Nuno Durães

Julho 2025







GEOQUÍMICA AMBIENTAL

SÓCIO APG Nº O1111

Natural de Paranhos, no Porto, encontrou na Geologia o que mais gostava: Ciências Naturais e História. Hoje é e adora ser professor na Universidade de Aveiro e dedica-se à geoquímica ambiental, estudando o comportamento e mobilidade de metais, metaloides e elementos das terras raras em águas, solos e plantas em áreas mineiras. Há que remediar!

"E vejo que há pessoas que são realmente professores, mas há aqueles para quem a docência é uma coisa completamente secundária, 'Isto é dar umas aulas à la minute'. Isso vai ter repercussões. Eu costumo dizer que há quatro categorias de professores: aqueles que não são nem bons professores nem bons investigadores, não fazem nada, há aqueles que são excelentes investigadores e péssimos professores, há aqueles excelentes professores e péssimos investigadores, e há aqueles casos, mais raros, que são excelentes professores e excelentes investigadores."

Foi já no arranque do ano letivo, que brindaria o nosso convidado com a atividade que mais prazer lhe dá, que conhecemos o Nuno Durães. Natural de Paranhos – ou melhor, do Hospital de São João, onde se fabricavam portuenses em série –, Nuno sobreviveu ao bug do milénio: o mundo não acabou em 2000, mas ele entrou em Geologia. Hoje é professor na Universidade de Aveiro, depois de uma emocionante viagem pelos meandros da geoquímica (calma, não fujam já!), mas não se iludam: o homem já andou por solos, águas, plantas, minas e até terras raras, essas que agora fazem os nossos smartphones funcionar e o planeta chorar. Entre aulas, investigações e umas quantas toneladas de papéis para preparar cadeiras, Nuno ainda arranja tempo para filosofar sobre a triste sina da ciência feita para "encher chouriços bibliométricos". É fã da docência e acredita que dar aulas não é só "despejar PowerPoints". Venham conhecer este ativista geológico desde o berço universitário, inimigo do "publica ou morre", que entre publicar artigos e lutar contra a ditadura do fator de impacto, mantém-se ético, mesmo que isso signifique dormir menos e trabalhar mais.


Entrevista 

Porto, setembro de 2024


1. Nome, data e local de nascimento.

Nuno Durães, nasci a 29 de julho de 81. Nasci no Porto. Antigamente toda a gente aqui no Porto que nascia no Hospital de São João era naturalizado de Paranhos. Naquela altura Paranhos devia ter um boom de nascimentos enorme, porque era onde se localizava o Hospital de São João. A minha naturalidade acaba por ser Paranhos por isso.

2. Conte-nos, de forma simples, para leigos, o que é que faz e fez profissionalmente?

Neste momento sou professor auxiliar na Universidade de Aveiro, no Departamento de Geociências, leciono e faço investigação. A minha área de investigação é, essencialmente, a geoquímica ambiental. Aquilo em que mais tenho trabalhado é em minas abandonadas, designadamente no que diz respeito a metais. Agora não é um termo que se use muito, mas para as pessoas entenderem, são os chamados metais pesados ou elementos potencialmente tóxicos - agora têm um nome mais pomposo. O meu trabalho é perceber um bocadinho esta dinâmica, estes ambientes de contaminação, perceber os processos de contaminação para depois termos boas soluções de remediação. Porque, muitas vezes, nós partimos para a remediação sem conhecermos propriamente os problemas que estão por trás, o que significa que, frequentemente, as soluções são fracas e, por conseguinte, envolvem imensos gastos de dinheiro - de muitos milhões. Associado a isto, tenho também desenvolvido trabalho relacionado com metais em solos, águas, plantas, e mesmo noutros contextos, como em solos agrícolas. Mais recentemente, tenho-me também focado, até porque foi um dos temas do meu pós-doc, nos elementos do grupo das terras raras, mas não tanto na mesma perspetiva ambiental. Estes elementos das terras raras estão muito associados, por exemplo, a fosfatos, que são utilizados como fertilizantes. Na verdade, agora com a alta tecnologia, há um grande input destes elementos no ambiente, cuja dinâmica ainda não conhecemos muito bem, nem quais as consequências que advirão. E é preciso perceber como é que os podemos recuperar, porque eles são cada vez mais precisos.

3. Onde e quando ingressou no curso de Geologia?

Entrei no curso de Geologia no ano 2000, o ano em que era para acabar o mundo. (risos) E entrei aqui, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.

Cortejo Académico 2004 – Finalistas do curso de Geologia (Universidade do Porto). Nuno Durães na fila de cima, quarto a contar da esquerda.

"O meu trabalho é (...) perceber os processos de contaminação para depois termos boas soluções de remediação. Porque, muitas vezes, nós partimos para a remediação sem conhecermos propriamente os problemas que estão por trás, o que significa que, frequentemente, as soluções são fracas"

4. O que o levou a seguir Geologia?

Nunca tive muitas dúvidas que a minha área ia ser a das ciências naturais, desde muito novo. Houve uma altura que tive dúvidas se seguiria História, porque também gostava muito, ou se seguiria a parte das ciências naturais. Mas para ir para História, tinha de ir para Humanidades, as línguas, o que achava uma seca. Portanto, rapidamente isso foi excluído. Depois segui ciências e, dentro das ciências, as ciências naturais, sem dúvida, eram as que gostava mais. E gostei sempre da Geologia. Não que eu tenha dificuldade em memorizar coisas, mas decorar coisas só por decorar, não, gosto de perceber, e acho que a Geologia tem muito isso, é muito de perceber, de entender os grandes processos. Ao mesmo tempo, acaba por ser uma ciência histórica, portanto, acabei por matar dois coelhos com uma cajadada. (risos) A Geologia é uma ciência de história, no fundo. Uma história um 'bocadinho' mais longa do que a da Humanidade, mas é uma ciência de história.  Também apanhei bons professores, no ensino secundário, na área das ciências – o CTV [Ciências da Terra e da Vida] como se chamava na altura. Apanhei bons professores e, inclusive, tive Geologia no 12º ano, com uma professora que era bióloga! Mas era uma pessoa que se interessava por aprender e gostei de ter aulas com ela. E esforçava-se para dar a Geologia, de uma forma, podemos dizer, bastante razoável. Depois concorri para a universidade aqui [Porto], mas vou fazer uma confidência: a minha primeira opção até nem foi Geologia, foi 'Biologia e Geologia', porque eu gostava das duas disciplinas. Na altura, a média de 'Biologia e Geologia' estava bastante alta e eu não entrei por algumas décimas, ficando na segunda opção que era Geologia. Mas ao fim do primeiro semestre não mudava, não mudava de curso, jamais.

Nas aulas de Cartografia Geológica (2002); Crista Quartzítica (Quartzito Armoricano) – Serra de Valongo.

5. Nos tempos em que foi estudante universitário, foi um aluno médio, bom ou muito bom?

Brilhante! Não, estou a brincar. (risos) Não, considero-me um aluno médio a bom. Esforçava-me, era participativo, sempre falei muito. (risos) Não estava sempre a pôr a mão no ar, mas era participativo, quando tinha de participar, não era daqueles alunos que são calados, que não abrem a boca, não, sempre falei muito. Uma das grandes vantagens do curso de Geologia, pelo menos do que vejo no Porto e em Aveiro – que são as realidades que eu mais conheço – é o facto de serem menos alunos, de termos muitas saídas de campo, etc, então cria-se uma proximidade e um à-vontade com os docentes que não há noutros cursos. E isso deixa, desde logo, os alunos muito mais confiantes para participarem, para interrogarem. Não era cromo, não estava sempre a meter o dedo no ar, mas quando havia perguntas, quando havia participação, quando era chamado, sim, participava, não me escondia.

6. E envolvia-se em atividades extracurriculares, fora ou dentro da universidade?

Sempre. Estive sempre muito, muito envolvido, desde o início, em atividades várias ligadas à Geologia. Desde o primeiro ano que fui guia do Museu de Mineralogia do Museu de História Natural da Faculdade de Ciências do Porto, participei em exposições organizadas quer pela Faculdade, quer pelo departamento, e participava também em atividades de divulgação. Na altura havia falta de alunos e íamos às escolas, sempre docentes e alunos. Também participei na organização de coleções de minerais para oferecer a escolas. Hoje vejo que os alunos são muito menos interessados e não se envolvem tanto nessas coisas. Mas, por exemplo, ser guia de museu ajudou-me muito. Há coisas às quais nós até não damos assim grande relevância, mas ajudam-nos muito. Se calhar o à-vontade que hoje tenho para dar aulas e comunicar com as pessoas foi uma capacidade que desenvolvi muito com este tipo de interação com pessoas, com alunos. O facto de até, por exemplo, nos aparecerem públicos muito diferentes, desde um grupo, sei lá, que percebe zero de Geologia, ou um grupo de crianças pequenas – uma vez até tive de pegar nelas para conseguirem ver a vitrine, porque eram do infantário –, até estudantes das escolas, ensino básico, secundário, etc. Isso obriga-nos a adaptar o discurso e acho que foi algo muito, muito útil. A maioria desses trabalhos não era pago, mas houve umas exposições de uns dinossauros nas quais participámos e onde éramos pagos à hora. E como guias do museu também recebíamos, dois euros e tal à hora, um valor irrisório que se guiava pela tabela das funcionárias de limpeza. Mas não era por isso que eu fazia aquilo! Houve até uma altura, já mais tarde, deixaram de me pagar e não foi por isso que eu deixei de fazer as visitas. Não, porque não só era uma coisa de que eu gostava, como também aprendi muito sobre minerais e a reconhecê-los. Ainda hoje, acho que consigo identificar bem minerais por causa disso, foi uma mais-valia, não me arrependo. Não foi pelos dois euros e tal, que ainda assim davam para a cantina. (risos)

"Geologia é uma ciência de história, no fundo. Uma história um 'bocadinho' mais longa do que a da Humanidade, mas é uma ciência de história"

7. E como foi o seu percurso pós-licenciatura?

Eu acabei a licenciatura, que era de quatro anos mais um, que correspondia ao estágio profissionalizante, em 2005. Na altura, fui desafiado a fazer doutoramento e a concorrer a uma bolsa e concorri. Claro que não sabia se ia ganhar ou não e, entretanto, inscrevi-me num mestrado em prospeção e avaliação de recursos geológicos, que existia aqui no Porto. Iniciei o mestrado, mas, entretanto, ganhei a bolsa. Já estava no mestrado, completei o ano curricular e depois não fiz a tese, segui logo para doutoramento. Claro que sabendo o que sei hoje acho que era bom, se calhar, fazer primeiro uma dissertação de mestrado e depois ir para doutoramento. Ter a experiência. Acabar a licenciatura, recém-licenciado, vamos para doutoramento, foi um bocado a cru. E foi, às vezes, pisar chão que não se conhecia. Acho que se tivesse tido essa experiência de já ter feito uma dissertação, poderia ter ajudado. Foi um bocadinho mais difícil a adaptação. No doutoramento, tive um orientador aqui no Porto, que era o Iuliu Bobos, e tinha um coorientador em Aveiro, o professor Eduardo Ferreira da Silva, e agora até pertenço ao mesmo grupo e foi com ele que iniciei o pós-doc em 2011. Na Universidade de Aveiro há bons laboratórios, esse foi também um dos motivos que me fez ir para lá, porque era um departamento que na área da geoquímica tinha algum investimento. Também achei que era importante mudar, não é que eu tenha algo contra, dou-me super bem com as pessoas e continuo a ter relações aqui no Porto, mas também acho que faz bem mudar um bocadinho de ares. (risos) É bom conhecer novas realidades, conhecer novas pessoas, conhecer coisas, se calhar, às vezes melhores e outras piores.

8. Qual foi o seu primeiro trabalho a sério?

Pois, infelizmente em Portugal, os bolseiros não são considerados trabalhadores. Portanto, eu de pós-doc transitei para investigador e foi então que passei a ser trabalhador. Continuei a fazer exatamente a mesma coisa, mas, pronto, investigador já trabalha. (risos) No fundo, a minha primeira profissão, por assim dizer, é investigador.

9. Qual foi a cadeira que mais gostou durante o curso e quem é que a lecionava?

Houve várias cadeiras de que gostei. É-me difícil dizer assim, "Ai, realmente aquela é que foi extraordinária", porque houve várias. Por exemplo, gostei bastante de Mineralogia. Houve uma outra cadeira da qual me lembro particularmente bem e que foi importante. Não foi por gostar mais, nem segui essa área nem nada assim, mas foi porque, na altura que a tive, serviu para que muitas coisas que eu tinha aprendido noutras cadeiras se ligassem um bocadinho ali, comecei a perceber melhor as interligações, os processos. A Geologia é uma ciência de processos. E foi a Geologia Estrutural, dada pelo professor Frederico Sodré Borges. Tive duas estruturais, mas principalmente a primeira, acho que foi aquela disciplina que, "Epá, isto agora faz sentido". Todas aquelas petrologias que acabam, às vezes e ali nos primeiros anos, por ser um bocadinho isoladas, começaram a fazer sentido. Mas houve muitas outras, como a Petrologia Metamórfica, uma das que mais gostei, dada pela Maria dos Anjos. Também era uma excelente professora e a matéria idem, gostei sempre mais dessa petrologia.

"(...) a vaga abriu porque nós sabíamos que a Maria do Rosário [Cuca] ia reformar-se. E eu achei que era importante haver, efetivamente, uma transição. Fui até assistir a algumas aulas dela, e ela era excelente. Como professora era top! Os alunos adoravam-na, a sério."

10. Naquilo que são as suas funções, qual é a coisa que mais gosta de fazer?

Eu gosto muito de ensinar. Eu estava na carreira de investigador e, na verdade, temos todos de começar por aí. Gosto de fazer investigação, gosto imenso de ir para o campo, gosto de estar no laboratório, etc, e faço-o, acabo por continuar a fazer isso, mas sempre me vi muito mais numa carreira de docente – que envolvia as duas coisas – do que numa carreira só de investigação. Gosto de ensinar, gosto que as pessoas entendam alguma coisa daquilo que estou a dizer e gosto da interação com pessoas. Normalmente consigo estabelecer boas relações com os alunos e gosto dessa interação. Às vezes, a vida de investigador acaba por ser mais isolada, e a parte de docente acaba por ter mais interação humana. (risos) Também conheço pessoas que estão a concorrer a lugares de docente, porque efetivamente chegaram a um ponto da vida – e eu compreendo isso –, em que querem ter finalmente alguma estabilidade, mas não queriam ser professores. E vejo que há pessoas que são realmente professores, mas há aqueles para quem a docência é uma coisa completamente secundária, "Isto é dar umas aulas à la minute". Isso vai ter repercussões. Eu costumo dizer que há quatro categorias de professores: aqueles que não são nem bons professores nem bons investigadores, não fazem nada, há aqueles que são excelentes investigadores e péssimos professores, há aqueles excelentes professores e péssimos investigadores, e há aqueles casos, mais raros, que são excelentes professores e excelentes investigadores. Com a docência, acumula-se muito trabalho, principalmente agora no início de carreira docente, em que há toda uma quantidade de aulas para preparar. Muitas vezes, estás a dar unidades curriculares que não são a tua zona de maior conforto e, portanto, exigem um pouco mais de dedicação, e há coisas na investigação que vão ficando assim um bocadinho para trás. Quando inicie a minha atividade como docente na Universidade de Aveiro, em 2022, comecei com um determinado conjunto de aulas, mas depois houve uma mudança de direção no departamento, o que me obrigou a dar um novo módulo de cadeiras. Eu até já dava aulas, como investigador, mas era mais aulas práticas, e caíram-me logo, naquele semestre, duas cadeiras teóricas, e isso consumiu-me muito mais tempo. Estou a dar Geoquímica, dou Fundamentos de Geologia, aquelas cadeiras gerais, e depois dou também uns módulos numas cadeiras de mestrado, no Mestrado de Ambiente e Saúde, que é de outro departamento. E dou também uma cadeira que me fez suar muito, e ainda faz, que é Geologia de Portugal. (risos) Mas também tive a sorte, na Geoquímica, porque a professora Maria do Rosário partilhou todos os seus materiais e isso ajudou muito. No fundo, a vaga abriu porque nós sabíamos que a Maria do Rosário ia reformar-se. E eu achei que era importante haver, efetivamente, uma transição. Fui até assistir a algumas aulas dela e ela era excelente. Os alunos adoravam-na, a sério. E ela era espetacular, como docente, ela sim, tinha um fio condutor e muito didática, uma pessoa excelente. Mas ser docente obriga sempre a muito trabalho. Vamos adaptando-nos a tudo. Primeiro estranha-se, depois entranha-se. Mas confesso que, nestes primeiros anos, não tive fins-de-semana. Agora já tenho fins-de-semana, já tenho um bocadinho. (risos)

Imposição de insígnias (pelo professor Fernando Noronha) em 2004.

"Na altura, a média de 'Biologia e Geologia' estava bastante alta e eu não entrei por algumas décimas, ficando na segunda opção que era Geologia. Mas ao fim do primeiro semestre não mudava, não mudava de curso, jamais."

11. E qual é a coisa que menos gosta de fazer, mas tem de fazê-la na mesma?

Não posso dizer que haja assim uma coisa que goste menos. Mas uma das coisas que eu acho que não gosto tanto e, na verdade, somos todos um bocadinho obrigados a isso – apesar de achar que isto já está a inverter um bocadinho, mas ainda vai demorar tempo – é esta ideia de fazer ciência para a publicação. A ciência para a massificação de produção científica, não é? A produção científica tem de ser uma realidade – porque se não, não somos avaliados e não vamos chegar a lado nenhum –, ter de fazer mais, publicar mais artigos, e mais e mais. Quer dizer, não sou contra que se publique, acho que tem de se publicar, sem dúvida, tem de se concorrer a projetos, claro, mas esta ciência muito quantificada e bibliométrica, é algo que me desilude. E desilude-me, principalmente, porque eu acho que há áreas muito importantes que estão a morrer e que são a base para muita coisa. Porque não são atrativas, porque não vão dar produção científica em quantidade e em curto espaço de tempo. Eu até estou numa área que, se calhar, é uma área em que é mais fácil, mas depois quando vou àqueles exemplos de áreas em que até há poucas revistas, com fatores de impacto mais baixos, porque não há muita gente a publicar, estão condenados, não é? Eu, se calhar, até estou mais à vontade para falar disso, porque na minha área tenho mais facilidade em chegar a revistas da área ambiental, que se calhar têm fatores de impacto um bocadinho mais altos, mas eu, para fazer isso, preciso de bases de outras áreas que estão a morrer. Muitas vezes o que acontece e o que muita gente faz é, no fundo, dividir os trabalhos. Andamos ali a repartir, publicas um bocadinho do trabalho aqui, publicas outro bocadinho acolá, e acaba por ser isso. E depois, claro – e aí nós também temos de ter um bocadinho de ética nestas coisas e eu também não embarco assim nessas coisas todas –, todos nós sabemos como é que há gente que tem muitas publicações. Humanamente, se nós fossemos a ver, se dividíssemos o tempo, o dia de algumas pessoas teria de ter algumas 60 e tal horas, não teria 24, não é? E eu sei como é que alguns grupos funcionam, têm muitas pessoas e dizem, "Tu publicas um, dois, tu outro, outro, outro" e depois todos põem o nome. O que é que isso gera? Não há diferenciação nenhuma das pessoas, são todos iguais. Eu às vezes tenho mais trabalho em artigos em que sou coautor do que alguns em que fui primeiro autor. É verdade, isto é verdade! (risos) Porque eu recuso-me a participar num artigo em que, muitas vezes, um dá um espirro e pões o nome. Às vezes, só porque alguém me vem perguntar alguma coisa, não, não tens de pôr o meu nome porque eu te disse isto, ou te facultei uma coisa, ou porque te fiz uma identificação de um difractograma, o que quer que seja. Não aceito isso. Se o meu nome vai no artigo, eu tenho de dar o contributo que justifique a minha participação no artigo. Não é assim com toda a gente, mas pronto, também não temos de embarcar em tudo. Hoje já se começa a notar sinais de que algumas coisas poderão vir a inverter-se. Vão demorar tempo, mas eu espero, a esperança é a última a morrer. 

"(...) mas esta a ciência muito quantificada e bibliométrica, é algo que me desilude. E desilude-me, principalmente, porque eu acho que há áreas muito importantes que estão a morrer e que são a base para muita coisa. Porque não são atrativas, porque não vão dar produção científica em quantidade e curto espaço de tempo"

12. Há algum geólogo, contemporâneo ou não, que admire muito, que seja uma referência?

Há uma pessoa. Quase todos os alunos que passaram pelo Porto acabam por ter alguma admiração por ele. E tive bons professores no geral, o professor Frederico foi um deles. Mas há aqui uma pessoa que marca um bocadinho a geração de geólogos que tiveram aulas com ele, que é o professor Fernando Noronha. Não só pelo conhecimento dele, porque ele tinha e tem um conhecimento muito grande, mas é bom a explicar, é muito bom no campo, tem também um conhecimento muito prático. E, portanto, foi uma pessoa que, no fundo, nos ensinou a ser geólogos como um todo. Não foi só em aprendizagens de Geologia, mas também de vida. É uma pessoa que eu admiro.

"E, portanto, foi uma pessoa [Fernando Noronha] que, no fundo, nos ensinou a ser geólogos como um todo."

13. Em termos de publicações, diga uma de que goste muito, pode ser uma carta ou um artigo, qualquer coisa.

Eu não vou particularizar e isto vem no seguimento de uma coisa que falámos há bocado. Uma das coisas de que eu sinto muita falta, que acaba por ser muito a minha base de trabalho – e é também uma coisa que eu batalho muito com os alunos quando tenho trabalhos e teses, por causa dos enquadramentos geológicos, porque eles fazem-nos como uma receita, é sempre igual para todos – são as cartas geológicas. E eu destaco as cartas geológicas por vários motivos. Primeiro, é por ser algo que dá muito trabalho. E eu não sou exemplo, nunca fiz nenhuma, mas sei dar valor a isso. Acho que é uma coisa que dá muito trabalho, com a qual se aprende muito a ser geólogo, é a base da maioria dos estudos que se faz em Geologia. Eu posso trabalhar na área ambiental, mas eu não trabalho sem base de cartografia geológica. Há pessoas que se calhar o fazem, não percebo bem como, mas pronto, se calhar é por isso que algumas interpretações não se percebem muito bem. (risos) Parece assim uma coisa normal para mim, mas para alguns é uma coisa extraordinária, porque se calhar nunca olharam para a carta geológica. E segundo, porque é uma área menos apelativa – lá está, por causa dos chamados indicadores –, é uma coisa completamente negligenciada. Por exemplo, nós olhamos para um país como o nosso e ainda não temos cobertura de todas as cartas 1:50 000, e algumas das publicadas já são muito antigas, necessitavam de alguma atualização. Portanto, eu acho que esse é, sem dúvida, o documento que eu destaco – as cartas geológicas. É algo que está claramente a ser negligenciado, em busca dos "indicadores", e é pena, porque isso é a base de muita coisa.

"(...) houve uma altura marcante, que foi agora a minha entrada na Universidade de Aveiro como docente, apesar de eu ainda estar num contrato provisório, durante cinco anos – ainda me podem despedir, depois de verem esta entrevista (risos)"

14. Qual o evento mais marcante da sua carreira, positivo ou negativo?

Eu não tive momentos marcantes negativos, porque, felizmente, acabei sempre por ter alguma coisa de trabalho. Mas houve uma altura marcante, que foi agora a minha entrada na Universidade de Aveiro como docente, apesar de eu ainda estar num contrato provisório, durante cinco anos – ainda me podem despedir, depois de verem esta entrevista. (risos) Foi um momento marcante porque a idade vai avançando, vamos concorrendo a umas coisas e a outras, e nada. Eu já tinha concorrido a outros concursos – que perdi, nada contra. Em muitos deles, até concorri sabendo que ia perder e achei muito justa a pessoa que ganhou, não é isso que está em causa, não vivo com essa frustração – mas a nossa idade vai avançando, andando de bolsa em bolsa, com esta precariedade, e cheguei a um ponto que parei e disse assim, "Já concorri a várias coisas, ainda estou nisto, isto vai acabar, como é?". Questionei-me e decidi concorrer àquele concurso e se ganhasse, muito bem, se não ganhasse, era uma decisão que já tinha tomado, a de que era o momento de repensar a minha vida, de sair da vida académica, ir procurar outro trabalho dentro da Geologia ou então ir para jovem agricultor, aos 40 ainda se é jovem. (risos) Portanto, foi um momento, no fundo, marcante na minha vida.

15. E um momento embaraçoso, complicado, um falhanço, há?

Claro que no doutoramento, quando nos aproximamos do final e temos de apresentar a tese, há aquele isolamento de escrita da tese e começa o "E depois disto?". É sempre um momento em que temos ali uma quebra. Não sou assim muito de ir abaixo, mas pronto, às vezes houve ali uma quebra. Momentos mais embaraçosos, que me lembre, não tenho. Hoje eu penso "Se eu soubesse o que eu sei hoje, muita coisa poderia ter sido feita de outra forma". Um doutoramento é um marco muito importante, mas não tem o peso que tinha noutro tempo. Noutro tempo o doutoramento era quase o fim da carreira, hoje é o início de uma longa caminhada. Mais do que outra coisa, gostava, se calhar, de ter feito muitas outras coisas. É o que é, tudo tem de ter um fim, como se costuma dizer. E depois, para o pós-doc, a mesma coisa, mas tudo tem de ter um fim.

16. Se pudesse viajar no tempo geológico e assistir a um evento, qual seria?

Ora bem, os eventos geológicos, depende, alguns demoram muitos milhões de anos. (risos) Eu tenho alguma curiosidade, agora até que tenho dado mais Geologia de Portugal, toda esta estruturação da cadeia varisca, não é? Estamos numa fase de arrasamento da cadeia varisca, portanto, gostava de ter visto como era isto no início. Isto foi os Himalaias? Acho que gostava de ter visto como é que era toda esta cadeia no seu auge. (risos) 


Intraclasto

Cianite - o rebelde da escala de Mohs

Como intraclasto, o Nuno trouxe-nos um geotroféu dos tempos em que dedicava tempo a mostrar aquilo que o tempo geológico produz com mais esmero: uma bonita amostra de cianite, o mineral que não se decide - tem dureza diferente consoante o eixo. É como a vida...

"Escolhi este mineral (cianite ou distena; como preferirem) por dois motivos: o primeiro, porque eu sou um apaixonado por minerais e isso foi uma coisa que sempre me "empurrou" e me motivou (e ainda me motiva) para a Geologia; o segundo, porque este mineral foi-me oferecido por dois professores da FCUP, a Prof. Deolinda Flores e o Prof. Fernando Noronha, ainda era eu estudante, como agradecimento pelo meu envolvimento em todas as atividades de promoção e divulgação do Departamento de Geologia à data. Os maiores gestos de agradecimentos estão, muitas vezes, em pequenas coisas com muito significado!

Não posso, por isso, deixar de aproveitar este momento para também, com um gesto de simplicidade, mas sincero, agradecer o imenso trabalho, por pura carolice e voluntariado que a Inês Pereira e a Sofia Pereira dedicam a este projeto da APG. Muito obrigado!"


Geomanias

Rocha preferida? Migmatito

Mineral preferido? Podem ser dois? (risos) Turmalina e Melanterite

Fóssil preferido? Trilobite

Unidade litostratigráfica preferida? O complexo ofiolítico do Maciço de Morais e Bragança, da Galiza - Trás-os-Montes

Recursos minerais metálicos ou não metálicos? Metálicos

Era, Período, Época ou Idade preferido? Pode ser o Paleozoico todo?

Trabalho de campo ou de gabinete? Campo 



Martelo ou microscópio? Gosto dos dois, mas martelo

Pedra mole ou pedra dura? Dura

Esparrite, Esparite, Sparite ou sparrite? Eu posso dizer conforme vocês gostarem mais. Mas esparite. 


Teaser da Entrevista