Maria Manuela Marques

Abril 2022




RECURSOS ENERGÉTICOS

SÓCIA APG Nº O82

Nasceu em Lisboa por acaso, mas casa é Chaves. A sua vida profissional oscilou entre carvões e o ensino universitário na FCUP. Seguiu para Geologia, apesar de a família achar que não era um curso para mulheres... 

Logo a seguir fui inscrever-me em Geologia. Depois telefonei para casa a dizer "Olhe, eu inscrevi-me em Geologia". A resposta foi "Isso não é curso para mulheres!", ao que respondi ''A ver vamos!''

Cómica, despachada e bem resolvida. Maria Manuela Marques, mais uma das "vítimas" do vulcanismo e do entusiasmo e competência dos professores do Ensino Básico e Secundário, fintou as aspirações que a família tinha para si e foi geóloga no tempo em que Geologia não era "curso para mulheres". Foi entre colegas da sua "casa" que, apressadas pela chuva iminente, ouvimos as histórias de quem sempre preferiu sair da estrada e ir espreitar os atalhos. Interventiva na vida académica, deu aulas de (quase) tudo e só vai de férias de martelo e carta geológica na mala. Venham conhecer esta "energética" geóloga flaviense, que quis meter estrutural nos carvões e que nunca deixou de ser aluna, mesmo quando era já professora.


Entrevista

Praia de Lavadores/Miradouro do Estuário do Douro, Vila Nova de Gaia, julho de 2021


1. Nome, idade e local de nascimento?

Maria Manuela Coelho Marques, nome de guerra Manuela Marques. 74 anos. Nasci em Lisboa por acaso, porque os meus avós viviam em Lisboa e os meus pais são vareiros. O meu pai era de Aveiro e a minha mãe era de Espinho, mas tiveram um bocado de receio e foram-me ter a Lisboa, porque sou a filha mais velha. Depois fui para Coimbra - o meu pai era veterinário, portanto estávamos sempre a saltar - depois para Leiria e, finalmente, o meu pai foi a Chaves, adorou e nunca mais de lá saí. Fiz todo o meu percurso escolar em Chaves. Mas o Porto é a minha casa desde 1964, quando vim para a Universidade, cidade que adoro.

2. Se tivesse de resumir numa única frase o que fez profissionalmente, para leigos, o que diria?

Transmiti conhecimentos que foram sendo adquiridos permanentemente ao longo de toda a carreira.

3. Qual era a sua área de trabalho, ou as suas áreas?

A minha área de doutoramento são os carvões. Recursos energéticos, mais concretamente carvão. Aquilo a que eu me dediquei, toda a minha vida, foi a dar aulas de tudo: desde Geologia Geral, a Cartografia, Geomorfologia, que nunca tive sequer uma disciplina de Geomorfologia no curso, portanto tive que estudar imenso para dar essa cadeira. Também Cristalografia, Petrologia, para os cursos de Geologia e de Biologia, e os recursos energéticos. Depois tive a ideia de propor uma disciplina de Geologia Planetária, que na altura não foi muito bem aceite pelo conselho [do curso]. Mas fartei-me de estudar e fui responsável pela disciplina até me vir embora. Foi uma disciplina que me deu um prazer enorme: era uma disciplina de opção da licenciatura, que tinha alunos de Geologia, mas era também uma disciplina de opção de um mestrado de Astronomia para o ensino, pelo que tive alunos engenheiros, arquitetos, biólogos, químicos, até tive um aluno de letras que desistiu porque eles não tinham base nenhuma da Geologia. O que dava eu em Geologia Planetária? Para além de Geologia, em termos gerais, era tudo o que aprendi e estudei sobre planetas. E, claro, também dava aulas de carvões e geoquímica orgânica.

Ela começou-me a falar em vulcões e eu fiquei maluca! Comecei a olhar para o interior da Terra.

4. Em que ano ingressou no curso de Geologia?

No ano de 1964/1965, no Porto.

5. O que a levou a seguir Geologia?

Bem, eu tive uma Professora - não me lembro o nome dela - no secundário, o antigo sétimo ano, hoje talvez o décimo primeiro. Ela começou-me a falar em vulcões e eu fiquei maluca! Comecei a olhar para o interior da Terra. Ela era uma entusiasta, era bióloga, por acaso. Bem, na altura não havia propriamente biólogos, eram cientistas naturais. Lembro-me que foi aí que ganhei o gosto pela Geologia. Primeiro foram os cristais, que eu comecei a gostar bastante, e os ''batatoides'' [modelos cristalográficos de madeira usados antigamente], que era uma coisa de que ninguém gostava, mas eu achava piada àquilo. E depois os vulcões, perceber a dinâmica interna...

6. Qual foi o seu primeiro contacto com a Geologia?

Foi esse. Foram aquelas aulas. Nessa altura não havia aulas de campo, nem nada disso. Ela era uma professora extraordinária de ciências naturais e quando comecei a ouvir falar em vulcões... ainda hoje sou uma apaixonada por vulcanismo.

7. Percebeu logo aí que queria ser Geóloga, ou ainda andava indecisa?

Não, não. Eu disse logo ''É Geologia que eu quero!''. O meu pai, que era veterinário, queria que eu fosse para farmácia e eu pensei logo ''Não vou! É sítio para onde não vou'', mas também não lhe disse que ia para Geologia. Depois tive um professor de geometria descritiva - era a melhor aluna do liceu nessa disciplina - que me deu muito jeito em Geologia, foi fundamental, e até escrevi uns apontamentos de geometria descritiva que depois andaram por aí por cópias, etc., mas nunca publiquei. Quando cheguei ao Porto, fui fazer exame de aptidão a farmácia, que era mais fácil, praticamente não havia Geologia no exame, era só biologia e química orgânica. E logo a seguir fui-me inscrever em Geologia. Depois telefonei para casa a dizer ''Olhe, eu inscrevi-me em Geologia''. A resposta foi ''Isso não é curso para mulheres!'', ao que respondi ''A ver vamos!''. E foi assim.

8. E na sua família, há mais alguém em Geologia?

Não houve, nem há. Tenho dois filhos, a minha filha é vereadora na Câmara de Lisboa, e o meu filho é designer. A minha mãe também era das artes.

9. Nos seus tempos de estudante, era boa aluna, média?

Média. Média para fraca. Eu só estudava o que gostava e quando fui para Geologia, nós éramos talvez dez [alunos], o primeiro ano do curso era comum com a biologia, portanto eu não tinha sequer uma cadeira de Geologia no primeiro ano - comecei logo bem, a ter notas baixinhas. No segundo ano tinha cristalografia, e só no terceiro é que tínhamos Geologia. Fui chumbando, ao mesmo tempo que andei em medicina, fui assistindo a aulas de anatomia. Depois andei em arquitetura e fui fazer um levantamento do Nasoni com colegas de arquitetura aqui no Porto - estes anos eram para chumbar, por isso é que me atrasei. Eu entrei [na faculdade] com o Fernando Noronha, fomos colegas, e ele depois foi meu professor.

"(...) vou destacar um indivíduo que não é conhecido, já morreu, foi o meu diretor de tese e chamava-se Robert Wagner"

10. Era muito calada, ou participativa?

Dependia das disciplinas. A partir do terceiro ano havia interesse em participar, fazer perguntas... éramos muito poucos, eu cheguei a ter, por exemplo, com o professor Montenegro, a petrologia, éramos duas alunas.

11. Do terceiro ano em diante, houve algum professor que a marcou?

Ávila Martins. Foi a minha referência, sempre. Mais tarde, Frederico [Sodré Borges], que foi meu professor de estrutural. Foi aí que eu comecei a gostar muito de estrutural, embora nunca tivesse trabalhado na estrutural. Era um ótimo professor. Depois os professores da Geologia aplicada, que me marcaram de alguma forma. Eu tenho muitas referências na Geologia portuguesa: Fernando Noronha, que apesar de colega, aprendi muito com ele; António Ribeiro, Tomás de Oliveira, Portugal Ferreira. Mas vou destacar um indivíduo que não é conhecido, já morreu, foi o meu diretor de tese e chamava-se Robert Wagner. Era estratígrafo, paleontólogo, diretor da mina da Peñarroya e foi com ele que trabalhei quando fiz a minha tese. Era também diretor do Jardim Botânico de Córdoba e era um tipo incrível que falava onze línguas, trabalhou desde a Rússia até ao Médio Oriente, passando pela Arábia e Europa, tendo ido parar a Sheffield como professor, vindo depois para Espanha ser diretor da mina. E foi a partir daí que eu comecei a trabalhar com ele. Robert Wagner foi o meu companheiro, digamos assim. Já cá não está.

12. Em termos de publicações nas Geociências, há algum livro, carta, de que goste mais?

Há um livro que que me ajudou imenso quando tinha que dar aulas de petrologia metamórfica, que foi o livro ''Rochas Metamórficas'' de Portugal Ferreira. Deu-me um gozo enorme em ler aquele livro. Está lá em minha casa ainda. Foi dos poucos que trouxe da faculdade.

"estava a fazer a tese, meia perdida, completamente perdida, sem saber o que havia de fazer, porque eu queria meter estrutural nos carvões"

13. Naquilo que foi a sua vida profissional, qual a atividade de que mais gostou?

Ser professora, dar aulas.

14. Em termos da família, dos amigos, alguma vez fez férias e quis ir ver uns geossítios?

Não ia de propósito, mas para onde ia levava o martelo e as cartas geológicas da zona. Ultimamente, fazemos férias na Costa Vicentina, portanto eu ando sempre a olhar para as dobras.

15. Qual foi a resposta mais caricata que recebeu da família ou de amigos, quando à pergunta ''O que fazes da vida?'' respondeu: ''Sou Geóloga!''

Nada de especial. Às vezes diziam-me ''andas aos calhaus'', mas nada de especial.

16. Um momento marcante na sua vida profissional?

Uma altura em que eu estava a fazer a tese, meia perdida, completamente perdida, sem saber o que havia de fazer, porque eu queria meter estrutural nos carvões e o doutor Wagner dizia que não era possível. E o António Ribeiro foi comigo - eu pedi-lhe ajuda e ele disse ''vou contigo onde tu quiseres'' e foi comigo a Peñarroya, perto de Córdoba, ver o terreno e discutimos com o Wagner. [O António Ribeiro] foi sempre uma referência, é também uma das grandes referências da minha vida.

Geomanias

Rocha preferida? Xisto

Mineral preferido? Granada

Fóssil preferido? Nenhum. Não gosto muito de paleontologia. Acho que foi a única cadeira que não dei. Mas vá, apesar de tudo, uma trilobitezita

Unidade litostratigráfica? Quartzitos armoricanos

Era, Período, Época ou Idade preferida? Paleozoico

Trabalho de campo, ou de gabinete? Gosto mais de trabalho de campo, mas tive de fazer de gabinete

Martelo ou microscópio? Microscópio. Porque o martelo cada vez se deve usar menos, para não destruir os afloramentos

Amostra de mão, ou lâmina? Superfície polida

Qual a sua carta Geológica preferida? 1:500.000 [LNEG, Carta Geológica de Portugal, na escala de]

Pedra mole, ou pedra dura? Gosto mais da dura...o carvão também é duro, algum. Eu estudei antracites e carvões betuminosos.

Recursos minerais metálicos, ou não metálicos? Energéticos [risos].

Crosta ou Crusta? Digo Crusta, mas acho que se devia dizer Crosta. 


Teaser da Entrevista