Eu lembro-me dos testes dele, e como professora acho que é uma boa característica de um professor, que é fazer um teste e ver-se que há ali uma planificação. Porquê? Porque a estrutura dos testes que ele fazia era semelhante à das aulas e em termos de avaliação ele era justo. Apesar de eu nunca ter tido grandes notas. Mas ele tinha uma boa didática, apesar de não ter aqueles instrumentos que agora temos, não é? Porque temos muitos mais. Mas ele, de vez em quando, parava a aula e dizia, "Olhe, qual é a cor do Berilo?", por exemplo. (risos) "Se não sabe, vá lá ver ao museu!" Coisas assim. Agora as coisas são diferentes. Mas nós podíamos escolher as cadeiras que queríamos fazer e lembro-me que também tive disciplinas de Geologia aplicada, como depósitos minerais, hidrogeologia, recursos não metálicos. E isso é bom para quem vai dar aulas, dá mais bagagem.

Receção ao Caloiro, Universidade de Coimbra (1986)
11. Qual foi o seu primeiro trabalho remunerado?
Eu comecei a dar aulas assim que terminei o curso. Vim dar aulas para uma escola em Carnide, aqui ao pé, ensinar Ciências Naturais ao 8º e 9º anos. A parte da Biologia, tive de a estudar! (risos) Eu acho que tem de haver os tais mínimos de ECTS para os professores, essas coisas todas, concordo… Mas um professor tem que estudar toda a vida! Seja o conteúdo, sejam as didáticas, e agora eu sei que são mais mil e uma coisas que se têm de estudar, mas há muitas que as pessoas poderiam e deviam estudar em casa. Mas as coisas pioraram muito. Na altura tínhamos bastante tempo, as pessoas depois de uma aula descansavam ou tinham apenas "de estar" na escola. Muitas vezes fazíamos isso, as aulas acabavam e ficávamos ali a conversar uns com os outros, sobre o que é que tinha acontecido. Quando dei aulas na Escola D. Pedro V aprendi muito com os colegas que lá tive, alguns dos quais tinham sido meus professores. Isso também foi importante. Depois estive em várias outras escolas, quase sempre escolas complicadas. E eu acho que isso também é importante, a pessoa passar por várias realidades, vários diretores, vários ambientes, vários tipos de alunos.

"(...) eu acho que tem de haver outras maneiras de dar aulas, sem ser só com base no manual"
12. E como é que foi lidar com esse tipo de desafios?
Há muitos alunos complicados. Acho que é o mais difícil, mas também o mais desafiante, não é? Alunos que têm mais dificuldades, ou que têm pior comportamento. Quando fiquei efetiva e fui para Camarate, que também é um sítio complicado, a escola era uma espécie de oásis para alguns alunos: havia alunos que viviam em barracas e que estudavam, pois davam mais valor à Escola. Eu acho que, no geral, se dava mais valor à Escola, tudo se foi deteriorando. Eu gosto de dar aulas. O maior desafio são os alunos e o melhor da Escola são também os alunos. E isto de quererem proibir os telemóveis, por exemplo, alegando que os telemóveis são uma coisa do outro mundo, uma coisa muito má, eu discordo. Temos, então, que lhes tentar dar a volta, jogar e dizer, tudo bem, isso até é um computador. Porque os alunos, ou muitos deles, nem têm computador em casa, só têm um telemóvel e aquilo é um pequeno computador. Então vamos usá-lo com ferramenta, para pesquisarem, por exemplo, é ótimo! Ou para tirarem fotografias às amostras, fazerem uma ficha de um mineral ou de uma rocha, e mostrarem e partilharem com os colegas. Tem de se dar a volta.

Com Fernando Noronha, no Passeio Geológico na Foz do Douro
13. Ao longo da sua carreira, o que lhe deu mais prazer foi esse contacto com os alunos?
Sim, mas não só. Também gosto de investigar. Por isso, talvez tenha sido o doutoramento em Geologia, que começou em 2009. Tudo começou na APG, pensámos nos manuais e eu acho que tem de haver outras maneiras de dar aulas, sem ser só com base no manual. Outros recursos e outras metodologias. E eu sempre gostei da Geologia Experimental. Antes da reforma do programa anterior, havia as disciplinas técnicas de Geologia ou de Biologia ("Técnicas Laboratoriais"). Depois houve a fusão entre as técnicas e a disciplina em si, Ciências da Terra e da Vida, e ao fazer-se essa fusão, perdeu-se um bocadinho da parte experimental. Claro que isso vai depender também do professor e do que está no programa. E, então, não havia experimentação e as pessoas tinham muitas dificuldades. Claro que também depende das pessoas e de se gostar de Geologia e de fazer experiências, de mexer e não ter medo. E o professor deve também pensar que não sabe tudo e pode pôr os alunos a investigar sobre coisas que ele não sabe e que ele não domina. O aluno às vezes propõe, "Professora, podemos fazer um trabalho sobre isto ou sobre aquilo". Eu posso até não saber, mas digo sempre "Investiga!" Ele vai investigar, mas eu também vou investigar para casa. Lá está, o professor tem de trabalhar em casa, e é também isso que os ministérios não veem, que os professores precisam de trabalhar em casa. E, então, achei que a Geologia Experimental era importante. Falei com o Paulo Fonseca [FCUL], que tinha sido meu professor no mestrado e, nessa altura, fizemos uma ação de formação com a APG sobre a parte experimental. A ação teve várias experiências e depois eu continuei a fazer outras coisas com ele, dentro do mesmo género, e ele convidou-me para fazer o doutoramento. E depois veio o Rui Dias, também! (risos). O Rui Dias é uma pessoa estruturada, fez-me a estrutura da tese, pois tinha de haver uma parte científica dura. E saiu agora [julho, 2023] o último artigo do doutoramento que fizemos [e consultável aqui]. Mas no doutoramento havia também uma parte pedagógica. Fizemos duas experiências e aplicámos uma numa escola de Águeda, outra numa escola de Beja e numa do Cacém. Foram duas experiências, mas uma aplicada numa escola e outra em duas, para se comparar.

No CCVEstremoz depois de uma noitada a fazer uma experiência tendo por base a Zona Sul Portuguesa (com Noel Moreira e um grupo de estudantes timorenses que ajudaram a preparar a experiência).
14. Então podemos dizer que lhe dá prazer ensinar, mas lhe dá mais prazer aprender?
Sim e o doutoramento deu muito. Há sempre algumas coisas que não correm tão bem, eu tive um problema de saúde e fui parar aos cuidados intensivos, mas tudo isso depois foi ultrapassado. O doutoramento deu-me prazer, claro, lá está, eu gosto de investigar. Apesar de a pessoa estar muito mais isolada do que dando aulas. É pena que essas coisas numa escola, no Ensino Secundário, não façam parte do que o que o professor faz. Porque o professor também devia, ou podia, fazer investigação. Mas a escola não liga nenhuma a isso ou pouco liga. Por exemplo, essa ação de formação sobre as experiências, com o Paulo Fonseca, teve como uma das ideias principais aproximar os professores das universidades.
15. Qual é a coisa que menos gostou de fazer ao longo da sua carreira?
Ser professora não é fácil. (risos) As reuniões, por exemplo, a burocracia na escola, o desprezar-se a outra parte que eu gosto, a parte do conhecimento e investigação, ou a falta de trabalho em equipa que há na escola.
16. Há algum geólogo, seu contemporâneo ou não, que admire muito?
Posso dizer dois? O António Ribeiro e o Rui Dias! Mas eu não gostava de Geologia Estrutural! (risos) Mas admiro a capacidade deles, admiro e isso ajudou-me muito a pensar. Porque outra coisa que eu descobri que acho que é importante, e à qual não se liga nenhuma, é a visão tridimensional. Por isso é que gostei muito daquele artigo do Carlos Marques da Silva e da Sofia Pereira na Revista Elementar da Ciência, em que eles fazem uns cortes dos rudistas. Ou então os blocos-diagrama geológicos para montar em casa, do Volume 2 da série "Portugal de Antes da História", do Rui Dias. Acho que isso é essencial, mesmo, e para todas as ciências, para a Biologia, para a Física, a parte de se conseguir ver a 3D. E acho que a habilidade visual a 3D é muito interessante. A pessoa rodar as imagens, fazer cortes, perceber e depois interpretar o que está ali. Acho que isso era essencial na escola e não aparece em lado nenhum, em nenhuma disciplina. Talvez nas Artes, mas não sei porque não conheço a realidade de outras áreas.
17. Qual é a sua publicação favorita na área das geociências?
Lembro-me daquele livrinho azul de Geologia de Portugal ["Portugal: Introduction à la Géologie Général" de Ribeiro et al., 1979], esse li muita vez! (risos). Deu muito jeito! É uma obra antiga e é interessante. Também gosto de história da ciência e também andei a estudar como é que as ideias evoluíram.

O famoso "livrinho azul": Introduction à la Géologie Général du Portugal (Ribeiro et al., 1979)
18. Qual é o momento que considera mais marcante nestes anos de carreira?
Acho que foi o doutoramento, a defesa da tese, que me deu muito trabalho. Também queria dizer que eu tive sorte, porque na altura disse, "Não faço o doutoramento sem estar completamente dedicada a isso!". E pude fazê-lo. Trabalhar e fazer o doutoramento ao mesmo tempo, eu não faria. E por isso concorri à FCT, para ter bolsa, e depois tive equiparação a bolseiro, durante três ou quatro anos, e pagaram-me. Isso agora já não existe.
19. E depois a Edite voltou à escola. Como foi voltar à escola depois do doutoramento?
(risos) Não foi fácil. Eu tinha mudado e consegui trazer coisas novas para as minhas aulas, mas os colegas não as encararam muito bem. Felizmente, tenho tido a experiência de, às vezes, encontrar pessoas em ações de formação, geralmente reconhecem-me por causa do apelido, que dizem, "Olhe, li a sua tese", ou, "Li os seus artigos". E isso é bom, não é? Mesmo que não sejam da minha escola, tiveram interesse! Porque a minha tese é mesmo para isso, é para as pessoas, para os professores, e tenho várias sugestões, quer de sites, de artigos de outras pessoas, bem como sugestões para fazerem atividades práticas.

"E acho que a habilidade visual a 3D é muito interessante. A pessoa rodar as imagens, fazer cortes, perceber e depois interpretar o que está ali. Acho que isso era essencial na escola"
20. Conte-nos um momento profissional que considere ter sido um falhanço, um momento mais complicado ou até um embaraço.
Tive uma vez uma queixa para o Ministério. Daqueles alunos e pais que acham que os meninos têm de passar [de ano] e ter tudo, porque eu supostamente discriminava o aluno por causa das notas. Foi recente, fui chamada à direção da escola, tive de fazer um relatório, mas já passou. Foi rápido e não se constituiu como processo, porque eles na direção aceitaram o relatório. O Ministério depois averigua, mas vai primeiro para a direção. Mas são coisas chatas. As pessoas estão muitas vezes habituadas a um tipo de metodologia, que é o livro, só e exclusivamente, e quando mudamos e tentamos pôr as pessoas a pensar, isso dá trabalho. O aluno estudou pelo manual e depois a professora até faz outras perguntas que não estão lá. Tenho alguns alunos que se queixam disso. E o que eu digo sempre agora: é o perfil do aluno e as aprendizagens essenciais que contam. É que o perfil do aluno à saída do ensino obrigatório (PASEO) diz muita coisa. Agora, no 12º ano de Geologia, não há manual. Inclusivamente, o Ministério da Educação não exige que haja um. Porquê? Porque o manual é uma interpretação de um programa, que pode não estar correta. Saiu o de todas as disciplinas menos o de Geologia. E, então, na APG, pensou em fazer-se um manual. Por que não? Mas, lá está a tal história, o manual não é obrigatório, cada professor pode fazer a sua interpretação e dá-la aos alunos. A Geologia agora não tem manual, mas as pessoas estão muito agarradas a um livro, a um guia, e nem toda a gente tem pancada, como eu. (risos)
21. Se pudesse viajar no tempo geológico e assistir a um evento concreto qualquer, qual seria?
A formação da Pangeia, por exemplo. A Zona Sul Portuguesa, a analogia da experiência que fiz para o último artigo do doutoramento, há quem diga que é Avalónia, não é? Mas não se pode dizer com toda a certeza que é Avalónia e eu gostava de saber! (risos)

Intraclasto
Grés de Silves, mesmo de Silves

"Trouxe um bocado de Grés de Silves que anda ali em casa da minha mãe já há muitos anos, de certeza deve ter sido o meu pai que trouxe, e está desgastada. Porquê? Porque em Silves usavam aquela pedra para afiar facas! Isso é mais uma prova que uma pedra que supostamente é mole, não é mole nada, porque serve para afiar facas!" (risos)
Geomanias
Rocha preferida? Basalto
Mineral preferido? Olivina
Fóssil preferido? Rudista
Unidade litostratigráfica preferida? Pode ser o CVL [Complexo Vulcânico de Lisboa], que eu tenho muita curiosidade e acho que não está tudo explorado
Recursos minerais metálicos ou não metálicos? Metálicos! Sim, e gosto mais da Idade do Ferro do que da Idade da Pedra! (risos)
Era, Período, Época ou Idade preferido? Carbónico
Trabalho de campo ou de gabinete? Campo
Martelo ou microscópio? Martelo
Pedra mole ou pedra dura? Não concordo com a dicotomia! (risos) Uma pedra dura também pode ser mole, não é? Pode-se decompor, desagregar…
Esparrite, esparite, sparite ou sparrite?Não uso, mas parece-me que é melhor a esparrite.