Luís Martins
Julho 2024
GEOLOGIA MINEIRA
Nasceu em Lisboa e é organizado e objetivo desde então. Coordenou festas académicas nos tempos de estudante e hoje é presidente do Cluster dos Recursos Minerais de Portugal. Passou por quase tudo o que são instituições nacionais relacionadas com a temática dos recursos e a prospeção e pesquisa continuam a ser as fases que prefere.
"Depois saí da administração pública, porque me cansei de ver as condições de trabalho a piorarem cada vez mais, não só a nível de salários, mas também ao nível das viaturas para ir para o campo, ajudas de custo que permitissem, pelo menos, que as pessoas fossem para o campo sem perder dinheiro. Penso que as pessoas ou não sabem, ou não querem saber que o trabalho base da nossa profissão é o trabalho de campo e sem ele não conseguimos gerar conhecimento".
Já agosto estava quase posto quando fomos ao encontro do Luís em plena capital, onde nasceu, cresceu e se geoformou na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, no rescaldo do incêndio da Escola Politécnica. Mau com datas, mas bom com outros números, foi passando por todas as entidades da linha da frente da exploração de recursos minerais. O Luís esteve lá no lítio, nas terras raras, no ouro, e hoje luta na frente do Cluster dos Recursos Minerais para que Portugal esteja lá também! Isto, nas horas vagas, porque nas outras gere, aconselha e decide sobre projetos mineiros e sobre o novo paradigma da exploração sustentável cá dentro e lá fora. Certo de que a base da nossa profissão é o trabalho de campo e que é ele o principal gerador de conhecimento, critica abertamente a amputação que lhe tem sido feita, transversalmente, nas instituições públicas. Venham conhecer o homem dos metálicos que, felizmente, foi tendo mais sucesso na sua carreira de geólogo do que na angariação de fundos nas festas da faculdade e que está em posição de chegar ao match point para a mudança que precisamos.
Entrevista
São Domingos de Benfica, agosto de 2023
1. Nome, local e data de nascimento.
O meu nome é Luís Manuel Plácido Martins, nasci a 24 de julho de 1959, em Lisboa.
2. Conte-nos, como se fosse para leigos, o que faz profissionalmente.
Neste momento não é fácil descrever. Sou presidente e CEO de uma pequena empresa canadiana que se chama Fairchild Gold Corp, e tento geri-la da melhor maneira possível do ponto de vista técnico. Faço a gestão dos projetos que temos, ou daqueles em que temos interesse, e dou o meu parecer sobre esses projetos, que são sempre relacionados com recursos minerais, e neste caso, com minérios metálicos. Essa é a minha atividade principal em termos "materiais". Não menos importante do que isso, sou presidente não executivo do Cluster dos Recursos Minerais de Portugal, que é um dos clusters de competitividade que foi reconhecido pelo governo em 2017, dentro de vinte clusters temáticos. Outros, por exemplo, são os têxteis, calçado, saúde, etc., e desde essa altura que sou presidente deste. Temos neste momento 85 associados, a maioria deles são pequenas e médias empresas. Quando surgiu, o cluster estava dedicado à pedra natural e rochas ornamentais, mas neste momento alargou a sua atividade aos minerais industriais e aos minérios metálicos, estando agora esses três subsectores associados. Também temos connosco escolas, universidades, politécnicos e algumas instituições governamentais, como por exemplo o LNEG, a EDM, a CCDR Alentejo, todos eles relacionados com os recursos minerais. Estas são as duas principais atividades que tenho neste momento. Sou também diretor de mais duas empresas canadianas e faço também outras pequenas coisas relacionadas com a Geologia, nomeadamente alguns estudos e avaliações de candidaturas, como perito convidado. Em breve começarei como perito indicado por duas regiões do país, Centro e Alentejo, para um projeto que vai ser desenvolvido pela OCDE e financiado pela Comissão Europeia, que envolve dez regiões dentro do espaço da União Europeia e tem que ver com três pilares fundamentais: 1) a contribuição dos recursos minerais para a transição energética, 2) a economia circular, também relacionada com os recursos minerais, e 3) a aceitação social dos recursos minerais e das atividades com eles relacionadas.
3. De zero a dez, como é que avalia a influência do Cluster dos Recursos Minerais desde que este foi criado?
Depende do prisma em que nós
vemos as coisas. Modéstia à parte, acho que o desempenho do cluster é 10
naquilo que nos compete fazer. Tínhamos bastante menos associados e não
tínhamos tradição de interagir com as empresas de minerais industriais e minérios metálicos, e conseguimos fazer isso. Ainda não chegámos ao ponto
que desejaríamos, mas crescemos muito nesse sentido. Ganhámos muito élan na
nossa capacidade de internacionalização – neste momento estamos envolvidos em
quatro projetos europeus de grande dimensão financiados pela Comissão Europeia
e pelos programas Horizonte2020 e agora HorizonteEuropa – e isso foi um
importante passo em frente. O lado menos positivo é o apoio que o Governo nos
retirou – a nós e a todos os clusters – porque iniciou este apoio com
cerca de 50% de financiamento aos custos da estrutura, escritório, pessoal com
vencimento alocado ao cluster e, inicialmente, até houve a expectativa
que chegasse aos 75% de apoio, e isso foi retirado há alguns anos. Portanto,
desse ponto de vista, as dificuldades são bastante grandes e temos de trabalhar
mais para ganhar a nossa autossuficiência. Não nos podemos queixar porque o
balanço tem sido positivo, em especial devido aos projetos em que temos
conseguido participar, o que nos permite ter todos os anos um pequeno superavit
– sem a parte do super, porque é pequenino – (risos) mas, realmente, é
um bocadinho frustrante quando o Governo anuncia muitas iniciativas e na hora
de se "chegar à frente", recua. Foi o que aconteceu com muitos dos clusters,
uns deles conseguiram avançar, como nós, mas outros praticamente já não têm atividade,
porque as dificuldades são óbvias.
"Parafraseando um colega e amigo, que é engenheiro de minas, na faculdade havia os da "choina" e os da "moina", ou seja, havia os que trabalhavam e aqueles que se divertiam"
4. Em que ano e onde ingressou no curso de Geologia?
Foi em 1979, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
5. Nos tempos em que foi estudante universitário, foi um aluno médio, bom ou muito bom?
Parafraseando um colega e amigo, que é engenheiro de minas, na faculdade havia os da "choina" e os da "moina", ou seja, havia os que trabalhavam e aqueles que se divertiam. Eu estava mais ou menos no meio disso. Diria que era um aluno médio, mas que se divertiu muito nos seus anos de licenciatura, porque acho que a faculdade e a universidade servem também para isso, mas sempre sem excedermos o que é racional e aceitável. Mas sim, fui um aluno médio.
6. Era daqueles alunos mais calados ou mais participativos?
Sempre fui bastante participativo. Sempre gostei de interagir e dizer aquilo que pensava, mesmo aquilo que às vezes não sabia e pensava que sabia, mas já desde os tempos de liceu que era participativo e isso continuou a acontecer nos tempos da faculdade. Sempre fui participativo, sempre fui atento, e acho que as aulas servem mesmo para muita coisa. Obviamente que isso tem de ser complementado com o trabalho em casa, mas esse facto ajudou-me bastante a concluir o curso com sucesso e rapidamente.
7. Acabou o curso no tempo previsto?
Acabei no tempo previsto, em 1983. Aliás, nessa altura havia um trabalho de fim de curso que tinha de ser feito, e comecei a trabalhar na área ainda antes de o finalizar. Estava a trabalhar em Vila Pouca de Aguiar e, à noite, escrevia o trabalho de fim de curso quando podia e quando me apetecia… e quando não havia festas. (risos)
8. Foi esse o seu primeiro trabalho remunerado? Como o conseguiu?
Sim e lembro-me muito bem. Tive esse primeiro trabalho contratado com a ajuda do professor António Serralheiro [Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, FCUL] que era muito amigo de um colega nosso que se chamava Figueiredo Nunes e tinha sido administrador da DIAMANG, a empresa que explorava diamantes na Lunda, em Angola, entretanto já extinta. Ele e mais alguns colegas estabeleceram uma pequena empresa aqui em Lisboa, que se chamava Sociedade Portuguesa de Empreendimentos [SPE]. Como o professor Serralheiro o conhecia, sugeriu-me e, pouco tempo depois, eu estava a trabalhar num projeto de prospeção de ouro que se chamava "Três Minas", perto de Vila Pouca de Aguiar, antes de ter feito o projeto de final de curso. Estive então a trabalhar com a SPE durante seis meses, mas, entretanto, aquilo não correu bem, porque descobrir ouro não era tão fácil como descobrir diamantes, e acabei por sair. Foi este o meu primeiro trabalho com contrato e remunerado.
9. Mas aproveitou esse trabalho para desenvolver o projeto para o final do curso ou não estavam em nada relacionados?
Não, não teve nada que ver. O meu trabalho de final de curso foi um trabalho sobre geoquímica, orientado pelo professor Britaldo Rodrigues [FCUL, Secretário de Estado do Ensino Superior, Reitor da Universidade Moderna, Presidente do Instituto Nacional de Investigação Científica]. Nessa altura, ele foi para Secretário de Estado e eu fiquei sozinho a fazer o trabalho, mas lá o consegui acabar.
"Estava a trabalhar em Vila Pouca de Aguiar e, à noite, escrevia o trabalho de fim de curso quando podia e quando me apetecia… e quando não havia festas. (risos)"
"Tinha lá os modelos para percebermos melhor os princípios da cristalografia – nessa altura chamávamos aos modelos de 'batatoides' – e, portanto, o professor Ricardo Quadrado era uma pessoa absolutamente fabulosa e era 'O Professor' ".
10. Envolveu-se em atividades extracurriculares?
O meu primeiro ano de curso calhou precisamente no ano em que a faculdade mudou de instalações, que eram na Rua da Escola Politécnica e, devido ao incêndio [março de 1978], passaram para a Avenida 24 de julho. Isso trouxe algumas dificuldades, mas também algumas motivações, por exemplo, um espírito estudantil bastante grande, até porque os anos do 25 de abril ainda estavam muito próximos, e esse espírito também teve repercussões a nível associativo, através da associação de estudantes. Na altura, participei bastante nas iniciativas associativas e também na organização de algumas festas que fizemos na faculdade e tiveram um sucesso absolutamente tremendo, a nível de pessoas que participaram, porque o sucesso financeiro foi nenhum. Lembro-me que nos últimos anos tentámos organizar uma coisa dessas para fazermos uma viagem de finalistas e no final o resultado foi de 20 escudos para cada um. (risos) Mas foram anos muito positivos do ponto de vista do espírito associativo e das atividades extracurriculares.
11. Recorda-se do incêndio nas instalações que existiam na Rua da Escola Politécnica?
Recordo-me vagamente das notícias. Não vi o incêndio ao vivo. Quanto à mudança de instalações, achei alguma piada porque como nasci a 24 de julho, já estava destinado que eu fosse ter aulas para a Avenida 24 de Julho. Mas sim, houve uma série de problemas relacionados com o incêndio que nós ainda sentimos, nomeadamente a nível dos laboratórios, a nível das muitas coleções de amostras que se perderam e muitas das que não se perderam ficaram numa bagunça completa. Nos primeiros anos, ainda tivemos algumas aulas nos laboratórios de química da Rua da Escola Politécnica, mas só pontualmente.
12. Porque é que ingressou no curso de Geologia?
Fui para Geologia porque sempre gostei das ciências naturais. Antes de eu ter ingressado na faculdade, foram tempos conturbados, uma vez que passou a ser exigido exame de admissão para todos, o que até então não existia. Depois, exigiram uma coisa que chamaram propedêutico, que eram aulas pela televisão, para mim uma coisa absolutamente horrorosa e, finalmente, lá se iniciou o processo de candidatura. A Geologia, na realidade, era a minha segunda opção, porque no liceu sempre tive professores que me entusiasmaram para as ciências naturais, especialmente uma professora que era absolutamente excecional – não me lembro do nome dela – e foi isso que me levou a colocar a Geologia como uma das opções prioritárias. Depois, quando soube que podia ingressar no curso, aceitei essa possibilidade.
13. Qual foi então a sua primeira opção para ingresso no ensino superior?
Medicina. Não tinha nada que ver. Ainda bem que não fui para medicina, porque ainda hoje, se vejo um amigo ou alguém de família a sofrer de alguma maleita, desmaio rapidamente.
14. Enquanto aluno de Geologia, foi colega de turma ou amigo próximo de algum outro geólogo que tenha continuado na área?
Perdi praticamente o contacto com toda a gente, mas não quer dizer que os meus colegas da altura não tenham seguido pela área da Geologia. Penso que a área dos recursos minerais nenhum seguiu, mas aquele com quem mais contacto mantive – e ainda hoje mantenho – é professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e é o António Pedro Brum da Silveira. Fomos colegas de curso e até fomos bastante amigos nessa altura, tanto para a "moina" como para a "choina". (risos) Como não éramos muitos, também havia muita interação com o ano anterior e com o ano posterior, inclusivamente houve alguns bons exemplos de companheirismo, especialmente os colegas que estavam no ano mais à frente, que nos tentaram apoiar nas dificuldades resultantes do incêndio. Do ano atrás, também muitos deles eram bons rapazes e, se calhar, até tenho mais contacto com os desse ano do que com os colegas do meu ano. Desse ano era, por exemplo, o António Mateus, que é muitíssimo meu amigo e que eu considero o mais brilhante geólogo de Portugal – mas ele zanga-se comigo quando eu digo isto – quando falamos, por exemplo, de recursos minerais.
"(...) e deu um chuto no apagador, que foi ter diretamente à cabeça de uma colega minha. (risos) Mas aquilo correu bem eu disse-lhe assim, "Oh Professor, agora até parecia o Chalana!" e ele responde-me "Pensa que isto é fácil? Então venha cá fazer!"
15. Qual a disciplina que mais gostou durante o curso e quem a lecionava?
Vou dizer uma coisa que é estranha, porque não tem nada a ver com a Geologia. A que gostei mais fora da área da Geologia foi a disciplina de probabilidades e estatística. Acho que tenho jeito e afinidade com a forma como é preciso pensar para as probabilidades e estatística. Sempre fui uma pessoa muito objetiva e muito organizada, por isso gostei muito dessa disciplina. Relacionada com a Geologia, a que gostei mais foi uma que se chamava na altura geomorfologia, dada pelo professor Galopim de Carvalho. Principalmente por isso é que gostei muito dessa cadeira, porque o professor Galopim, ainda hoje, é uma pessoa que marca muito todos os geólogos e muitas das aulas eram mais uma conversa em família do que propriamente uma aula. Embora também aprendêssemos muito no contexto geológico. Finalmente, não foi tanto o "gostar muito" da cadeira, mas sim da pessoa, e foi cristalografia, dada pelo professor Ricardo Augusto Quadrado, que era uma pessoa absolutamente brilhante, e que gostava muito de ajudar os alunos. Quando ele percebia que as aulas não eram suficientes, estava sempre disponível para irmos à Alameda – onde ele tinha o escritório – para nos dar umas aulas extra. Tinha lá os modelos para percebermos melhor os princípios da cristalografia – nessa altura chamávamos aos modelos de "batatoides" – e, portanto, o professor Ricardo Quadrado era uma pessoa absolutamente fabulosa e era "o Professor". Depois tenho outras histórias engraçadas, por exemplo, com o professor António Ribeiro, pela sua genialidade e pela não perceção de que quando estava a dar uma aula, os alunos já estarem completamente perdidos. Uma vez, numa aula, ele estava a fazer um esquema de Geologia estrutural, e, às tantas, já estava giz sobre giz e já não se percebia nada, e nós estávamos completamente perdidos. Ele lá se apercebe que aquilo, até mesmo para ele, já estava demasiado confuso no quadro. Então, começou a apagar o quadro com tanta velocidade que o apagador caiu para o chão. Ele, para não perder tempo, tentou apanhar o apagador com o pé – tipo uma bola de futebol – e deu um chuto no apagador, que foi ter diretamente à cabeça de uma colega minha. (risos) Mas aquilo correu bem eu disse-lhe assim, "Oh Professor, agora até parecia o Chalana!" e ele responde-me "Pensa que isto é fácil? Então venha cá fazer!" (risos)
16. Algum colega que seja uma referência para si?
Vou repetir. O António Mateus. Porque não é só o brilhantismo que é como geólogo, mas também a excelente pessoa que é e o excelente professor que é. Já vi o António apoiar os seus alunos ao máximo, ralhar com eles quando é preciso, ser muito exigente com os alunos que têm mais capacidade e tentar apoiá-los – também como me apoiaram a mim – na tentativa de arranjar emprego. Portanto, não é só como geólogo que o admiro, mas também como pessoa. Ele é a minha referência. Também me tem dado a possibilidade de ser coautor com ele de vários trabalhos nesta área e isso também é uma honra para mim.
17. Naquilo que é a sua vida profissional, qual é a atividade que mais prazer lhe dá?
Ainda hoje é, quando tenho de as fazer, a prospeção e pesquisa. É isso que me dá mais prazer. É uma atividade onde temos de trabalhar com uma série de técnicas e temos de saber interpretar essas técnicas com base no conhecimento geológico que temos de uma determinada área. E esse conhecimento geológico não é só sobre as formações encaixantes, mas também sobre a metalogenia e dos metalotetos de algum sítio em particular. Depois, além de sabermos aplicar essas técnicas consoante o sítio e as substâncias que estamos a prospetar, é preciso também saber interpretá-las, gerar um modelo do que pensamos ser um eventual depósito e, posteriormente, testá-lo com métodos de pesquisa, normalmente trincheiras e sondagens. Já vivi uma ou duas passagens muito agradáveis quando vemos que o nosso modelo estava correto e descobrimos alguma coisa que pode ser economicamente explorável. Portanto, hoje em dia, é a minha atividade preferida.
18. Onde foram esses dois sítios?
Um deles foi um trabalho num depósito ainda em avaliação em Lagoa Salgada, perto de Grândola. Eu era diretor de departamento do IGM [Instituto Geológico e Mineiro] quando fazia parte da equipa responsável pela descoberta do depósito. A outra ocasião, ainda eu trabalhava no Serviço de Fomento Mineiro, em Montemor-o-Novo, contribuiu para evidenciar uma mineralização de ouro bastante interessante – continuo a pensar que é a mais interessante que temos em Portugal do ponto de vista económico – mas que, infelizmente, por várias razões, ainda não foi explorada. Estes foram os dois momentos que vivi com maior entusiasmo em ver o resultado do meu trabalho.
19. E quais são as coisas que menos prazer lhe dão?
O trabalho administrativo. Embora, como disse, seja muito organizado, mas tudo o que seja finanças e trabalho administrativo, não gosto. Sempre tentei, pelo menos nos lugares onde tive maior responsabilidade, ter o apoio de pessoas que dominam melhor esse tipo de situações. Ao contrário de muitas instituições que vemos atualmente, o trabalho administrativo tem de apoiar o trabalho técnico, porque sem o trabalho técnico, o trabalho administrativo não faz sentido. Quando fui dirigente tive de desempenhar algumas funções nesse domínio, e isso é o que menos gosto. Aquilo que menos gosto de ver, mesmo, é a ingratidão das pessoas. Isso, às vezes, choca-me muito e tenho apanhado muito disso na minha vida profissional. Eu não consigo fazer isso a ninguém e custa-me muito quando me fazem a mim.
"Fomos a primeira entidade que conseguiu evidenciar a importância dos recursos de lítio em Portugal, foi a primeira entidade que conseguiu evidenciar algum potencial que temos em terras raras em Portugal, contribuímos significativamente para o conhecimento geológico e mineiro de recursos como o cobre, o ouro e o tungsténio, portanto, esses 13 anos foram extremamente gratificantes e marcantes"
20. Tem alguma publicação favorita na área das geociências?
Há um livro que se chama "101 things to do with a hole in the ground" [Georgina Pearman, 2009, Post-Mining Alliance] e que demonstra vários casos na Europa sobre explorações que, pela sua dimensão, foram absolutamente extraordinárias, mas mostra também o grande trabalho que foi feito ao nível da reabilitação dessas explorações e como é que elas foram aproveitadas e devolvidas à sociedade. Acho que isso é uma responsabilidade que têm todos os que trabalham na área dos recursos minerais e que foi negligenciada durante anos porque o paradigma era diferente. Hoje é um objetivo fundamental e que devemos ter como um dos principais em termos de responsabilidade da exploração de um recurso que não é renovável. Acho que essa publicação está muito bem ilustrada em termos de fotografias.
21. Conte-nos um evento ou um momento mais marcante na sua carreira?
Não consigo centralizar isso numa altura. Talvez não o momento, mas o período mais marcante tenha sido quando fui diretor de serviços do Instituto Geológico e Mineiro (IGM), por causa da equipa e das condições de trabalho e das motivações que tínhamos e por causa daquilo que conseguimos. Fomos a primeira entidade que conseguiu evidenciar a importância dos recursos de lítio em Portugal, foi a primeira entidade que conseguiu evidenciar algum potencial que temos em terras raras em Portugal, contribuímos significativamente para o conhecimento geológico e mineiro de recursos como o cobre, o ouro e o tungsténio, portanto, esses 13 anos foram extremamente gratificantes e marcantes. É esse período da minha carreira profissional que recordo com muita saudade. Também por causa desse período é que me custa muito ver definhar uma instituição que foi a maior instituição portuguesa dentro das ciências geológicas e que eu vejo o seu futuro de forma muito pessimista, infelizmente.
"Eu costumo dizer que o calendário de um político não se coaduna com o calendário de abertura de uma mina (...) Medidas que eles pensam que a curto prazo não vão agradar às populações, eles não as tomam, pura e simplesmente, mesmo que sejam muito importantes para o País a médio-longo prazo"
22. Em que ano saiu do Instituto Geológico e Mineiro?
Eu sou muito mau com datas. Portanto, eu fiz a travessia do INETI e saí pouco tempo depois de já ser LNEG. E saí já em discordância com a presidência do instituto ou laboratório, como lhe queiramos chamar. Saí também porque já tinha na altura uma oportunidade de ir para a Direção Nacional de Energia e Geologia (DGEG), também como diretor de serviços, e não me arrependi nada, antes pelo contrário. Também foi um trabalho muito gratificante durante os quatro anos que lá estive. Não tinha nada que ver com o trabalho que fazia no LNEG, menos técnico, mais administrativo, mas era outro tipo de trabalho administrativo que também foi muito gratificante para mim. Depois saí da administração pública, porque me cansei de ver as condições de trabalho a piorarem cada vez mais, não só a nível de salários, mas também ao nível das viaturas para ir para o campo, ajudas de custo que permitissem, pelo menos, que as pessoas fossem para o campo sem perder dinheiro. Penso que as pessoas ou não sabem, ou não querem saber que o trabalho base da nossa profissão é o trabalho de campo e sem ele não conseguimos gerar conhecimento. O tratamento dos dados é extremamente importante, as técnicas de análise que se usam hoje em dia também, mas não tenhamos dúvidas que temos de manter a atividade básica da nossa profissão, porque sem isso, acaba-se tudo. É só uma questão de tempo. Portanto, eu ao ver piorar essas situações, surgiu a oportunidade de ir para uma empresa privada e não hesitei.
23. Tinha outro tipo de condições? Regalias? Foi muito significativa a diferença entre o sistema público e o privado, no seu caso?
Não mudei pelas regalias. Devo
dizer que o que vi nas empresas privadas por onde passei normalmente foi sempre
pior do que o que havia na administração pública ao nível do profissionalismo
das pessoas. Hoje provavelmente já não será assim, mas dantes era. A
administração pública era uma escola de virtudes e de bom profissionalismo e eu
tive a oportunidade de ter essa escola. Não era pior do que as empresas onde
estive. Obviamente que as exigências são maiores nas empresas e os prazos para
apresentação de resultados são mais curtos, mas não se trabalhava melhor no setor
privado do que no setor público. Agora, infelizmente, isso já não é assim.
24. Qual foi o seu momento profissional mais embaraçoso, ou complicado?
Quando saí da administração pública, fui para uma empresa canadiana que estava aqui em Portugal, que se chamava Colt Resources. Esta foi a empresa que mais investiu em prospeção em Portugal – seja do universo das empresas nacionais ou estrangeiras, e digo isto com conhecimento de causa – fundamentalmente em dois projetos: no ouro de Montemor e no tungsténio de Tabuaço. Em cerca de sete ou oito anos investiu cerca de cinquenta milhões de euros e foi muito frustrante e embaraçoso ver todo esse investimento ir por água abaixo por causa de um movimento que não tinha razão de ser – e que ainda hoje acontece – e que aconteceu no Alentejo contra a mina da Boa Fé [Évora], que era um dos pilares do financiamento da Colt, por razões que não tinham nada que ver com a realidade. Sendo eu corresponsável pela equipa dos trabalhos, ver todo o investimento ir por água abaixo marcou-me muito e por isso considero este o momento mais negativo e embaraçoso ao longo da minha carreira.
25. Sentiu que também não podia fazer nada para alterar o rumo dos acontecimentos…
Exatamente. E eu estive do outro lado da mesa, digamos assim, do lado da administração pública, e, portanto, sentia-me mais habilitado que os meus colegas a tentar fazer alguma coisa nesse sentido. Daí o maior embaraço da minha parte. Mas não consegui porque nessa altura a administração pública começou a ser muito marcada por decisões políticas, que não tinham que ver propriamente com a importância estratégica dos projetos, mas com o "agradar às pessoas". Eu costumo dizer que o calendário de um político não se coaduna com o calendário de abertura de uma mina – uma mina normalmente demora 10 anos a abrir, e uma legislatura demora quatro anos – e as pessoas só pensam no que vão fazer depois dos quatro anos, nomeadamente, se vão ser reeleitas. Medidas que eles pensam que a curto prazo não vão agradar às populações, eles não as tomam, pura e simplesmente, mesmo que sejam muito importantes para o País a médio-longo prazo. Nós temos o melhor exemplo disso atualmente, que é o exemplo do lítio. Andamos aqui há não sei quantos anos, com várias promessas de abertura do concurso internacional para concessão de áreas para prospeção e pesquisa, e nada acontece. Isso também me criou esse embaraço, porque eu pensava na altura que ainda conseguia fazer alguma coisa junto dos meus ex-colegas da administração pública e não consegui. Portanto, foi uma pena ver-se todo esse investimento e conhecimento ir por água abaixo.
26. Considera o potencial para ouro de Montemor mais interessante que Jales-Gralheira?
É discutível. São jazidas diferentes. Com os recursos e reservas que hoje estão identificados em Jales-Gralheira, eu diria que este é mais interessante do ponto de vista económico. Com os recursos que estão identificados em Montemor e com o potencial que Montemor terá, eu penso que tenha todas as condições para ser mais interessante do ponto de vista económico do que Jales-Gralheira.
27. Tem algum hobby, talento, ou atividade "extracurricular"?
Talento, talento, não tenho, mas gosto de jogar ténis. Não sou dos piores a jogar ténis, mas o meu hobby principal chama-se Sport Lisboa e Benfica, por isso é que eu moro aqui [perto do Estádio da Luz]. Gosto de ver desporto, de várias modalidades, e desde muito pequenino que sou adepto e sócio do Benfica. Uma coisa que não é um hobby, mas que também é uma felicidade muito grande, é a minha neta, que vai fazer três anos em setembro [2023] e é também absolutamente fantástica. Por acaso, desde novo, sempre pensei que ser avô era uma coisa muito boa e, realmente, é muito melhor do que aquilo que eu pensava. Nós quando somos pais, naqueles períodos piores, não podemos despachar os nossos filhos, mas quando somos avós, telefona-se aos pais e eles que venham assumir essa responsabilidade. (risos)
28. Ainda sobre o Benfica, vai ver os jogos ou vê pela janela? (risos)
Já houve uma altura em que ia ver os jogos. Ver pela janela não dá, mas agora prefiro ver pela televisão. Em muitos aspetos, vê-se melhor pela televisão e a tranquilidade é outra.
Intraclasto
A volframite da Panasqueira
Como intraclasto, o Luís trouxe-nos uma amostra de volframite da Panasqueira, que se vem juntar ao cortejo do intraclasto da colega Ana Antão. Coincidência? Não! Assim são os minerais da Panasqueira.
"Foi-me oferecido numa das muitas visitas que fiz à Panasqueira. Provavelmente ainda terá sido o António Corrêa de Sá, mas na primeira vez que lá esteve, anterior à Sojitz.. Tenho mais, mas esta é a mais espetacular e aquela que eu gosto mais. A volframite é um mineral muito bonito, também têm apatites espetaculares... tenho uma amostra, mas eu vi apatites na Panasqueira como deve de ser. (risos)"
Geomanias
Rocha preferida? Basalto
Mineral preferido? Volframite
Fóssil preferido? Amonites
Unidade litostratigráfica preferida? A Série Negra do topo do pré-Câmbrico. Serve-nos de guia para procurar outras formações que estão abaixo dessa.
Recursos minerais metálicos ou não metálicos? Metálicos
Era, Período, Época ou Idade preferido? Jurássico. Eu sou
um homem dos recursos minerais metálicos, mas também gosto muito de rochas
ornamentais. As paisagens que temos na Serra de
Aire e Candeeiros são absolutamente fabulosas e também a nossa principal fonte
de rochas ornamentais. Por isso a escolha do Jurássico.
Trabalho de campo ou de gabinete? Campo
Martelo ou microscópio? Martelo, sem dúvida
Pedra mole ou pedra dura? Pedra dura, sem dúvida
Ortóclase ou Ortoclase? Ortoclase