Renata Santos

Novembro 2023








RECURSOS HÍDRICOS/

GEOTECNIA

SÓCIA APG Nº O1503


Amante de viagens, é natural do Porto. Cresceu apaixonada pelas ciências e por Jacques Cousteau. Trabalhou muitos anos em hidrogeologia, fez cartografia hidrogeológica e deu aulas, mas atualmente os seus dias medem-se de W1 a W5: dedica-se à geotecnia, para construção de túneis subterrâneos.

"E essa parte de inventariar, andar no campo, ver e depois tentar resolver, gosto muito. Porque a hidrogeologia a gente não a vê! Não temos um afloramento, não podemos escavar para ir vê-la."

Final de tarde, ruído de cidade, o burburinho urbano expectável  e a Renata, frente aos leões e ao edifício onde a Geologia foi ter com ela. Tal como a vida, veio da água e foi sobretudo pela água que sempre ficou. Com um passado geofísico e um presente geotécnico, recordou como especial o tempo em que ensinou alunos a "ver as pedras, a estudá-las e a percebê-las". Fala em código "Ws" e nunca pensou vir a tratar a estatística por tu. Lamenta não "ter aldeia" e talvez por isso se vingue a viajar para as dos outros. Brindar, só se for com água, mas é bom que tenha circulado nas rochas certas! Venham conhecer esta fã de Jacques Costeau, que de entre todos os feitos, ressaltamos o ter sido capaz de pôr alunos universitários a beber água e a gostarem! Diz que a hidrogeologia não se vê, mas vê-se muito bem a hidrogeologia nela.


Entrevista 

Praça dos Leões, Porto, julho de 2022


1. Nome, data e local de nascimento?

Renata Santos. Nasci aqui no Porto, a 23 de novembro de 1974.

2. Conte-nos, como se fosse para leigos, o que faz profissionalmente?

Eu, a nível profissional, estou a embarcar num novo desafio. Já estive nas várias áreas da Geologia. Já estive na geofísica, especializei-me depois na área da hidrogeologia, contaminação mineira, estive muitos anos no LNEG [Laboratório Nacional de Energia e Geologia] na cartografia hidrogeológica, como bolseira, e depois fui dar aulas durante seis anos. Agora estou a embarcar na parte da geotecnia, na qual também já tinha trabalhado no início da carreira. Normalmente, quando ia fazer apresentações para alunos, tentava explicar-lhes o que é a Geologia através das nossas ferramentas, o que usamos no dia-a-dia e o que é preciso para fazer Geologia. Porque é que precisamos de ver as pedras, de estudá-las, de percebê-las. Como é que eles têm tantas coisas, os edifícios, os carris, os microfones, as máquinas fotográficas, de onde vem isso e porque é que precisam da Geologia. E tento explicar-lhes a partir daí por que é que nós temos de fazer o nosso trabalho. Neste momento, estou afeta à abertura de um túnel e o trabalho é uma cartografia de frente. Estamos ligados à construção de uma infraestrutura importante para a mobilidade urbana [Metro do Porto] e a Geologia é uma ferramenta fundamental. A engenharia só avança com o nosso parecer a nível geológico e geotécnico.

3. Como é um dia seu neste novo trabalho?

Neste momento, vai variando. Nós somos chamados quando o túnel vai avançando. Eles vão fazendo o desmonte, tiram o material e nós temos de ir à frente, ver o que está a aparecer. Nós aqui no Porto temos um granito que gosta muito de nos dar surpresas. Tanto está muito duro, como está muito mole e nós andamos assim, às vezes, abananados. Mas vamos às frentes, fazemos o nosso levantamento, com o martelo, a bússola e agora vamos ter um esclerómetro para tentarmos perceber melhor algumas variações de dureza que temos. Fazemos também uma caracterização, com índices, e depois fazemos um relatório, uma ficha-tipo, que enviamos imediatamente para a produção e para o projetista, que, neste caso, é o Metro do Porto. Depois, então, são eles que tomam a decisão de como vão avançar com o túnel. Ainda a semana passada estávamos a fazer detonações, para o túnel avançar, e esta semana tivemos de as parar. Porque avançámos de um W2, W3, muito bom, quase para um W5.

4. Qual foi o ano e onde ingressou no curso de Geologia.

Eu ingressei em Geologia em 1992, aqui, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto [FCUP].

5. Qual foi o seu primeiro contacto consciente com a Geologia?

Se calhar é um contacto consciente e inconsciente. Sempre fiz muitas férias com os meus pais, sempre que eles podiam íamos tanto para a praia como para o interior. Sempre adorei a praia, sou uma pessoa de praia, sem dúvida, mas gosto das diferentes paisagens. Se calhar não foi tanto a Geologia que me fascinou, foram as diferentes formas do relevo, a geomorfologia, inicialmente. E lembro-me de umas férias em particular, na Serra da Estrela, dos passeios que dávamos na serra e aquelas diferentes geomorfologias, andar por ali e começar a ver que havia coisas diferentes, os vales, os glaciares, a rocha, granito. Em casa, estava habituada a ter uma chaminé em xisto e quando ia para o Algarve era tudo diferente. Inconscientemente, essas vivências que eles nos foram dando ao longo dos anos conseguiram fascinar-me mais pela paisagem. Mas a paisagem é uma consequência da Geologia e eu sempre gostei muito de estar no campo, no exterior. Eu tinha quase inveja daqueles meus colegas que diziam que iam para a aldeia, pois eu não tenho aldeia, os meus pais também já eram aqui do Porto. Quando íamos, às vezes, para a aldeia de alguém, para mim era um fascínio. Tínhamos uns amigos em Trás-os-Montes e eu adorava estar ali.

"Nós aqui no Porto temos um granito que gosta muito de nos dar surpresas. Tanto está muito duro, como está muito mole e nós andamos assim, às vezes, abananados"

6. Então e como vamos daí para a Geologia?

A minha irmã andava ali no ICBAS [Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar], em ciências do meio aquático, e já no 10º, 11º e 12º anos, eu vinha muitas vezes com ela fazer a dissecação dos animais, era fascinante. Vinha ajudá-la porque, na altura, ela estava a fazer o mestrado e tinha experiências com peixes e tínhamos de fazer aquela parte toda. Mas houve um percalço: não ter entrado no mesmo curso. Desde que ingressei sempre disse que ia estar ligada à hidrogeologia, a água estava sempre presente. Nunca pensei em Geologia. Sempre quis a área das ciências, mas não era a Geologia. No nosso secundário, não tínhamos Geologia, era só biologia. Só mesmo no 7ª e 8º anos tínhamos algo, dávamos as rochas magmáticas, as paisagens, etc, mas não dávamos mais nada. E sabia, desde sempre, que queria algo ligado à ciência, porque era o que me apaixonava. Estava na área da quimicotecnia, embora não quisesse ir para química. Quando era pequena, o meu ídolo era o [Jacques] Costeau: via e lia tudo o que era do Costeau! Comprei todos aqueles fascículos que se adquiriam à semana e depois fazia-se o livrinho. Convenci os meus pais, na altura, a comprarem-me isso tudo e, portanto, eu via-me a fazer alguma coisa ligada ao mar. Na altura, não entrei em ciências do meio aquático e foi quando tive de escolher Geologia ou biologia na 3ª fase. Decidi que biologia não, que embora eu goste, a biologia pura e dura não é aquilo que me fascina, então disse "Vamos experimentar Geologia". E fui para Geologia. Entrei no primeiro ano a pensar "Ok, vou fazer candidatura, vou pedir transferência". Entretanto, vou-me afeiçoando às pessoas, ao curso, vou começando a gostar e apareceu uma nova área para mim! E uma área a que, até hoje, felizmente, tenho-me conseguido manter ligada a nível profissional. À Geologia.

7. Quando chega ao pé da sua família e diz, "Não, não entrei em ciências do meio aquático, entrei em Geologia", eles sabiam o que era? O que é que lhe disseram?

Os meus pais estão ligados a outras áreas. A minha mãe é de história e o meu pai de economia. Mas nunca nos puseram barreiras, deram-nos sempre livre-arbítrio para aquilo que quiséssemos fazer. Mais ou menos! (risos) Eu lembro-me que, no 9º ano, queria ingressar na escola agrária que havia aqui no interior, em Santo Tirso, e o meu pai disse "Mas vais cultivar o quê? Campos de quem?". E então eu perdi um bocado a vontade. Mas eles já sabiam que eu iria para qualquer coisa ligada à natureza e aceitaram naturalmente. Logicamente que perguntavam como são as saídas profissionais, mas começaram a perceber o que se podia fazer ou não. Não me puseram entraves nenhuns, aceitaram bem.

"(...) quando ia fazer apresentações para alunos, tentava explicar-lhes o que é a Geologia (...) porque é que precisamos de ver as pedras, de estudá-las, de percebê-las."

8. No ano do seu curso de Geologia, aqui na FCUP, tem colegas que se tenham mantido a trabalhar em Geologia?

Tenho. A maior parte dos colegas que entraram, éramos 40, foram para o ensino. Nós tínhamos aqui o ramo do ensino, o científico-tecnológico e o científico. Para o científico, acho que raramente alguém ia, acho que a Zélia Pereira, que trabalha no LNEG, foi das últimas a ir. No científico-tecnológico, fomos para aí uns seis ou sete, o resto foi tudo para a via do ensino. E esses seis ou sete continuam a trabalhar na Geologia. A Cristina Rodrigues, que está na Universidade Fernando Pessoa, em Angola; o Luís Jacques, que está na parte da mineração; o Álvaro Oliveira, que está no LNEG e ligado ao projeto de cartografia de Angola [PLANAGEO]; a Lisa Daniel, que esteve ligada ao metro do Porto, agora está fora de Portugal, mas está a trabalhar em túneis; o Luís Carvalho, que tinha uma empresa de sondagens que era do pai, já perdi contacto com ele; e a Sandra Pedrosa, que está na COBA. Quase todos estão a trabalhar em Geologia. Com algumas interrupções, e em alguns casos desemprego, mas estivemos quase todos ligados à Geologia. Depois é uma mistura, porque o nosso ano misturou-se um bocado com o anterior, uma vez que apanhámos uma reestruturação do curso. Então aproveitei e fiz disciplinas extracurriculares.

9. E como era a relação dos professores com os alunos, era próxima?

Era próxima, muito próxima e acho que isso é muito importante. Trouxe algumas fotografias. Na altura havia os professores mais velhos, como o professor [Fernando] Noronha, o professor Frederico [Sodré Borges], o professor [Manuel João] Lemos de Sousa, e alguns mais novos, como o [António José] Guerner [Dias], o Ary [Pinto de Jesus], o Benedito [Calejo Rodrigues]… Havia uma relação muito próxima e havia uma partilha muito grande, tanto dentro da faculdade, como fora. Os professores iam connosco quer para as saídas de campo, quer para convívios, jantares de curso, etc. Eles participavam na vida académica. Isso também foi importante, porque criou uma ligação muito grande entre todos. O grupo não começou logo, era o grupo de estudantes que já fazia visitas de campo para os alunos de 1º ano. Íamos aos fosseis, em Valongo, íamos fazer fins-de-semana a acampar para nos orientarmos com cartas e essas coisas todas. Íamos para o Cabo Mondego, onde agora não se podem apanhar amonites. Tudo isso gerou uma aproximação mais prática da Geologia, porque os dois primeiros anos aqui no Porto eram muito teóricos e uma pessoa não conseguia bem perceber a ligação. É a base que precisamos para depois entender o resto, mas naquela altura é difícil de perceber. Tínhamos as físicas, as matemáticas, as químicas, a biologia, dadas por professores de cada departamento e às vezes a gente dizia "Não percebo para que é que estou a dar isto!". Lembro-me de estatística, foi uma professora de matemática que a deu e eu detestei a disciplina. Porque eu não percebia aquilo das populações, ela ia buscar exemplos que não me diziam nada. E foi engraçado que no semestre a seguir tive o Guerner a dar paleozoologia e eu percebi, finalmente, para que servia aquela estatística. E isso para mim foi importante, foi abrir os olhos. Ele soube fazer essa ponte! Tanto que, se formos a ver, é a ferramenta que ao longo destes anos, na minha carreira, sempre utilizei. A estatística tem estado sempre comigo ao longo da carreira toda. (risos)

10. Considerava-se uma aluna média, boa ou muito boa? E a disciplina favorita, qual foi?

Eu era uma aluna boa, muito boa não, mas era boa. Era aplicada. Gostei de várias, mas uma que eu acho que gostei muito e foi boa na integração de tudo o que estávamos a aprender foi estratigrafia geral com o [José] Tomás Oliveira. Nós tínhamos aulas ao sábado com ele e tínhamos aquela parte teórica, mas íamos muito para o campo. Tínhamos visitas de dois ou três dias e ele mostrava-nos que, afinal, não se ficava na teoria e conseguíamos ver aquelas coisas. E acho que foi muito importante, naquela fase, para consolidar os conceitos, porque houve alturas em que achávamos que havia muitas compartimentações no curso e mais tarde é que começámos a juntar tudo.

11. Nas aulas, era participativa, colocava questões, ou mais calada?

Sim, participava. Dependia dos dias e se as disciplinas me agradassem ou não. A estatística não! (risos) A estatística, tenho de admitir que quem me salvou foi a minha outra irmã, de economia, que me deu explicações. (risos)

12. Durante os anos em que foi estudante, envolveu-se em atividades extra Geologia?

Sim. Havia uma proximidade muito grande entre colegas. Tínhamos a feira dos minerais e várias atividades em que participava. Não era aquela que ia em frente logo, mas depois estava sempre pronta para ajudar.  

13. Lembra-se qual foi o seu primeiro trabalho remunerado?

Nós tivemos um primeiro trabalho antes de acabar a licenciatura, no último ano. Era o início do Parque Paleozoico, estávamos em 1997 e o Guerner e a Helena Couto estavam a fazer a parte da cartografia. E, então, eles perguntaram aos alunos quem queria participar. Era preciso fazer a cartografia de certos trajetos, alguns deles ainda estão incluídos nas visitas que fazem. Esse foi o primeiro trabalho pago, foi fazer a cartografia ali, ainda sem ser licenciada. A câmara vinha-nos buscar, foi uma boa experiência para aprendermos as ferramentas e termos o apoio deles [professores], que era fantástico. E depois de licenciada, fui para o Instituto Geofísico, estive lá com uma bolsa, era a única geóloga. Estávamos a estudar as anisotropias da suscetibilidade magnética e eu tinha a parte do reconhecimento e da Geologia, tinha de fazer o estudo. Fui para Monchique, com os colegas que estavam lá. Outros colegas estavam na área de Aveiro, então tive de estudar a Geologia de Aveiro e fazer um reconhecimento dos locais onde poderíamos apanhar amostras. Aí estava sozinha, não tinha apoio de ninguém e tive de tomar decisões.

14. Olhando para o seu percurso académico e profissional, há assim alguém que considere uma referência?

Eu tenho uma grande admiração pelo professor António Ribeiro. Lembro-me que a primeira vez que o vi foi no GGET [Grupo de Geologia Estrutural e Tectónica], em Estremoz, em 1995, em que saímos daqui [Porto] de madrugada. E eu fiquei fascinada ao ouvi-lo falar. Disse para mim, "Nunca vou ser assim, nunca vou conseguir compreender a Geologia desta maneira". E não consigo! Tenho de admitir. (risos) Eu considero-o uma mente brilhante. E é a tal coisa, é o fascínio que ele tem, continua a parecer um miúdo a olhar para um afloramento como se fosse a primeira vez. É inspirador! Essa capacidade, acho que muitos de nós a perdemos ao longo do tempo e estar com ele faz-nos reavivar essa paixão.


"Quando tínhamos de filtrar uma amostra e ela não filtrava, "Pronto, esta está gorda".

15. Naquilo que é a sua atividade profissional, qual é a coisa que mais gosta de fazer?

No nosso trabalho, temos sempre a parte de gabinete e de campo, não é? Eu prefiro mil vezes ir para o campo, mas também gosto de ir para o gabinete e pensar e absorver o que estive a ver. Neste momento, na geotecnia, isso não é bem possível, porque temos de dar uma resposta na hora. Mas quando estamos mais na área da investigação, conseguimos. Começar a tentar desvendar os mistérios, porque é que isto está a dar "assim ou assado". Mesmo na geotecnia, temos de ir estudar e tentar perceber, não basta apenas preencher um papel. Temos de prever o que poderá acontecer, temos também de ter essa capacidade de visualização e tentar juntar os dados. Preenchemos as fichas, mas depois há um momento de reflexão: temos sempre relatórios mensais e vamos fazendo reflexão dos dados, fazendo perfis, etc. Durante muitos anos, na hidrogeologia, a parte que fazia era amostragem e inventariação de águas. Até porque uma pessoa depois ganha sensibilidade, leva o aparelho, mede o pH, a alcalinidade, levávamos também um refletómetro, que nos permitia ver logo o manganês, o ferro, e filtrávamos as amostras e começávamos a ver as particularidades só com aquela parte do inventário, porque não podíamos amostrar tudo. Quando tínhamos de filtrar uma amostra e ela não filtrava, "Pronto, esta está gorda". A gorda nem tem a ver com Geologia, tem a ver com bactérias. Gosto muito dessa parte, o inventário hidrogeológico é muito interessante, principalmente quando uma pessoa começa a fazer muitos, começa a ter sensibilidade, a apanhar a manha. (risos) Num trabalho que fiz para aqui para a faculdade, uma prestação de serviços para o tribunal, num caso de contaminação, tivemos uma água cujos parâmetros de campo davam completamente diferentes dos outros. Nós estamos aqui numa zona de xisto e aquilo estava a dar parâmetros de campo, pH, etc, completamente diferentes. Mandámos amostrar, para termos uma análise completa, e o mais engraçado foi quando olhámos para aquilo e era como se fosse uma água de pedra basáltica. E eu comecei a pensar, "Deixa-me cá ver o que temos aqui na [Zona] Centro-Ibérica? Temos as diabases, não é?" Temos os filões de diabase ali naquela zona. Fui à cartografia inspecionar e disse "Só pode ser!" Estava lá em baixo. Primeiro pensámos que seria contaminação, um contaminante que poderia dar aqueles valores de pH, mas não havia mais nenhum indício, o resto da água estava boa. Uns cinquenta metros de distância e era tudo completamente diferente! E essa parte de inventariar, andar no campo, ver e depois tentar resolver, gosto muito. Porque a hidrogeologia a gente não a vê! Não temos um afloramento, não podemos escavar para ir vê-la.

16. E o que é que gosta menos?

A que gosto menos, que normalmente todos os trabalhos têm, é a parte burocrática. É imensa, quer quando estive no LNEG, quer na faculdade. Agora no novo trabalho não é mais simples. No ano que passou, estive a fazer um curso de gestão de projetos, porque nós somos mandados gerir projetos sem experiência nenhuma. Acho que é uma coisa que faz falta, principalmente a quem está a trabalhar no privado. 

"Gosto muito dessa parte, o inventário hidrogeológico é muito interessante, principalmente quando uma pessoa começa a fazer muitos, começa a ter sensibilidade, a apanhar a manha"

17. Há assim algum livro, alguma carta, ou artigo que tenha como referência, ou utilize mais no seu dia-a-dia?

Quando estava mais ligada à hidrogeologia havia um, que eu até tenho aqui, que era quase uma bíblia para mim: "Geochemistry, Groundwater and Pollution" do Appelo e do Postma. Embora no doutoramento tenha estudado contaminação mineira, depois já estive ligada a processos de contaminação por hidrocarbonetos, atividades agrícolas e outros. Cada um gera um tipo de química diferente, reações químicas distintas, pelo que a nossa água, a assinatura, a nossa hidroquímica, vai ser diferente. Aqui no livro também estudamos a mineralogia da rocha, para perceber o quimismo original da água. Normalmente temos de tentar encontrar águas não poluídas, o background regional, como em qualquer trabalho de prospeção. Era este livro que utilizava. Depois utilizava outro, de um professor que, infelizmente, já morreu, de quem eu gostava muito, o Paul Younger, que é o "Mine Water, Hydrology, Pollution, Remediation". Este professor conheci pessoalmente, tive um curso com ele, na Hungria. Não era geólogo de formação, era engenheiro.

18. Estou aqui com uma curiosidade: qual é a sua água mineral preferida? (risos)

(risos) Eu sou uma pessoa do norte, não é? Sou do norte, gosto das águas dos granitos ou dos quartzitos, assim umas águas mais ácidas. Não sou muito fã de águas calcárias. (risos) Quando dava aulas de hidrogeologia na faculdade, tinha de ensinar uma parte de hidroquímica e acho que não é uma coisa agradável os alunos terem de estar a olhar para os slides e ver simbologia de iões, catiões e isso tudo. Então, normalmente, nas duas aulas dessa matéria, pois só tinha quatro horas para lhes dar umas noções da hidrogeologia, fazíamos sempre uma prova de águas. Usava sempre, pelo menos, três: uma água de um granito ou de um quartzito, que são águas pouco mineralizadas; andava sempre à procura da Vimeiro, original; e depois ia buscar a de Monchique. E, assim, conseguia-lhes falar da parte hidroquímica, da parte da interação água-rocha, os tempos de residência, dessa parte toda. A aula acabava por ser muito mais divertida.

19. Nunca tantos estudantes universitários ficaram tão felizes a beber água!

(risos) Exatamente! Era mais fácil para lhes explicar, para eles ficarem com o bichinho de perceber porque é que aquela água tinha tal composição. Houve uma aluna que uma vez veio de Marrocos e trouxe-me uma garrafa para eu ver. Nos Açores, há uma água mineral, engarrafada, e foi engraçado porque num dos últimos anos que dei aulas, não encontrava a água aqui. Então pedi-lhes [à marca] e eles mandaram-me um lote, foram muito simpáticos.

20. E que tal é essa água?

É uma água basáltica, é boa! É melhor que as calcárias e que a de Monchique. (risos) Eu tenho uma gafe muito grande em Monchique, a qual nunca mais me esqueço. Quando estive no Instituto Geofísico, fazíamos visitas de campo a Monchique, para apanhar amostras para anisotropia, e ficávamos hospedados nas Caldas de Monchique. Eu sou uma pessoa que, por norma, bebe água. Estávamos lá a jantar todos, no primeiro dia, todos divertidos, e eu pedi água. Trazem-me água de Monchique e eu, "Desculpe, não tem outra?". (expressão de embaraço) Não correu bem, ficaram ofendidos e com razão! Foi uma gafe, nunca mais! A partir daí, comecei a beber sumos à refeição. (risos) Não consigo. Há pessoas que se dão muito bem, há pessoas que só bebem água de Monchique. Tem um pH de 9.5 porque vem de um sienito nefelínico, é completamente diferente. A empresa esteve muito mal, quase a entrar em falência, e quem salvou as águas de Monchique foi uma empresa chinesa precisamente por causa das propriedades da água. Conseguiram dar a volta e ainda bem!

21. É também preciso saber vender a água!

É, até já temos um sommelier de água: o Antunes da Silva.

"(...) às vezes, estamos na nossa zona de conforto e temos dificuldade em sair dela, mas que se formos "obrigados", nós conseguimos. Custa, não há dúvidas"

22. E qual foi assim o momento que considera que foi mais marcante na sua carreira?

Eu estive durante 17 anos sempre ligada à hidrogeologia, como bolseira, atrás de bolseira, atrás de bolseira e, de repente, chegou uma altura em que tive de mudar, em 2014, e surgiu uma oportunidade de dar aulas. O José Feliciano foi para o projeto de Angola e eu fui substituí-lo na Faculdade de Engenharia, no Departamento de Minas [Universidade do Porto]. Uma coisa que eu nunca me imaginei a fazer e algo tão afastado da minha realidade, não é? Foi um grande desafio. Aceitei, mas embarquei muito ansiosa, porque eu, sempre ligada à hidrogeologia, de repente fui dar Geologia geral, mineralogia, as petrologias, teóricas e práticas. Dezassete anos depois! Mas, olhando para trás, acho que foi muito bom. É que chega a uma altura da vida e uma pessoa fica habituada a fazer as mesmas coisas, entra naquela rotina, e isto mostrou-me que nós conseguimos mudar e temos essa capacidade. Tanto que agora, quando saí da faculdade, esta mudança não me custou. Porque já tinha percebido que, às vezes, estamos na nossa zona de conforto e temos dificuldade em sair dela, mas que se formos "obrigados", nós conseguimos. Custa, não há dúvidas. Depois, durante uns anos, trabalhei como geóloga independente, fiz alguns trabalhos e também dei formação. Já estava com outra capacidade que, se calhar, em 2015, quando embarquei na faculdade, também não tinha.


23. E um momento profissional que possa ter sido embaraçoso, complicado ou mesmo um falhanço?

Falhanço, mesmo falhanço, acho que não tenho assim nenhum. O bom de trabalhar em equipas são essas vantagens. Nós apoiamo-nos mutuamente. Há situações complicadas, quando tens de defender a tua posição, quando as pessoas discordam das opiniões umas das outras, até mais em reuniões, e as pessoas põem-te em xeque e tu tens de te defender, argumentar, essas coisas. Esses momentos são complicados. Por exemplo, quando dávamos pareceres para estudos de impacto ambiental e a nossa opinião era completamente ignorada… isso custa. Mas pronto. (risos)

24. Algum hobby extra Geologia?

Há! Agora não tenho feito muito porque até aos sábados trabalho, mas gosto muito de passear, viajar, conhecer coisas novas e caminhadas.

25. E que destino gostou mais?

Ai, eu gosto de tudo! Raramente não gosto. Acho que conseguimos tirar sempre algo de bom de uma viagem. Gosto de conhecer a natureza, ir à praia, mas também gosto de apanhar um fim-de-semana assim prolongado e ir conhecer uma cidade, algo mais cultural. 


Intraclasto

Um livro especial para a Renata

Como geocoisa especial, a Renata trouxe-nos uma geocoisa especial de muitos: o primeiro volume da trilogia "Portugal de antes da história – 600 milhões de anos de evolução". Este é o resultado da obsessão do geólogo Rui Dias (Universidade de Évora): entender a Geologia de Portugal. E com estes volumes, o Rui quer que a entendamos também. O 2º volume saiu entretanto e toda a comunidade geológica (e não só!) aguarda com entusiasmo o 3º e último volume. 


Geomanias

Rocha preferida? Xisto! A lousa como se diz aqui. Gosto da maneira como ela se integra na paisagem, gosto de como é usada nas fachadas, é intemporal!

Mineral preferido? Gosto muito da cor do rubi

Fóssil preferido? Trilobite


Era, Período, Época ou Idade preferido? Paleozoico

Martelo ou microscópio? Martelo

Trabalho de campo ou de gabinete? Campo

Pedra Mole ou pedra dura? Dura


Unidade litoestratigráfica preferida? Quartzito Armoricano

Amostra de mão ou lâmina delgada? Amostra de mão

Recursos minerais metálicos ou não metálicos? Metálicos

Lusitânica ou Lusitaniana? Lusitaniana


Teaser da Entrevista