António Ribeiro

Julho 2022






GEOLOGIA DE CAMPO

SÓCIO APG Nº O27

É natural de Lisboa e o natural é encontrá-lo no campo desde os 5 anos. Conhecido como 'o pai da Tectónica em Portugal', passou pelos Serviços Geológicos e lecionou na FCUL. Em 2005, foi condecorado com o grau de Grande-Oficial da Ordem de Sant'Iago da Espada.

"A teoria é muito bonita, mas a Geologia não pode ser só teoria. Temos que nos inspirar. O campo é o nosso laboratório. "

"E acho que é tudo... têm dúvidas?", perguntava-nos o António na "sala de aula" onde nos encontrámos numa tarde de julho: a praia do Guincho. Na Geologia de Portugal, há um antes e um depois da memória número 24 dos Serviços Geológicos. Como em tempos disseram, "desde o Pré-Câmbrico mais antigo ao sismo que há de vir", pensem em qualquer problemática, unidade ou idade geológica portuguesas... o António conhece, o António discutirá, o António entusiasmar-se-á, o António argumentará: é um livro de Geologia de Portugal com pernas. Para quem o conhece e julga que já lhe conhece todas as histórias, recorde-as e surpreenda-se com as curiosidades que, afinal, ainda desconhecia. Para quem não teve ainda o privilégio de conhecer, privar ou aprender com ele, venha perceber o porquê do fascínio que muitos lhe temos e que merece. E para quem está neste momento a pensar "epa, podiam ter-lhe tirado o chapéu para a entrevista", ora essa, não, claro que não! Ninguém pode tirar o chapéu ao António... mas todos lhe tiramos o chapéu!


Entrevista 

Praia do Guincho, julho de 2021


1. Nome, idade e local de nascimento.

António Ribeiro, 82 feitos a 19 de julho, Lisboa.

2. Se tivesse de resumir numa única frase o que fez profissionalmente, para leigos, o que diria?

Descobri que a tectónica de placas é tectónica sem tectónica. (risos)

3. O que é que andou a fazer, durante a sua carreira?

Fiz campo e hoje faço muita teoria. Vocês sabem quem foi o prémio nobel da física, o último? Roger Penrose, dos buracos negros. Para mim é o maior cientista vivo e eu tenho aprendido muito com ele. É um físico matemático. Gosto de física, gosto de matemática e gosto de campo. Fiz muito campo com o meu pai [Orlando Ribeiro] desde os sete anos. O meu pai levou-me para a Arrábida tinha eu cinco anos.

4. Em que ano e onde ingressou no curso de Geologia?

Em 1957, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, vindo da erupção dos Capelinhos.

5. Então, o que o levou a seguir Geologia e não a geografia ou a física?

A geografia humana interessava-me para ler à noite, para adormecer, e a Geologia interessava de manhã cedo, para ir para o campo.

6. O que é que o seu pai achou disso?

O meu pai não gostou, mas ele era um geógrafo muito completo. Sabia geografia física a sério. E aprendi muita geografia física e Geologia com um colega dele, o professor Pierre Birot [1909-1984], da Sorbonne, da Universidade de Paris. Fui com ele para o campo muito jovem.

7. Então o seu pai não gostou que fosse para Geologia por que motivos?

Pensava que eu ia seguir o trabalho dele.

"Descobri que a tectónica de placas é tectónica sem tectónica." 

8. Claro, a investir em si desde os cinco anos a levá-lo para o campo...

Às vezes com a minha irmã também, a Aninhas, dois anos mais nova.

9. Sabendo que foi para o campo desde muito novo, qual foi o primeiro contato consciente, sublinho consciente, que teve com a Geologia?

Foi uma excursão que fiz com ele à Arrábida, teria eu uns cinco ou seis anos, e ele disse-me "Se eu fosse cego, ainda assim conseguiria fazer Geologia, porque tendo um martelo, batendo com o martelo nas rochas, saberia qual era a rocha". (pausa) Ele não ficou cego, mas infelizmente teve dois AVCs e ficou impossibilitado de ir para o campo. Portanto, eu, enquanto for vivo, vou para o campo.

10. É onde se sente bem.

A teoria é muito bonita, mas a Geologia não pode ser só teoria. Temos que nos inspirar. O campo é o nosso laboratório.

11. Era mesmo geólogo que queria ser?

Podia ter sido geofísico, ainda andei em geofísica, mas fui expulso da Universidade. Licenciei-me em Geologia e inscrevi-me em geofísica. Havia um professor de geofísica de que eu gostava imenso, que era o professor [José] Pinto Peixoto. Foi professor convidado do MIT [Massachusetts Institute of Technology], era um meteorologista e climatologista, físico do clima. Tem um livro sobre física do clima [Physics of Climate, 1992] com o Abraham Oort, que é o filho do [Jan] Oort da "Nuvem de Oort", está tudo dito. Nunca fui às aulas dele [Pinto Peixoto], mas as conferências dele eram extraordinárias!

12. Portanto, proibiram-no, expulsaram-no... a quem é que temos de agradecer o facto de ter ficado do lado dos geólogos e não dos geofísicos? (risos)

Eu estou do lado dos geofísicos também. Eu sempre colaborei imenso com os geofísicos e acho que as geociências, geoquímica, geofísica e Geologia, têm que unir forças e não dividir. [ver perguntas 17 e 23 para continuação deste tema].

13. Na família, em gerações anteriores ou posteriores, há mais alguém ligado à Geologia?

Não. Mas já que pergunta, eu sou neto de um oficial do exército, pai da minha mãe, Manuel Ramos, que foi professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Escreveu uma "História de Portugal" célebre, que foi editada em Barcelos, em cerca de 20 ou 30 volumes. Escreveu o capítulo sobre a Independência de Portugal [Volume 1: "O Condado Portucalense"; Volume 2: "História Política"]. E ele influenciou muito o meu pai. Ele cegou, os alunos iam levá-lo a casa e foi assim que o meu pai conheceu a minha mãe.

"Fiz muito campo com o meu pai [Orlando Ribeiro] desde os sete anos. O meu pai levou-me para a Arrábida tinha eu cinco anos.

(...) teria eu uns cinco ou seis anos, e ele disse-me "Se eu fosse cego, ainda assim conseguiria fazer Geologia, porque tendo um martelo, batendo com o martelo nas rochas, saberia qual era a rocha".

14. Tem, portanto, um passado de alta formação académica...

Sim, sim! Eu ainda tenho livros que, através da minha mãe, vieram da biblioteca do meu avô. Tenho o "Cosmos", do Alexander von Humboldt, textos do Henri Poincaré, livros sobre a matemática do Poincaré, porque ele [o avô] era matemático, os oficiais do exército tinham uma formação superior nesta altura. Eu não o conheci, ele morreu à volta de 1930.

15. Mas interessava-se por História....

Sim, foi professor catedrático, mas de História.

16. Foi um aluno médio, bom ou muito bom durante os tempos universitários? Fazia parte dos mais calados ou dos mais participativos?

Sabe como é que os meus colegas me chamavam? "Três Vintes", que era uma marca de tabaco. Havia os "Definitivos", os "Provisórios" e os "Três Vintes". E eles chamavam-me o "Três Vintes". (risos) Não digo mais nada.

17. Chega perfeitamente. (risos) E diga-nos, era dos mais calados ou daqueles que falavam mais nas aulas e intervinha?

Um dos professores que mais admirei foi o professor Ricardo Quadrado [FCUL], de cristalografia. Num exame, deram-me um problema que era insolúvel, porque tinha dados incompatíveis. Eu descobri e o professor da disciplina fez-me um sorriso assim (expressão cínica) que eu pensei "Estou tramado". Mas o Ricardo Quadrado, que era Assistente, sentou-se ao meu lado e disse-me "Então, explica-me lá o teu raciocínio". E eu expliquei. E ele chamou o professor [da disciplina] de lado e obrigou-o a mudar os dados. Portanto, eu não era calado. Por isso, fui para a associação [de estudantes] e fui expulso da universidade em 1962. Completam-se agora os 60 anos desde 1962. E os anos em democracia ultrapassam os anos em ditadura. Vai ser um ano interessante.

18. No tempo em que foi estudante, seguramente muitos professores, de uma forma ou outra, tiveram impacto em si. Se pudesse escolher apenas um dos professores que mais o influenciou nessa altura, quem escolheria? Não tem de ser da licenciatura, pode ser alguém ao longo da sua vida.

(Muito pensativo) O [Pinto] Peixoto era, talvez, aquele, digamos, mais cientista. O Flávio Resende [FCUL] era muito bom, mas, se tivesse que escolher um, escolheria o Ricardo Quadrado. No último Scientific American, podem ver que, se pegarmos na "árvore genealógica" dos matemáticos com medalhas Fields, que é o equivalente ao Nobel da matemática, [estas] estão concentradas em alguns grupos [restritos]. Ele foi a primeira pessoa que me falou nessa questão da "hereditariedade", e não é no sentido familiar do termo, mas no sentido de herdares o melhor de cada pessoa. Ele falou no [August] Kekulé, que tinha uma série de químicos [em seu redor]. Era o homem do benzeno, da célebre história de que sonhou com o anel do benzeno e percebeu que o C6H6 era um anel e não uma cadeia. A gente tem de aprender com quem sabe e, quando aprende com quem sabe, pode dar o salto.

19. Ainda nesta linha, tem algum geoídolo?

[John Graham] Ramsay. O Ramsay. Gosto do [Émile] Argand, mas eu nunca conheci o Argand, morreu antes de eu nascer. Mas com o Ramsay estive no campo.

20. Ou seja, se tivesse um póster lá em casa com um geólogo, era o Ramsay.

Sim, sim. Tenho a fotografia dele dentro do livro "Folding and Fracturing of rocks". Sabe onde tirámos uma fotografia, nós e os colegas do Porto? Há uma praia, na Foz, a Praia dos Ingleses (risos) [por altura do Encontro do Grupo de Geologia Estrutural em 2008].

"eu, enquanto for vivo, vou para o campo."

21. Na altura, nós aproveitámos e tirámos logo uma fotografia com ele também. E qual é a sua publicação na área das Geociências favorita? Pode ser livro, artigo, carta, o que quiser. Só uma.

Cartas, é a da Carrapateira [1:50.000, 48-D, Bordeira]. Livros, é aquele: (apontando) o Soft Plate and Impact Tectonics [livro do próprio; 2002]. Deu imenso gozo fazer. E devo acrescentar aqui uma coisa, que o editor do livro, da Springer, foi excecional comigo. Excecional. Porque isto é uma tese muito controversa. E só me pediu um capítulo sobre mecanismos de deformação, que eu pedi ao António Mateus [FCUL] para escrever e que ele fez. De resto deu-me uma liberdade enorme. Já morreu, chamava-se Wolfgang Engel, um colega de Göttingen [Alemanha], fizemos excursões juntos aqui na costa vicentina e vários sítios.

22. Conte-nos os problemas que teve por causa deste livro.

Não me deixavam publicar os artigos e eu resolvi escrever o livro. Não me iam parar. Este problema põe-se mais do que a gente pensa. Se forem ver um livro de um grande físico e cosmólogo, chamado Lee Smolin, especialista do que eles chamam "loop quantum gravity", gravidade quântica de laços - não é cordas, é laços, esse outro é o [Carlo] Rovelli - ele [Lee Smolin] tem um livro chamado "The trouble with Physics" [: The Rise of String Theory, the Fall of a Science, and What Comes Next, 2006], que conta a história de um indivíduo que tinha ideias muito próprias sobre a mecânica quântica, que é um problema muito mais sério do que isto, e não o deixavam publicar. E houve um professor, o Dennis Sciama [1926-1999], cosmólogo de Cambridge - sabe onde é que aparece o Dennis Sciama?, aparece naquele filme do Stephen Hawking, porque estava no júri de doutoramento do Stephen Hawking [era orientador]. E o Dennis Sciama disse a um colega, o [Antony] Valentini [seu aluno de doutoramento], tem um nome italiano, mas é inglês, "Se não o deixam publicar, faça um livro". Eu tive que aprender à minha custa aquilo que o Valentini aprendeu com o Dennis Sciama, porque a mim ninguém me disse "Olhe, não consegue publicar, escreva um livro". Onde eu apresentei pela primeira vez, assim em grande, esta ideia da deformação interna das placas foi justamente na sessão de jubilação do professor Ramsay, em Zurique. E eu fiquei para penúltimo, porque eles já sabiam que aquilo iria dar conversa. Foi uma honra enorme. Ele publicou o abstract, no livro de atas, mas eu quis publicar no Journal of Stuctural Geology e os referees rejeitaram. Hoje há americanos, o [Richard G.] Gordon e companhia, que dizem que se a litosfera oceânica arrefece num campo de tensões tridimensional, tem que deformar. Não me cita, mas eu cito-o a ele.

23. Eu acho que também sabemos esta, mas pode ser que surpreenda: o que mais gostou de fazer?

Como eu fui expulso da universidade, não era aceite na academia. O meu passaporte estava marcado, eu fui impedido de sair do país, a seguir à minha expulsão da universidade, porque tinha ficha na PIDE. Em 1962. Fui expulso por estar na greve da fome. O presidente da RIA [Reunião Inter-Associações] era o Jorge Sampaio. Fui então trabalhar para os Serviços Geológicos, que estavam sob a Direção-Geral de Geologia e Minas. Eu era o geólogo que mais bem conhecia as minas portuguesas, a geologia. O Engenheiro de Minas era o diretor-geral, o Engenheiro Soares Carneiro, que conhecia as minas todas. Se o Einstein passou uns anos no ofício de patentes, fazendo qualquer coisa de útil, para além daqueles cinco artigos de 1905, que vieram dar o resultado que deram, eu fiquei muito contente por fazer o trabalho das minas. Tenho muito orgulho em ter feito parte da equipa que descobriu Neves Corvo, que se converteu numa fonte de rendimento muito importante para o Estado, milhões... deviam era reverter para o conhecimento da Geologia, mas não reverteram. Eu tive muito prazer no trabalho mineiro que fiz. Cheguei a descer em Valongo, sabe como é que descíamos lá? Era num cesto, eu e um colega, Bernardo Barbosa, do Fomento Mineiro, punham-nos dentro de um cesto com uma corda e descíamos os xistos de Valongo assim. Mas o trabalho de campo, de cartografia, é que me preenchia. O trabalho que fiz na Carrapateira, um levantamento na escala 1:5000, muito detalhado, muito trabalhoso, tive muito prazer. Cheguei a tomar banho às seis da tarde, quando não havia esta nortada, eu e o chauffeur, íamos para dentro de água.

24. Pois, outros tempos, naquela altura podiam ir largas temporadas para o campo...hoje em dia não deixam.

Nós fazíamos seis meses de trabalho de campo. Eram equipas, eu tinha um coletor e um chauffeur. O meu coletor era excecional, chama-se Júlio Barroso. Uma vez, sabe o que é que ele me cartografou? Uma figura de interferência, uma dobra em cogumelo. (esbracejando) Oh, oh! E eu peguei no lenço e expliquei-lhe como é que se formava aquilo. E depois fui ao campo com ele e aquilo estava impecável. Se eu tivesse feito o levantamento, não ficava melhor. Portanto, ele não sabia a teoria, mas [sabia observar]. (apontando com as mãos) Estive com ele em Timor e trabalhei com ele anos em Trás-os-Montes.

25. Iam temporadas e ficavam todo o tempo?

Passávamos o verão inteiro, mas vínhamos ao fim do mês, para fazer as folhas e essas coisas. Mas as semanas eram todas lá em cima no verão. Mesmo no verão de S. Martinho conseguia-se trabalhar. E, em Trás-os-Montes, maio é mau, sabe porquê? As searas tapam os afloramentos. Portanto, tem que se trabalhar o ano todo. Tenho um grande desgosto, é que o afloramento que eu mostrei ao professor Ramsay, hoje está debaixo de água, por causa da Barragem do Baixo Sabor.

"A gente tem de aprender com quem sabe e, quando aprende com quem sabe, pode dar o salto."

"Não me deixavam publicar os artigos e eu resolvi escrever o livro. Não me iam parar."  

26. O dos Gnaisses de Lagoa, que tem o ribeiro a passar, está debaixo de água agora?

Sim. É uma tristeza, aquele afloramento que é único na Península, e talvez até na cadeia varisca, ficou debaixo de água. Uma coisa que também gostei de fazer foi Geologia marinha. Descer ao Banco de Gorringe, fazer todo o flanco norte do Gorringe, desde os 5100 metros até aos 25 metros. E digo 25 porque eles no topo do Gorringe tinham muito medo das artes da pesca. Via-se o layering a 5000 metros de profundidade e, portanto, as hipóteses que se punham era um diapiro mantélico ou um bloco basculado. Um bloco balançado! O meu pai se estivesse aqui dava-me nas orelhas! E como se via o layering, é um bloco balançado. (esbracejando) Não é a serra de Sintra a 5000 metros de profundidade.

27. Já marcou férias propositadamente para um lugar porque queria ir lá ver algum afloramento, mas ocultou da família o verdadeiro motivo da escolha do destino?

Eu quando vou de férias, vou muito com a minha filha Cleia. Por exemplo, se estamos no Faial, subimos à Caldeira.

"Os carreamentos são como as cerejas, o difícil é encontrar o primeiro, os outros vêm logo a seguir."

28. Mas ela sabe que você quer ir, sabe de quem é filha...

Oiça, ela obrigou-me a subir à caldeira três vezes! A caldeira é uma coisa excecional. A vista da caldeira, você vê o Pico, vê São Jorge e vê a parte de baixo do Faial. Quanto à caldeira, ela disse-me "Oh pai, eu quero lá voltar". Pode-se conciliar. Também já passei férias na Costa Vicentina e é impossível não olhar para as rochas. Gosto de ver o pôr-do-sol, no Castelejo ou no cabo de São Vicente. Marquei as férias já, em agosto, para Vila do Bispo, com a minha filha. Não a obrigo a ver rochas, mas se vier a propósito...

29. Quando decidiu ser geólogo e se tornou geólogo, à pergunta "o que é que fazes da vida", houve assim alguma resposta caricata de amigos à resposta "sou geólogo"?

Não tive, a minha família sabia que o meu pai era geógrafo e isso já era meio caminho andado para saberem o que seria a Geologia. Eu acho que até as pessoas mais próximas perceberam que eu ia para Geologia, não para ganhar dinheiro, para isso teria ido para a Geologia do petróleo ou Geologia mineira, mas eu fui para tectónica, perceberam que havia até uma certa ligação com os sismos, porque quando havia sismos, era por vezes chamado à televisão. Percebiam que era uma coisa útil e que seria um [bom] campo de atividade [profissional].

30. Para finalizar, conte-nos um evento ou momento marcante na sua carreira, pode ser positivo ou negativo, mas que o tenha marcado.

(Longo silêncio). Timor. Temos lá uma unidade, uns calcários do Miocénico, são calcários muito maciços, vemo-nos à rasca para chegar lá ao cimo, quase que batemos com os joelhos no queixo. Não é o ponto mais alto, mas quase. Subimos e o que é que vemos em cima dos calcários miocénicos? Camadas de argilito vermelho com "rosalinas" [foraminíferos], que eu conhecia dos Alpes, do Cretácico Superior. As argilas vermelhas dos grandes fundos, com calcários pelágicos, cheios de pressure-solution. Só há uma explicação possível: tem que ser um klippe. Para mim foi como o Marcel[-Alexandre] Bertrand [1847-1907] quando descobriu os mantos de Glarus [Alpes], que é uma coisa espetacular, o calcário milonítico vê-se na paisagem. Os carreamentos são como as cerejas, o difícil é encontrar o primeiro, os outros vêm logo a seguir. Outro foi o carreamento da Carrapateira. Quem vivia lá era o engenheiro Mariano Feio [1914-2001], um engenheiro civil, que fez paleontologia na Alemanha, foi ele que descobriu os fósseis de Mértola, Posidonia becheri [um bivalve do Carbónico], e foi assistente do meu pai de geomorfologia. Vivia no Alentejo, mas tinha aquela casa na Carrapateira e tinha publicado um trabalho com o [Augustin] Lombard onde falavam de umas falhas normais. Eu fui vê-las com ele e eram, na realidade, um carreamento horizontal e as falhas eram inversas. Publicámos um trabalho juntos sobre o carreamento da Carrapateira.  


Geomanias

Rocha preferida? Eclogito

Mineral preferido? Onfacite (risos)

Fóssil preferido? Lingulella [braquiópode]

Unidade litostratigráfica preferida? (silêncio) Milonito calcário no carreamento de Glarus [Alpes Suiços]

Era, Período, Época ou Idade preferido? Não tenho. Gosto de todas. Sou poligâmico. (risos)

Trabalho de campo ou de gabinete? Completam-se... não posso escolher. 

Martelo ou microscópio? Martelo 

Amostra de mão ou lâmina delgada? Amostra de mão

Carta Geológica favorita? Carrapateira [1:50.000, Bordeira, 48-D]


Pedra mole ou pedra dura? Pedra Dura. (sorriso) Mas as placas são soft...

Recursos minerais metálicos ou não metálicos? 

Metálicos

Crosta ou crusta? É indiferente. Uso as duas. Crusta é mais próximo do latim, crosta da linguagem corrente. Uma forma erudita e outra popular.


Teaser da Entrevista