Deolinda Flores

Junho 2024







RISCOS GEOLÓGICOS

SÓCIA APG Nº O1105

Nascida e criada na capital, hoje é entusiasticamente geóloga na Câmara Municipal de Lisboa e conseguiu impor a Geologia no planeamento e gestão urbana. Quer ser proativa e não reativa na resolução dos problemas diários. Já passou pela hidrogeologia, geoquímica e geotecnia e hoje está focada na resiliência a riscos naturais.

" (...) devem ter Geólogos, porque nós temos, de facto, uma visão diferente do território e temos também esta visão de proatividade. Penso que temos a capacidade de olhar para o território e ver as suas vulnerabilidades, o que não é acessível à maioria das pessoas, uma vez que normalmente não têm essa visão do subsolo (...)"

Naquele final de tarde quente de julho em que entrámos na Câmara Municipal de Lisboa, não sabíamos ao que íamos. Mas sabemos como saímos: rendidas a uma geóloga apaixonada pelo seu trabalho, com uma energia e entusiasmo epidémicos, do estilo de fazer mover montanhas e isto nem mete tectónica s.s. Cláudia Pinto, "geóloga" desde a segunda infância e que, apesar de já ter passado por vários projetos diferentes, ainda não consegue escolher a sua área da Geologia preferida: é tudo maravilhoso! A única condição: que seja para resolver problemas concretos. Nascida no dia da criança, já produziu umas quantas: rematou cada grau académico com um filho, o que certamente lhe conferiu esta enorme e incomparável capacidade de gestão de projetos. Não há risco que lhe "ReSista", numa cidade que "treme" e "mete água" por todos os lados. Venham conhecer a Cláudia, que fez da Geologia um posto no município da capital e que tem a certeza que para se resolverem problemas temos de estar do lado da solução. E a Cláudia está!


Entrevista 

Câmara Municipal de Lisboa, julho de 2023


1. Nome, data e local de nascimento.

O meu nome é Cláudia Pinto, nasci a 1 de junho de 1979, aqui na zona de Lisboa.

2. Conte-nos, como se fosse para leigos, o que faz profissionalmente?

Desempenho as funções de geóloga na Câmara Municipal de Lisboa. Atualmente coordeno uma equipa de projeto, designada "Equipa de Projecto Resist", que tem como objetivo identificar as condicionantes de ordem geológica em contexto urbano. Esse é, de facto, o nosso grande foco. Em particular, agora estou com um programa, que dá nome a esta equipa, que tem que ver com a resiliência sísmica do parque edificado em infraestruturas municipais.

3. Em que ano e onde ingressou no curso de geologia?

Foi em 1998, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa [FCUL]. Adorei todo o percurso na FCUL e, por ter gostado tanto, acabei também por fazer mestrado e doutoramento na mesma instituição. Gostei da faculdade propriamente dita, do ambiente que se vivia, do corpo docente, o tronco comum [do curso] com aquela variedade de disciplinas e aquela interligação com os outros departamentos que nos permite ter uma riqueza a nível das outras matérias, na área das ciências, que foi uma coisa que sempre me apaixonou. Portanto, acabei por fazer todo o meu percurso académico na FCUL.

4. O curso era de cinco anos ou já era de quatro?

Era de cinco anos ainda. Eu fiz a licenciatura em Geologia Aplicada ainda com o 5º ano de estágio profissionalizante, que era uma disciplina onde havia uma espécie de estágio, que eu já vim fazer aqui à Câmara [Municipal de Lisboa], na parte dos recursos hídricos. Depois não continuei aqui em continuidade, porque estive a trabalhar no laboratório de processos costeiros [GeoFCUL], mas foi um percurso interessante o ter começado por aqui.

"Eu sempre quis ser geóloga, desde o 8º ano. Queria ser vulcanóloga."  

5. A ponte com a Câmara foi por intermédio dos professores de hidrogeologia ou foi a Cláudia que procurou?

Foi através de um professor que trabalhava aqui [CML] , Gabriel de Almeida, que tinha um núcleo de geólogos a trabalhar essencialmente na área da geotecnia, na apreciação de projetos de escavação e contenção periférica, que me desafiou. Como eu gostava de bases de dados e gostava da hidrogeologia e de ordenamento [do território], fui desafiada para vir trabalhar precisamente no projeto da carta geotécnica de Lisboa. Inicialmente vim trabalhar na base de dados e introduzir relatórios de sondagens e com o tempo fui participando noutros projetos, noutras iniciativas do município – o plano verde para Lisboa, a revisão do Plano Diretor Municipal –, e depois fui começando a impor um bocadinho o nosso papel de geólogo aqui na Câmara. Creio que isso tem sido conseguido nos últimos anos, temos uma área demarcada com trabalho muito específico, gerido por nós [equipa de geólogos da CML], como os Geomonumentos e projetos na área dos riscos geológicos. Portanto, tem sido um prazer estar aqui no município.

6. Desde que ano trabalha aqui no município?

Desde 2005. Não foi logo o meu primeiro emprego. O meu primeiro emprego foi na FCUL como bolseira, com a professora [Maria] Conceição Freitas, uma pessoa com quem adorei trabalhar e com a qual tenho algumas coisas em comum, nomeadamente a velocidade com que debitamos palavras por segundo (risos), tendo sido, de facto, a primeira pessoa que me acolheu na atividade profissional. Adorei estar no laboratório de processos costeiros [ProCost], mas, entretanto, houve o desafio de vir trabalhar para o município para elaborar a carta geotécnica de Lisboa, que acabou por ser o tema que desenvolvi na minha tese de doutoramento, e fui ficando, porque achei que, de facto, havia aqui muito trabalho para geólogo que não estava a ser devidamente explorado e, no meu ponto de vista, é sempre muito interessante desenvolver vários projetos aplicados à resolução de problemas diários. Isso é muito motivante.

7. Desde quando é que tem uma equipa para gerir?

Desde 2021. Esta equipa é muito recente. Já tinha uma outra equipa "não formal", porque estávamos integrados numa outra divisão, onde eu tinha uma chefe, mas eu já fazia a coordenação do núcleo a que chamávamos o "Núcleo de Cartografia Geológica". Tinha mais dois geólogos, entretanto veio um estagiário e íamos fazendo algum trabalho e atualizando a base de dados geotécnica, dando apoio aos serviços, nomeadamente na elaboração de pareceres de ordem hidrogeológica e ordenamento do território, etc. Entretanto apareceu a oportunidade de ficar a coordenar este grupo de trabalho, mais virado para a preocupação com a resiliência da cidade e trabalhar muito aquilo que é a resiliência a riscos naturais. Então, foi constituída esta equipa e estamos desde 2021 a desenvolver esta nossa tarefa.

8. Pode apresentar a equipa que coordena?

Sim. É composta pela Carla Pousada, que é uma colega de ciências sociais, Vanessa Figueiredo, doutorada em sociologia, pela Paula Pacheco, que é uma colega de engenharia do território, a Mónica Ferreira, que também é engenheira do território e que é também investigadora na Instituto Superior Técnico, mas que eu recrutei para ocupar 50% do tempo aqui para a Câmara, porque ela é ótima e fez doutoramento em risco sísmico, nomeadamente na preparação dos cidadãos para melhores comportamentos a adotar em caso de sismo. Foi ótimo, era algo que nos faltava, e trabalha cá em virtude de uma parceria que temos com o IST. Depois há o Carlos Ferreira, que é engenheiro do território, mas informático, e que agora está a assessorar a vereação. Todas as apps que desenvolvo, é o Carlos Ferreira que as faz. Tenho também o Miguel Inácio, que é geólogo e está a acabar o doutoramento em Geologia. O Miguel é excelente, veio para cá estagiar e gostei muito do trabalho dele, é muito otimista e proactivo. Se eu disser "Ah, vamos fazer aquilo" ele já está a ver como vamos fazer aquilo. Recentemente contratei uma outra geóloga, a Carolina Almeida, que acabou o curso no ano passado e veio estagiar para cá, e que nos tem estado a ajudar nestas iniciativas muito diversas, mas todas viradas para o risco geológico. E tenho também a Alexandra Ferreira, a quem estou a co-orientar a tese de mestrado com o Professor Rui Taborda.

"Nós que estudamos Geologia sabemos o quão abrangente o nosso trabalho é, desde a leitura transversal que temos do território, que quando olhamos para ele conseguimos vê-lo como um todo, desde o que está no subsolo ao que está à superfície"

9. Como é que surgiu o interesse de estudar Geologia?

Eu sempre quis ser geóloga, desde o 8º ano. Queria ser vulcanóloga. Quando descobri a Geologia queria estudar vulcões. Quando cheguei ao 10º ano fui para uma escola muito longe de casa, a minha mãe odiou aquilo, porque eu queria ter TLG [Técnicas Laboratoriais de Geologia] e não havia nas escolas ao pé da minha casa. Nessa altura, tive a sorte de ter tido uma professora, que se chamava Conceição, e que me inspirou a ser geóloga. Era licenciada em Geologia pela FCUL, tinha sido colega do professor [Jorge] Figueiras, portanto, era geóloga "do científico" [ramo], "hiper-mega" apaixonada pela Geologia. Na altura era uma pessoa já com os seus 50 anos, não era fácil para as senhoras trabalharem na área da Geologia, que era uma área muito marcada pelos homens, nomeadamente no trabalho que não fosse a puramente académico e dar aulas. Portanto, ela acabou por passar a dar aulas ao secundário. Pela maneira como ela falava de Geologia, que eu já gostava, fiquei completamente apaixonada. Entretanto não tive turma no 12º ano para Geologia, por isso tive de fazer Biologia e Química, mas fiz Geologia na mesma, como extracurricular, e fui a única aluna. Eram conversas espetaculares em torno de tudo o que tinha a ver com aspetos de Geologia, portanto foram as melhores aulas que tive na minha vida. Eu adorava e adoro tudo o que tenha que ver com processos geológicos e aquela hora que eu lá estava era uma maravilha. Costumo dizer que trabalho nesta área, e conheço muitas profissões, algumas delas com trabalhos muito engraçados, mas eu não trocava ser geóloga por nada, nada mesmo! Nunca vou ser rica, mas não trocava. (risos)

10. Foi primeira opção vir para Lisboa?

Sim. 

11. Qual foi a disciplina que gostou mais durante o curso?

Gostei de várias. A parte de geoquímica, ordenamento do território, geologia costeira, a aplicada… hidrogeologia foi maravilhoso. Não consigo escolher. Também gostei de geotecnia. Daí, também, acho que acabei por ficar no município porque consigo fazer um bocadinho de cada área. Fiz um mestrado em hidrogeoquímica, no âmbito de um projeto chamado "Metal Travel", nas minas de Aljustrel, um trabalho de geoquímica pura, mas com a parte de hidrogeologia, e que foi muito giro. Depois fiz doutoramento em geotecnia, que não tem nada a ver, mas porque eu não consigo mesmo escolher. Gosto de tudo. Eu acho que isto é maravilhoso. (risos)


12. Mas sempre tudo muito aplicado, não é?

Sim, eu tenho essa ótica. Para mim, se não é para resolver problemas e se é só para falar entre pares, não conseguimos passar a mensagem e eu acho que alguma da renitência em contratar geólogos prende-se com a ideia de que eles acham que nós só estudamos pedras, mas nós estudamos muita coisa. Nós que estudamos Geologia sabemos o quão abrangente o nosso trabalho é, desde a leitura transversal que temos do território, que quando olhamos para ele conseguimos vê-lo como um todo, de baixo para cima, desde o que está no subsolo ao que está à superfície, temos essa vantagem, que ninguém tem, e não a sabemos explorar devidamente. Acho que essa é a grande limitação da nossa profissão, de não ter outro reconhecimento social. Acaba por ser uma profissão que não o tem [reconhecimento} comparativamente com outras. Mas depois nós vemos, no dia a dia, quem é que dá cartas, e isso eu faço sempre questão de mostrar: "Ah pois é... estão a ver que não é bem assim?! Nós fazemos melhor!". Dou um exemplo muito concreto: planeamento do território e operações urbanísticas. Define-se uma área territorial onde de pretende construir uma escola, um equipamento, etc. Se o desenho urbano for definido pelos arquitetos, eles vão escolher zonas que provavelmente não serão as mais indicadas. No início, quando comecei aqui a trabalhar, acontecia isso: os projetos chegavam às nossas mãos para emitir pareceres e o nosso parecer era sempre negativo.

13. Porquê?

Por exemplo, a construção de uma escola, que normalmente é uma estrutura que não tem grande exigência do ponto de vista das cargas, tem normalmente um piso, é na horizontal, portanto, é para fazer fundação direta, senão a escola vai ficar caríssima. Pois então, escolhiam sempre o pior sítio para fazer a escola e aí, claro, o meu parecer era negativo. E eu comecei a dizer-lhes para perguntarem antes de desenvolverem os projetos. Apresentavam as áreas livres, o que era necessário construir, e, à priori, nós indicávamos os locais mais adequados para cada tipo de construção mediante as características dos terrenos em questão. De início não foi fácil convencê-los a mudar a ordem dos procedimentos, mas agora já está a funcionar de forma correta. Mesmo ao nível do Plano Diretor Municipal (PDM), onde só passou a constar a cartografia geológica a partir de 2012, estamos a introduzir uma série de condicionantes. Por exemplo, incluir estudos hidrogeológicos na fase inicial dos projetos, para ver se a construção de caves ou fundações vão impactar no regime hidrogeológico local. Mesmo que não tenham impacto a nível da exequibilidade do projeto, podem ter impactes na envolvente e este é o nosso papel, enquadrar os projetos de engenharia e arquitetura que são elaborados à escala local numa escala muito maior. O professor Gabriel [Almeida] dizia sempre que, normalmente, nós estamos associados à parte que vai levantar problemas, porque conhecemos as condicionantes e quando entramos é para dizer a parte chata. Mas se conseguirmos transformar a nossa retórica para não ser parte do problema, mas sim da solução, é meio caminho andado para sermos mais bem aceites e conseguirmos entrar nesses processos. E isso é o caminho do sucesso, eu acho.

14. Foi com o professor Gabriel que aprendeu um bocadinho a gerir estas situações?

Sim. O professor Gabriel é maravilhoso. Sabe imenso de geotecnia. Era espetacular vê-lo a dizer parâmetros geotécnicos mesmo antes de ler os relatórios, ele conhecia "intimamente", como eu costumava dizer, as formações de Lisboa e sabia perfeitamente se elas iam ou não suportar as cargas a que um determinado projeto as ia sujeitar. Foi uma grande aprendizagem. Tive imensa pena de só ter estado cá durante três anos com ele, porque, entretanto, reformou-se, e, por isso, tive pouco tempo para privar com ele. Mas creio que ele deixou aqui a semente da geotecnia e eu tenho tentado defender afincadamente o que ele defendia para esta área da geotecnia e a importância que é fazer uma caracterização geológica antes de ir para uma fase de projeto.

"tenho tentado defender afincadamente (...) a importância que é fazer uma caracterização geológica antes de ir para uma fase de projeto"

15. Ainda a nível do curso, houve outros professores que a marcaram, além também da professora Conceição Freitas que já referiu?

Sim. A professora Isabel Moitinho. Temos um carinho mútuo uma pela outra, porque além de minha professora, foi minha orientadora do doutoramento, em conjunto com o professor Rui Taborda, e mantemos uma relação que, para mim, vai muito para além da amizade. É uma pessoa extraordinária! Gostei muito de outros professores. O professor Rui Taborda, 10 estrelas. Muitos professores que tive de campo… o professor José Madeira, que gostei muito das aulas de campo com ele. Adorei o professor [António] Ribeiro dos Santos, que foi meu professor das teóricas de geoquímica e o professor Silvério [Prates de Carvalho] de recursos minerais não metálicos, ambos reformados há muito tempo, mas foram todos pessoas que me deixaram uma referência muito forte, porque falavam de Geologia com paixão.

16. Mas se tivesse de escolher a pessoa que mais a tenha marcado ao longo da carreira, quem escolheria?

A professora Isabel Moitinho. Sim.

17. Quanto aos colegas do seu ano, há algum que ainda se mantenha na área da geologia?

Sim, vários!

18. Então diga-nos alguns nomes.

Tenho um colega que era um "amigão" durante todo o curso e após o curso também. Normalmente, andávamos sempre juntos, éramos mesmo muito amigos, ainda hoje, e é o Paulo Coelho, que trabalhou muitos anos na empresa Ferconsult. Quando essa empresa foi extinta, ele passou a integrar os quadros do Metropolitano de Lisboa, que é onde se encontra atualmente a trabalhar. Era, sem dúvida, o meu "amigo da escola". Uma outra colega que está aqui a trabalhar no município também, que é a Alexandra Frias, também éramos muito amigas. A Alexandra é uma pessoa muito metódica, aquele trabalho de estar ali a ver com muita calma, é a pessoa indicada, e já ingressou aqui na câmara. Também a colega Magda Roque, que está a trabalhar na Aqualogus, e que fazia parte do nosso grupinho de amigos. E ainda o colega João Azevedo que está a trabalhar na Infraestruturas de Portugal, na área da geotecnia. Portanto, a maior parte dos meus colegas está a trabalhar na área.

19. Quase todos os nomes que referiu estão ligados à Geologia aplicada. Do científico, lembra-se de alguém?

Do científico lembro-me de alguns colegas. Tinha um colega que se chamava Raúl Fonseca e era louco por mineralogia e foi fazer o doutoramento para a Austrália. Sabia o "Dana" todo! [o clássico "Manual of Mineral Science", originalmente escrito por James D. Dana em 1848]. Era maravilhoso ele a dizer nomes de minerais que nenhum de nós conhecia no 2º ano do curso. Ele adorava, era viciado em minerais. Havia outro colega, o Duarte, que foi trabalhar para Angola para a parte da exploração, penso que era de diamantes, mas não tenho a certeza. A Filipa Marques não foi do meu ano, mas éramos muito amigas e tivemos um projeto paralelo, de cantorias, durante algum tempo, mantemos até hoje a relação de amizade. Tive outro colega chamado Nuno, que esteve a trabalhar em micropaleontologia na Patagónia, e sei que fez um percurso relacionado com empresas de petróleo.

20. Fez o estágio aqui na Câmara e voltou para a FCUL. Depois, como é que regressa de novo à Câmara?

Acabei o curso em julho de 2003, em setembro/outubro comecei aqui o estágio e terminei no ano seguinte. Em julho do ano 2004 fiz a defesa do projeto do estágio. Entretanto casei, engravidei do meu primeiro filho – são três atualmente – nisto passaram-se uns meses, o bebé nasceu em novembro, estive uns meses em casa com ele e depois comecei a trabalhar na FCUL.

21. E ficou na FCUL durante quanto tempo?

Foi pouco tempo, talvez uns quatro ou cinco meses nuns projetos que a professora Conceição Freitas tinha no laboratório ProCost sobre lagoas, para a tese da Anabela [Cruces]. Estavam lá na altura a Tânia [Ferreira], a Rute Ramos, a Vera Lopes e também a Anabela Cruces, portanto, estava com elas a trabalhar em material para a tese da Anabela, na análise de lagunas, como a de Melides, etc. Vim para a CML em agosto e já não saí. Em novembro de 2005 comecei o mestrado e quando acabei tive o meu segundo filho. Tem sido por ciclos de estudo, acabo um percurso e tenho um bebé. (risos) Fui tendo filhos pelo meio, como eu costumo dizer. 

(...) para isso também contribuiu o facto de ter começado a trabalhar antes de começar o mestrado, porque fiquei com outra visão da sinergia entre as matérias (...) 

22. E curiosidade... os seus filhos, têm o bichinho da Geologia?

O meu filho mais velho concorreu agora em primeira opção para Geologia. Eu estou sempre a falar de Geologia, era impossível ele não gostar! (risos) Mas ele tinha muito melhores notas a Geologia do que na biologia. Não que não levasse uma "esfrega" de vez em quando, porque levava, mas ele tem apetência, percebe os conceitos e os nomes, e depois eu levo-o a ver coisas e é muito mais fácil quando se vê. O meu filho mais novo só gosta de dinossauros e eu estou a ver se ele vai ser paleontólogo… (risos) Não, estou a brincar. (risos)

23. Recordando os seus tempos de aluna, era mais participativa ou mais calada? Considera que foi boa aluna, média, ou muito boa?

Considero que fui boa aluna. Agora falo muito, mas era meio calada nas aulas. Quando eu começava a refilar, o professor Gabriel até me dizia "Ah, tão caladinha, tão caladinha nas aulas, e bla bla bla bla bla bla". Nas aulas eu estava com atenção, até porque eu bebia aquilo religiosamente, e então se a disciplina me interessava, ui, aquilo era uma concentração total. Não era assim por demais "tcharan", acho que se calhar não fui das pessoas que mais deu nas vistas, acabei com média de quase 16, portanto foi bom. Fiz 17,4 no mestrado, também foi bom. Gostei muito de fazer tudo em Geologia, mas na licenciatura temos gavetas assim numa cómoda meio partida. Depois no mestrado já são gavetas maiores que se relacionam melhor entre si e foi quando eu percebi essa relação. E para isso também contribuiu o facto de ter começado a trabalhar antes do mestrado, porque fiquei com outra visão da sinergia entre as matérias, porque havia a hidro, a geotecnia, e parecia que eram coisas muito diferentes, mas que no fundo estão todas relacionadas, e a experiência permitiu-me entender isso melhor, acabei por ser mais bem-sucedida aí do que na licenciatura. Mas, no geral, fui boa aluna.

(...) o nosso foco geralmente é mais direcionado para o comportamento das coisas que estão abaixo do solo, não do que está acima" 

24. Uma obra, livro, carta ou artigo que goste particularmente.

Os livros para mim, ou bem que me apetece lê-los todos de uma vez, e me despertam o interesse, ou se não acontece isso, desisto logo e já não leio mais, porque é um livro que não me vai interessar. Tenho esse problema. Atualmente, não consigo dizer exatamente porquê, mas dei comigo a ler coisas muito mais viradas para a sísmica, não do lado da Geologia, mas do lado da estrutura. Nunca tinha pensado nessa perspetiva. Nós geólogos, pensamos, "Ok, sísmica. Temos a perigosidade sísmica, velocidade de propagação das ondas e eventualmente efeitos de sítio mais relacionados com a atenuação ou empolamento do efeito de onda em função da resistência dos materiais", mas depois passa ali a parte da estrutura, o impacto nas casas. Confesso que essa é a parte que tem o impacto real, mas nunca pensava concretamente nisso. Agora, com este projeto "ReSist", vi-me um bocadinho obrigada a ter de ler o impacte na estrutura e de repente pensei, "Pois, isto realmente é uma coisa!" Porque isto não é uma área que estejamos habituados a pensar, o nosso foco geralmente é mais direcionado para o comportamento das coisas que estão abaixo do solo, não do que está acima. Agora tenho andado a ler muita coisa publicada da área da engenharia sísmica para tentar perceber a relação entre a propagação da onda sísmica e o impacto nas estruturas construídas, que também vai estar relacionado com a época em que essas estruturas foram construídas e o tipo de material usado na construção.

25. Há algum livro ou artigo que goste mais nessa área?

Há um livro que li que se chama "Fundações" e outro que se chama "Reforço de estruturas de alvenaria" e gostei muito de ambos porque foram escritos por professores que são projetistas, que percebem muito do assunto e abordam os temas com uma visão muito prática, dão soluções e explicam patologias dos edifícios e isto tem sido o meu desafio dos últimos anos. Tenho andado a ler avidamente sobre estes temas, principalmente porque não os domino tecnicamente, e eu não gosto nada de não dominar tecnicamente as coisas. No verão, aproveito para ler outras coisas, mas em época de trabalho, como sou um bocado "workaholic", fico muito focada num determinado tema e vou ler tudo o que há sobre isso.

"(...) fizemos um trabalho proactivo, que nos permitiu antecipar uma série de problemas através do reforço de várias estruturas que estavam em zona de risco, mas que ainda não tinham entrado em rotura (...)"

26. Ao nível dos riscos, os desafios da Câmara Municipal de Lisboa atualmente prendem-se essencialmente com a sísmica, ou há outros?

Não estamos só a apostar na parte da sísmica, mas ela foi o mote que levou à criação da equipa. O website que criámos para divulgar todos os nossos projetos chama-se "Resiliência Urbana" e esta é a estratégia que temos de aplicar e fomentar a resiliência a riscos de origem natural. Trabalhamos em concreto no impacto nas construções, fazendo uma análise de risco para conseguir priorizar intervenções. Estamos a ir um bocadinho além daquilo que é a análise de perigosidade comum e a entrar na vulnerabilidade para tentar estimar custos com perdas, o que inclui também bastante trabalho com as seguradoras e na área da economia para perceber o impacte económico, e dessa forma podermos fazer uma análise de risco. O sismo acaba por ser aquele risco que, embora tenha uma probabilidade muito baixa de ocorrer, o impacto é enorme, e acabou por ser o mote para a criação da equipa do projeto RESIST. Mas esta equipa tem também uma grande variedade de outros projetos associados. Um deles é o "Geosig", que é a nossa base de dados geotécnica, através da qual fazemos análises para vários fins, nomeadamente apoio ao licenciamento urbanístico, vemos as condicionantes de ordem hidrogeológica, quando há, por exemplo, construção de caves em zonas que são de sistema húmido, ou vulneráveis a inundações. Trabalhamos também as condicionantes do ponto de vista construtivo, quantos metros de depósito de cobertura existem num determinado local, uma vez que isso pode impactar seriamente o custo total da obra e a sua execução técnica, e damos apoio à parte do licenciamento das operações urbanísticas. Temos um outro projeto que se chama "Lisbon Slides", que é um projeto de deslizamento de massas em vertentes. Tivemos um modelo matemático para explicar quais seriam as zonas com suscetibilidade para a ocorrência de movimentos de massa em vertente e depois disso fomos um bocadinho mais adiante e contratámos uma empresa de projeto que foi avaliar todos os edifícios e muros que estavam nessas áreas vulneráveis, para avaliar as suas patologias. Houve situações em que se concluiu que tinham de ser intervencionadas. Neste caso, fizemos um trabalho proativo, que nos permitiu antecipar uma série de problemas através do reforço de várias estruturas que estavam em zona de risco, mas que ainda não tinham entrado em rotura, permitindo assim dotá-las de uma maior resistência aos eventos com baixo investimento. Estou sempre a lembrar isto, "Devemos ser proactivos e não reativos", porque com a proatividade mitigamos bastante os danos, e a reatividade normalmente leva sempre a prejuízos e investimento de recuperação/reposição muito maiores. 

"Nós temos 12 geólogos a trabalhar na CML. Está muito recetiva, sim."  

27. O que é que tem a dizer à maior parte das câmaras municipais do país, que nem sequer têm um geólogo?

Que devem ter geólogos, porque nós temos, de facto, uma visão diferente do território e temos também esta visão de proatividade. Penso que temos a capacidade de olhar para o território e ver as suas vulnerabilidades, o que não é acessível à maioria das pessoas, uma vez que normalmente não têm essa visão do subsolo. Se formos a ver, tudo o que é o edificado, o espaço público, as vias, tudo está assente no substrato geológico e se ele for menos competente, nesses locais específicos, essas infraestruturas vão ter problemas, criando problemas no nosso quotidiano. Se nós conseguirmos olhar e perceber a origem das patologias que, por exemplo, determinados edifícios apresentam, podemos dizer "Ok, vejam lá, que se calhar é melhor fazer aqui um reforço para podermos diminuir este problema.". Portanto, um geólogo é essencial, porque esta visão, não há mais ninguém que a tenha.

28. Portanto, Lisboa já está muito recetiva a estas situações…

Nós temos 12 geólogos a trabalhar na CML. Está muito recetiva, sim. Também é a nossa obrigação enquanto capital.

29. Ainda não falou em inundações…

Ainda não falei. O RESIST acaba por ser um projeto mais focado para a resiliência sísmica, mas temos outro que se chama ModSub3D em que andamos a desenhar caves. Isto é muito pouco geológico, mas acaba por nos permitir avaliar qual é o impacto no regime hidrogeológico local, permite-me inventariar as caves e saber onde a água não passa. Como não consigo instalar instrumentação na cidade toda para fazer uma carta hidrogeológica, pelo menos sei onde não há água. Depois temos o AGEO, que foi um projeto que terminou agora. Foi um projeto que consistiu em construir um observatório de cidadãos para fenómenos naturais e nós trabalhámos inundações, deslizamentos, tsunamis, sismos e risco geotécnico, abatimentos e assentamentos de terreno. Foi muito giro, porque o desafio deste projeto era traduzir estes fenómenos para uma linguagem que o cidadão comum entendesse. As explicações eram feitas com base em imagens e como a aplicação é interativa, as pessoas podem escolher de um lote de diferentes tipos de fissuras aquelas que têm em casa, por exemplo, e clicando lá, aparece a explicação/natureza/causa dessa mesma fissura. A pessoa conseguia reportar riscos sem saber tecnicamente o que estava a reportar. Desta maneira, passámos a ter reporte de uma série de pessoas e trabalhámos com juntas de freguesia, escuteiros, universidades seniores, foi super interessante a dinâmica deste AGEO. O mais recente dos projetos que tenho agora, além do RESIST, é o "Geosustained", que estamos a fazer com o LNEC, em que eu sou a co-investigadora responsável, e o líder é o LNEC, e no qual pretendemos avaliar a potencialidade da utilização do recurso geotérmico de baixa entalpia para climatização urbana. (aplaude orgulhosamente)

30. Conseguem saber a quantidade de pessoas que usa as aplicações?

Conseguimos. Temos uma interface sobre ArcGIS Survey123 que nos permite ver, em mapa, as ocorrências que são identificadas, com a diferenciação por cores das diferentes tipologias de ocorrências. Cá está, mais uma vez, aquela situação da visão proactiva. Se começo a ver em determinadas zonas da cidade vários reportes relacionados com assentamentos, por exemplo, não é só aquele edifício, portanto não estará relacionado com o estado de conservação, mas sim com movimentações no subsolo. Assim, esta capacidade de podermos ter estes reportes e de eles aparecerem representados em mapa, permite-nos estar mais despertos para os fenómenos que estão a ocorrer e ter esta ação proactiva.

" (...) mas nós conseguimos convencer o promotor a preservar aquela estrutura e, assim, todos os níveis do estacionamento subterrâneo têm paredes em vidro onde se pode observar o afloramento"

31. Dentro do que é a sua atividade profissional, qual é a coisa que mais gosta de fazer?

Eu gosto dos pareceres para o urbanismo. Acho que é um desafio que nos obriga a ver o outro lado. Acho interessante cruzar o que é uma intenção construtiva, um projeto para um edifício, para caves, e ver a interferência com a envolvente, por exemplo, a nível das ancoragens, mas também a parte da hidrogeologia, ver os relatórios das sondagens. Dá-me bastante gozo. Depois, também gosto muito da parte do planeamento, mas se tiver de escolher só uma, diria mesmo a apreciação dos projetos de licenciamento, até porque podemos pensar em soluções estratégicas ao nível do futuro da organização do território e penso que aí podemos fazer a diferença.

32. Na altura do planeamento, são tidos em conta aspetos de preservação patrimonial, nomeadamente o património natural?

Sim, esses aspetos entram na equação. Nós conseguimos colocar os geomonumentos na carta de qualificação do espaço urbano do PDM [Plano Diretor Municipal]. Portanto, atualmente os geomonumentos estão protegidos e a eles está associado um buffer de proteção de 10 metros em torno do afloramento visível, no caso de estarem integrados em contexto urbano. Se estiverem localizados nas imediações da rede viária, esse buffer vai até ao eixo da via. Não tenho conhecimento que tenha havido projetos de operações urbanísticas para áreas de monumentos classificados, por vezes poderão haver afloramentos visíveis e que sejam alvos de operações de loteamento. Na rede que definimos, tentamos não entrar em conflito com o direito privado, porque se uma determinada pessoa tem o direito construtivo sobre determinada parcela e nós aparecemos a dizer que não pode construir porque é um geomonumento, imaginem o problema que pode surgir… Podem estar aqui em questão investimentos imobiliários de valores bastante avultados. Tentámos sempre privilegiar afloramentos que tivessem interesse científico, pedagógico ou cultural, mas que estivessem em propriedade municipal. Havia, de facto, algumas zonas que tinham umas intenções construtivas nas imediações, mas o que dissemos foi para terem atenção para não destruir o afloramento. Tenho um exemplo muito interessante em que isso foi conseguido, no afloramento da Avenida Infante Santo. O geomonumento da Avenida Infante Santo tem dois lados, um este e um oeste. Do lado este, é o resto de uma antiga pedreira com nódulos de sílex com uma espessura muitíssimo interessante, que se encontra localizado entre dois prédios, e do outro lado da estrada, existe um talude, que é menos bonito, porque tem muita vegetação e a superfície está muito alterada, mas que está igualmente classificado. Havia um projeto antigo de construção de um parque de estacionamento subterrâneo que ia destruir aquele geomonumento quando entrassem em fase de escavações, mas nós conseguimos convencer o promotor a preservar aquela estrutura e, assim, em todos os níveis do estacionamento subterrâneo têm paredes em vidro onde se pode observar o afloramento. O parque foi construído na mesma, mas os calcários cretácicos da Formação da Bica ficaram também visíveis. Inclusivamente, foram colocados painéis informativos com a descrição geológica com os aspetos que se podem ver. Foi uma integração em contexto urbano bem conseguida. Digo sempre que temos de ter a noção que as necessidades da cidade nem sempre se coadunam com a preservação deste tipo de património, como acontece, por exemplo, num geoparque. Temos de explicar às pessoas o que estamos a preservar e o motivo dessa preservação, de maneira que elas percebam que estamos a contar uma história que vai muito além da escala humana. Quando dizemos, em determinados locais, "Aqui foi mar" ou "Aqui foi vulcão", muitas pessoas ficam muito admiradas e curiosas, outras pessoas duvidam bastante do que dizemos, mas quando contamos às pessoas a história geológica de Lisboa e das suas 21 unidades geológicas – com o Miocénico maravilhoso com uma série de transições de fácies super complexas, com vários ambientes de deposição – tentamos que elas gostem da história que lhes contamos e, se gostarem, vão ser elas próprias a querer preservar. Desta maneira, tivemos em alguns sítios pessoas a dizer que queriam colocar geomonumentos. Aconteceu, por exemplo, no Bairro Azul, onde as pessoas queriam classificar um aterro que não era nada… Eu fui lá e tive de explicar que aquilo não era nada. As pessoas viram ali um talude e acharam que aquilo tinha de ser classificado, mas efetivamente era apenas um talude de aterro sem qualquer interesse do ponto de vista geológico ou científico. Ainda assim, é muito interessante haver esta dinâmica em alguns bairros aqui em Lisboa. 

33. A Câmara Municipal de Lisboa tem alguns projetos educativos. Conte-nos um bocadinho sobre isso.

Sim, temos vários projetos educativos. Há um deles que se chama "Passaporte Escolar" e é um programa que a Câmara disponibiliza a todas as escolas do concelho, que engloba vários serviços do município. Esses serviços definem atividades sobre os seus temas de trabalho, que depois podem ser disponibilizados às escolas, e estes, se tiverem interesse, contactam-nos para desenvolver essas atividades com os alunos. Inclusivamente, a Câmara disponibiliza os autocarros para levar os alunos aos locais. Nós vamos agora integrar esta rede com o objetivo de disseminação dos geomonumentos. Durante o ano passado [novembro 2022 a março de 2023], trabalhámos muito a parte do risco sísmico no âmbito do programa RESIST, trabalhámos comportamentos de autoproteção, explicámos o que fazer em caso de sismo, se houvesse tsunami explicámos o que deviam fazer mediante os locais onde estivessem, tentámos sensibilizar para os riscos naturais e para os comportamentos a adotar. Foi muito engraçado, principalmente com os mais pequeninos, porque foram dizer aos pais que eles tinham de pregar os armários nas paredes, para evitar que caíssem. Depois, as educadoras falaram connosco a dizer que os pais das crianças lhes tinham ligado a perguntar o que elas tinham andado a ensinar às crianças, porque eles tinham chegado a casa e foram ver os armários que não estavam fixos às paredes. Efetivamente, nós dissemos que, às vezes, não é o impacto do sismo que nos mata, mas sim as construções que nos caem em cima. O sismo é uma coisa natural, devemos é evitar que os elementos não estruturais caiam como consequência dos sismos.

34. Nessa parte da missão educativa, tiveram apoio na construção de conteúdos?

Foi um processo semiformal. Nós temos uma ótima relação com o professor Mário Cachão e vamos tendo imensas conversas – ele acompanhou-nos às visitas que fizemos aos geomonumentos – mas a conceção dos percursos educativos que fizemos foi trabalhada internamente. Definimos dois percursos, um denominado "Ambientes de Deposição" e outro "Antigas Pedreiras", e explorámos exatamente isso. Há pessoas que têm muito interesse em ver a exploração associada à arqueologia industrial. Ali no Rio Seco há a pedreira de calcário e depois tem uma espécie de carril por onde passava a extração de cal, que era levada para os fornos mais a jusante, e mostrámos essa ideia da arqueologia industrial. Existem outras pessoas que têm o bichinho mais científico e que gostam de ouvir falar dos ambientes de deposição, portanto, temos esta oferta para a população em geral. Está disponível no site através de um story map, a pessoa vai clicando e pode ver os autocarros ou linhas de metro que existem para chegar aos locais e podem fazer por si próprias. Atualmente, estamos com uma campanha de substituição dos totems até ao final do ano [2023], porque os que existem já são de 2009 e estão a ficar degradados. Vamos aproveitar para adicionar QR codes para poder acrescentar outro tipo de informações que possam ser adicionadas.

"Os políticos têm os seus mandatos e os seus objetivos, que por vezes não se coadunam com os nossos. As coisas que para nós. por vezes. podem ser muito prementes, do ponto de vista político pode ter um enquadramento diferente"  

35. Qual é a atividade que menos gosta de fazer?

Eu não gosto muito de algum tipo de atividades que temos de fazer aqui no município e que envolvem a convergência com a política. Tudo são decisões políticas e nós, embora tenhamos uma componente técnica isenta da política, trabalhamos num ambiente onde as decisões acabam sempre por ser políticas. Eu dependo diretamente da vereadora do urbanismo e, por vezes, embora o trabalho seja todo técnico, o investimento que fazemos numa determinada ação pode não ir ao encontro das ideias da política vigente. E então, aí volta tudo atrás para fazer algumas reformulações. Os políticos têm os seus mandatos e os seus objetivos, que por vezes não se coadunam com os nossos. As coisas que para nós, por vezes, podem ser muito prementes, do ponto de vista político pode ter um enquadramento diferente. Por vezes, algumas ações estratégicas necessitam de tempo para ser desenvolvidas e implementadas, o que, com alguma naturalidade, podem não estar enquadrado no período de vigência de cada mandato autárquico. Então, muitas dessas ações que são mais estratégicas, às vezes não são bem rececionadas porque não vão ter conclusão no período do mandato que as iniciou. Algumas vezes, aquilo que para nós poderia ser muito interessante fazer, não tem suporte político, e por isso não há a possibilidade de desenvolver.

36. Em que tipo de situações é que, com um bocadinho de persistência, consegue levar a sua avante?

Eu sou muito persistente. (risos) E nós temos de ser muito persistentes. Às vezes, não podemos ir em linha reta, mas podemos dar a volta e chegar ao mesmo fim. É quase como se fosse um tango, é um caminho que tem de ser feito e o importante é não parar. Se entramos numa de resignação, então é que não se faz mesmo nada! É preciso pensar em estratégias alternativas para levar a água ao nosso moinho. Felizmente, tenho conseguido levar. Tenho seis projetos de Geologia.

37. Há algum deles que tenha conseguido por essa via?

Não diria. Também concorro a muita coisa financiada. Agora tenho sete candidaturas a concurso. Claro que isso dá muito trabalho. Dá, dá. O Geosustained foi financiado pela FCT, o AGEO foi financiado pelo Interreg. Das candidaturas que tenho em andamento, há umas para submeter em setembro [2023], outras que já foram em março [2023] e estamos à espera dos resultados. Todas na ótica da gestão de riscos naturais. Estas entidades dão financiamento ao desenvolvimento deste tipo de projetos. Por exemplo, o AGEO teve um financiamento de 410 mil euros para desenvolver um observatório de cidadãos, deu para fazer muita coisa, comprar todos os materiais necessários ao desenvolvimento e divulgação do projeto, etc. Já o programa RESIST é do âmbito municipal, é desenvolvido apenas com verbas próprias, e todos os anos tenho tido orçamento para as ações que pretendo executar.

"Quem é que não quer ter o município, que é a capital de um país, com imensos riscos, como stakeholder? Não é só interessante para nós, é para eles também."  

38. Foi a sua chefia que a incentivou a concorrer a este tipo de fontes de financiamento ou foi iniciativa sua?

Eu tenho esse treino da escola. Fui sempre mantendo a ligação à universidade, portanto, tenho esta coisa de estar sempre a procurar fontes de financiamento e acho que são ótimas oportunidades. Nós não vamos [concorrer] a um Interreg como chefe de fila, porque não temos capacidade para o fazer. Às vezes, nem me importo quando concorro e me dão pouco orçamento, porque dá-nos a possibilidade de aprender com os outros e ver como eles gerem determinadas coisas. Depois, com os nossos troquinhos, fazemos um bocadinho diferente, "à pobre", mas fazemos. Conhecemos outras pessoas, outras formas de abordar a matéria "fora da caixa", que, por vezes. é muito fora mesmo, mas com o tempo acaba por ir lá.

39. Isto é muito importante, até mesmo para as próprias câmaras perceberem que podem concorrer à obtenção de financiamento para desenvolver projetos de variadas áreas.

Basta encontrar uma rede de parceiros. Por exemplo, para estes projetos que estamos a concorrer, vamos com os mesmos parceiros com que fomos a dois concursos há dois anos e agora estamos a ir com eles a três ou quatro. Quem é que não quer ter o município, que é a capital de um país, com imensos riscos, como stakeholder? Não é só interessante para nós, é para eles também. O que é certo é que eles também precisam de ter utilizadores para aplicar os projetos que eles criam. Outro ponto importante, fundamental até, é que o output criado seja utilizável. Desenvolver um projeto, um observatório de cidadãos, por exemplo, que só vai ser preenchido por geólogos, está completamente fora do plano de abrangência do projeto.

40. Qual foi o evento ou o momento que considera mais marcante na sua carreira?

Foi exatamente uma reunião que tive no início de 2020, em que fui convidada pelo diretor de planeamento urbano da Câmara de Lisboa para fazer uma apresentação dos projetos de gestão de risco geológico na cidade, onde tive o privilégio de poder estar com o anterior vereador do urbanismo, que achou o máximo estes projetos todos, e por isso convidou-me para ser a sua assessora. Foi exatamente quando passei a ser assessora do vereador do urbanismo que me foi pedido para coordenar um grupo de trabalho chamado "Grupo de Trabalho da Resiliência Sísmica", sendo nesse contexto que surgiu o programa "RESIST" – que me correu particularmente bem, ao ponto de quando o apresentei ao executivo do município, os vereadores terem ficado muito espantados e terem achado que este projeto deveria ter uma amplitude muito maior, não devendo ficar apenas ao cargo dos serviços do município –, que me levou a ficar diretora deste grupo e a constituir uma equipa para gerir este programa como um programa municipal. Portanto, este foi um momento de viragem. Sempre tive chefias que nunca quiseram ficar com os louros para si. Não me posso queixar de ter tido falta de oportunidades, porque as chefias que tive sempre apoiaram os vários projetos que fui inventando – e ser-lhes-ia mais fácil terem-me dito que a CML não tinha de fazer aquele tipo de coisas ou que eu não deveria perder tempo a fazê-las – mas tive sempre a sorte de todas as pessoas com quem trabalhei ao longo meu percurso terem achado os temas interessantes e terem-me dado asas para voar. E, claro, depois também tive a capacidade para levar essas ideias e esses projetos a bom porto. De facto, o momento marcante que me alavancou para esta posição que atualmente tenho, e de onde consigo gerir estes projetos, foi, efetivamente, estar naquela altura o vereador do urbanismo a assistir a essa apresentação. 

41. Há algum momento que tenha sido mais embaraçoso ou que considere um falhanço?

Existem vários, claro! Principalmente quando estamos a tentar implementar algumas estratégias que para nós fazem todo o sentido, mas não são defensáveis politicamente, ou quem está à frente no processo e tem de decidir não acha a ideia interessante ou não considera que se deva investir nesse sentido. Já houve situações, não me lembro de nenhuma em concreto, mas acontecem, claro. Faz parte. Também temos de ter a capacidade de encarar isso e tentar fazer melhor e ver as coisas de outra perspetiva. Aliás, acho que essa é a grande vantagem das coisas, ver a posição dos outros, porque é que eles não estão a perceber o objetivo das coisas e de que forma é que nós podemos chegar ao entendimento das pessoas. Muitas vezes essa forma até nem tem muito que ver com a Geologia, mas não faz mal, para que no fundo o objetivo seja cumprido e tenha real impacto na vida das pessoas.

"Às vezes saio daqui à 2ª feira, morta de cansaço, porque o fim de semana para mim é cansativo. Três filhos, não é?! Depois ao fim do dia é o ensaio e saio de lá toda cheia de energia, às vezes nem consigo dormir (...)"

42. Há pouco fez uma pequena referência à música, é o seu hobbie?

Ah! Sim, sim. (muito entusiasmada) É o meu hobbie já há vinte anos. Canto num coro de Gospel, que é o Saint Dominic's Gospel Choir. Ensaiamos uma vez por semana, mas há períodos do ano em que temos muito mais concertos do que noutros. Por exemplo, no verão são os casamentos, no Natal são as festas das empresas, as festas da televisão, etc.

43. Só em Portugal, ou também no estrangeiro?

Nunca fomos para fora. Temos muito trabalho cá. Se houvesse mais trabalho, também já não dava, porque aquilo não é a nossa profissão – tirando o maestro do coro, que é a profissão dele – todos os outros têm uma profissão e, portanto, muitas das vezes implica tirarmos férias para irmos a algum concerto que é durante um dia de semana. Mas é uma coisa interessante. Às vezes, saio daqui à 2ª feira, morta de cansaço, porque o fim de semana para mim é cansativo. Três filhos, não é?! Depois ao fim do dia é o ensaio e saio de lá toda cheia de energia, às vezes nem consigo dormir logo, porque estou naquela excitação do ensaio. É muito giro.



Intraclasto

O projeto ReSist

Como intraclasto, a Cláudia escolheu o seu projeto ReSist, que tem coordenado com muito entusiasmo, desde 2021, contando com uma equipa com diferentes valências. 

O Programa ReSist define um conjunto de 47 ações que visam a promoção da resiliência sísmica da Cidade de Lisboa. Para saber mais sobre o projeto, consulte o website ou veja este vídeo do Youtube


Geomanias

Rocha preferida? Granito

Mineral preferido? Quartzo

Fóssil preferido? Rudistas, nem podia ser outro (risos)

Era, Período, Época ou Idade preferido? Mesozoico. Gosto do Jurássico. 

 Trabalho de campo ou de gabinete? Depende. Algumas coisas gosto de campo, mas gosto de trabalho de gabinete também.

Unidade litostratigráfica preferida? Aqui em Lisboa, são as argilas e calcários dos Prazeres. Gosto muito desta formação porque é muito gira do ponto de vista geotécnico. 

Recursos minerais metálicos ou não metálicos? Metálicos

Martelo ou microscópio? Martelo, sempre!

Pedra mole ou pedra dura? Pedra dura

Ortóclase ou Ortoclase? Ortoclase


Teaser da Entrevista