Violeta Ramos

Maio 2025







PETROGRAFIA E GEOQUÍMICA

SÓCIA APG Nº O1350

Nascida no Porto e criada em Gondomar, o fascínio por vulcões e dinossauros levou a melhor. Apaixonada por petrografia, considera um privilégio ler as rochas ao microscópio. Já passou pelo Canadá, pelo betão e jazidas de lítio, estanho e tungsténio e agora caracteriza materiais geológicos da Cornualha na Universidade de Exeter, Inglaterra.

" (...) Gosto muito de estar ao microscópio, identificar os minerais e identificar as rochas, acho que é um privilégio saber ler as rochas, saber interpretar."

Fomos ao encontro da Violeta num dia chuvoso de julho, talvez para condizer com a Inglaterra que a tem acolhido nos últimos anos. Tivemos de esperar por mais de 40 entrevistas para finalmente termos uma vítima dos fascículos de dinossauros da Planeta DeAgostini. Ei-la, e bem-vindos à geração de 80! Nascida e formada no Porto, aluna aplicada, mas discreta, foi ainda durante a licenciatura que percebeu que ler rochas ao microscópio é um privilégio maior. Depois de projetos com nomes sofisticados e estágios não remunerados (viva o glamour académico!), mergulhou num doutoramento sobre betão (astronautas e outras profissões sexy, cuidado!). Seguiram-se aventuras no Canadá e em Inglaterra, onde o maior desafio foi conseguir que alguém lhe dissesse "bom dia". Dá-se melhor com granitos do que com PowerPoints, é tímida em palco, mas feroz ao microscópio. Depois do Andor ou dos Ornatos, venham conhecer esta outra Violeta, ninja da petrografia, de contrato em contrato, mas que, ainda assim, não está a contar os dias para o fim de semana.


Entrevista 

Num jardim no Porto, julho de 2024


1. Nome, data e local de nascimento.

Violeta Isabel Monteiro Ramos. Nasci a 21 de maio de 1981, na cidade do Porto.

2. Conte-nos, de forma simples, para leigos, o que faz profissionalmente?

Faço investigação na Camborne School of Mines, na Universidade de Exeter, em Inglaterra. Faço caracterização de materiais, desde materiais usados para a construção civil, a de sedimentos afetados pela atividade mineira na Cornualha. Essencialmente, é isso.

3. Em que ano e onde ingressou no curso de Geologia?

Ingressei no curso de Geologia no ano 2000, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.

4. O que a levou a seguir Geologia?

Sempre gostei imenso da disciplina de Ciências da Vida e da Terra, adorava a matéria sobre vulcões, sismos, o universo… Acho que o gosto nasceu aí. (risos) Também gostava de dinossauros e de colecionar aqueles fascículos que vendiam nos quiosques ["Dinossauros", Planeta deAgostini, 1994], e acho que foi isso que me levou a escolher Geologia, a ser geóloga. Aqueles fascículos com óculos 3D e o Tyrannosaurus rex fluorescente para montar. (risos)

Queima das Fitas, Porto, 2007 [à direita].

" (...) acho que foi isso que me levou a escolher Geologia (...) Aqueles fascículos com óculos 3D e o Tyrannosaurus rex fluorescente para montar. (risos)"

5. Tem na família alguém ligado à Geologia?

Tenho um primo que é casado com uma geóloga, um bocadinho mais velha do que eu, por isso, estava consciente que seria uma profissão. Mas eu só decidi mesmo ser geóloga no 12º ano, acho que estava ali dividida entre biologia e Geologia. Mas depois de ter a disciplina de biologia no 12º ano disse, "Não, não é isto, é Geologia de certeza". (risos) Eu venho de famílias ligadas à ourivesaria, tanto do lado do meu pai como da minha mãe, mas eles nunca perceberam porque é que eu escolhi Geologia. (risos) Acho que também isso influenciou o meu gosto pelos minerais e pelas rochas. A minha família estava mais ligada ao fabrico de jóias de ouro e prata, às vezes com alguns brilhantes, com algumas pedras. E sempre admirei o trabalho, ainda que depois na minha família não fizessem a conexão e percebessem a importância da Geologia. E eu dizia, "Não vão buscar o ouro à contrastaria, o ouro vem de algum lado!"

6. Então como reagiram à sua escolha de seguir Geologia?

Ficaram desiludidos. Estavam à espera que escolhesse algo que a sociedade valorizasse mais. Sempre que sou confrontada com um término de um contrato, dizem sempre, "Estás a ver? Porque é que escolheste isto?". (risos) 

7. Nos tempos em que foi estudante universitária, foi uma aluna média, boa ou muito boa?

Era boa aluna, mas tímida, não era muito de fazer perguntas nas aulas, tentava passar despercebida. (risos)

'A minha família estava mais ligada ao fabrico de jóias de ouro e prata (...) E eu dizia, "Não vão buscar o ouro à contrastaria, o ouro vem de algum lado!"'

8. E, além das aulas, envolveu-se em algumas atividades académicas ou em coisas como a associação de estudantes?

Nessas atividades académicas nunca me envolvi. Às vezes ajudava na mostra da UP [Universidade do Porto], a divulgar o curso de Geologia. Mas jogava voleibol num clube em Gondomar – onde vivia – e que ocupava muito o meu tempo, por isso não me pude dedicar a muitas atividades extracurriculares na Universidade.

"(...) os momentos mais marcantes foram as duas vezes que tive de sair de Portugal, primeiro para o Canadá e depois para Inglaterra. Foi algo que me obrigou a crescer muito, pessoalmente, e foi difícil"

9. Qual foi a disciplina que mais gostou durante o curso e quem é que a lecionou?

Acho que a disciplina que gostei mais foi Petrologia Ígnea. Não só porque adorava a temática, mas também porque foi a disciplina onde aprendi a identificar minerais e rochas ao microscópio, e é isso que eu gosto mais de fazer, petrografia. É a minha especialidade. A disciplina era dada pelo doutor Eugénio Correia e as aulas práticas pelo doutor Benedito Calejo [Rodrigues].

10. Qual o primeiro trabalho na área da Geologia?

O meu primeiro trabalho foi como bolseira no projeto do 'Passeio Geológico da Foz do Douro'. Eu era monitora no Centro Interpretativo e ajudava a preparar material de divulgação. Infelizmente esse projeto, naqueles moldes, está em standby [as visitas de campo continuam a decorrer]. Não era por falta de interesse das pessoas, porque lembro-me no mês de maio, acho que foi em 2009, fiz visitas todos os dias, sábados, domingos, feriados, sempre. Custa-me muito passar no centro interpretativo e ver a porta fechada. Antes deste primeiro trabalho, imediatamente após a licenciatura, que na altura era de 4+1 anos (pré-Bolonha), fiz um estágio profissionalizante no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, em Lisboa, onde estudei problemas geotécnicos associados a áreas mineiras degradadas. Gostei muito da experiência, mas não foi remunerado. (risos) 

Visita à Mina da Panasqueira, no âmbito do projeto H2020 FAME

11. E como foi o seu percurso profissional após o primeiro trabalho?

Comecei o doutoramento. A temática foi na degradação do betão, nas reações álcalis-agregado, e foquei-me no uso de agregados graníticos, vulcânicos e também carbonatados. O doutoramento durou quatro anos e foi cá em Portugal, na Universidade do Porto. Depois, tive oportunidade de ir fazer um pós-doc na Universidade de Laval, na cidade do Québec [Canadá], também focado na degradação do betão. Estive lá um ano, gostei muito de trabalhar lá, aprendi imenso, mas depois o contrato acabou, eles não tinham dinheiro e voltei a Portugal. Tive de me focar numa área um bocadinho diferente, a da Geologia Económica. Estive a estudar jazigos de lítio, estanho e tungsténio - jazigos europeus - num projeto chamado FAME, um projeto Horizonte 2020. Isto durou três anos, tudo na Universidade do Porto. (risos) Depois, trabalhei num projeto Interreg, com Espanha, também em mineralizações de tungsténio e estanho, onde estive cerca de oito meses – o contrato era de um ano. E foi nessa altura que surgiu a oportunidade de ir trabalhar para a Camborne School of Mines [Inglaterra], outra vez na área da degradação do betão. Era um contrato de três anos e em Portugal nunca tive um contrato, eram sempre bolsas. Então disse, "Não posso perder esta oportunidade". Mudei-me para Inglaterra, estive três anos nesse projeto, que era outro projeto Interreg, com França. O projeto terminou ao fim de quatro anos, porque prolongaram o projeto devido à pandemia COVID-19, e depois estive nove meses num outro projeto ligado aos resíduos mineiros nas zonas costeiras de Inglaterra. Esse projeto terminou agora em março [2024] e neste momento estou num projeto de um ano, também para estudar sedimentos, águas e plantas afetadas pela atividade mineira na Cornualha.

Em Boscastle, Cornualha (Reino Unido)

'(...) Quando o projeto está a acabar, começo logo a pensar, "O que é que vai ser de mim"?'

12. Tem estado, portanto, afeta e contratada através de diferentes projetos?

Sim, eu sou contratada para um projeto, o projeto tem uma data, tem uma duração limitada, e quando esse projeto acaba, o meu contrato acaba. Felizmente, tenho tido a sorte de logo a seguir arranjar outro contrato. Mas, claro, é sempre aquele stress, "O que é que vai acontecer daqui a uns meses?". Quando o projeto está a acabar, começo logo a pensar, "O que é que vai ser de mim"? (risos) E, felizmente, tenho tido a sorte de aparecerem novos projetos, e como estou na Universidade, concorrendo a uma vaga para algo lá, eles dão-me prioridade. Sendo uma pessoa que já trabalha internamente na Universidade, sou a primeira a ser entrevistada e, se eles gostarem de mim, já não entrevistam mais ninguém, o que é bastante bom. Podem não gostar de mim, claro. (risos)

13. E também dá aulas?

Não, isso é outra coisa que eu já discuti com eles. Por exemplo, em Inglaterra, um estudante de doutoramento tem direito a dar aulas, é o chamado "Monitor", mas os pós-docs não. E, quando tive uma entrevista para um desses projetos em que trabalhei, perguntaram-me se estava disponível para dar aulas e eu disse que sim, claro, mas que nunca me tinha sido dada essa oportunidade. Nem a mim, nem aos outros pós-docs. E disse que isso não era justo, porque um estudante de doutoramento acabava por ter um currículo muito mais rico em termos de docência, de oportunidade de dar aulas, do que um pós-doc. Eles disseram que iriam reconsiderar e já comentaram que iriam finalmente chamar os pós-docs para ajudar nas aulas. Eu até disse que nós nem tínhamos de ser os lecturers principais da disciplina, podemos ser só monitores, estar a ajudar. 

"Acho que tenho a sorte de gostar muito do que faço. Não me custa ser segunda-feira nem estou a contar os dias para que chegue o fim de semana."

14. Naquilo que é a sua vida profissional, qual é a atividade que mais prazer lhe dá?

Acho que tenho a sorte de gostar muito do que faço. Não me custa ser segunda-feira nem estou a contar os dias para que chegue o fim de semana. (risos) Mas acho que realço a microscopia, gosto muito de estar ao microscópio, identificar os minerais e identificar as rochas, acho que é um privilégio saber ler as rochas, saber interpretar.

15. E o que é que menos gosta de fazer, mas que acaba por ser necessário?

Fazer apresentações orais! (risos) Sou muito tímida. Exijo muito de mim. Se puder escolher o tipo de apresentação, escolho poster, sem dúvida! E é assim, com um poster acaba por haver mais interação, porque as pessoas abordam-nos diretamente e podem estar ali mais um bocadinho a discutir. Ou então tenho cinco minutos para ter o poster ali pendurado, mas ninguém aparece porque está tudo com fome e vai tudo para o coffee break. (risos)

16. E, em média, a quantos congressos vai por ano?

Pois, isto por causa da COVID-19 parou imenso. Mas, pelo menos dois por ano, diria, dois ou três. Há um mês estive no Canadá, em dois congressos, e dentro de três semanas [Julho, 2024] vou para outro em Dublin [Irlanda].

17. Há algum geólogo, contemporâneo ou não, que admire muito?

Tenho de dizer dois nomes, que foram os meus orientadores de doutoramento. A doutora Isabel Fernandes e o professor Fernando Noronha. Foram as pessoas com quem aprendi mais e continuo a aprender, felizmente.

18. Qual a sua publicação favorita na área das geociências?

A referência será a tese de doutoramento da professora Isabel Fernandes, que serviu de base para a minha tese de doutoramento. Foi um estudo de agregados graníticos, em relação às reações álcalis-agregado em Portugal [Caracterização petrográfica, química e física de agregados graníticos em betões: Estudo de casos de obra, 2005].

'(...) "Qual é a tua profissão?", e eu disse geóloga, "Geologist? Boring!" (risos)".

19. Conte-nos qual o momento mais marcante da sua carreira.

No plural, os momentos mais marcantes foram as duas vezes que tive de sair de Portugal, primeiro para o Canadá e depois para Inglaterra. Foi algo que me obrigou a crescer muito, pessoalmente, e foi difícil. Da segunda vez, pensei que ia ser mais fácil, "Ok, já fui para o Canadá e correu bem". Os primeiros quatro meses tinham sido muito complicados, tinha muitas saudades de casa, pensei que ia desistir. Então, quando fui para Inglaterra, pensei, "Isto vai ser mais fácil", mas cheguei lá e foi muito complicado. (risos) Mas pronto, tem de se ter um bocadinho de força de vontade, paciência, dar tempo ao tempo.

20. Qual foi a maior dificuldade, por exemplo, quando foi a segunda vez, para Inglaterra?

Foi o ambiente na universidade, as pessoas são muito diferentes. Eu chegava ao gabinete, era um gabinete de estudantes de doutoramento, e dizia, "Olá, bom dia!", e ninguém respondia. E quando ia embora, dizia, "Até amanhã!", ninguém respondia. (risos) E lembro-me de ligar aos meus pais e dizer, "Pai, mãe, daqui a duas semanas vou deixar de saber falar, a única pessoa que fala comigo é quando eu vou à cantina e me perguntam o que é que eu quero comer. É a única vez que eu falo". (risos) As pessoas inglesas são simpáticas, mas é assim tudo muito superficial. Eles perguntam, "Olá, tudo bem?", mas não passa daquilo, é do género, dou-te dois minutos para falares e depois acabou. Mas depois vamos vendo que estão ali pessoas em situações semelhantes às nossas, há outros estudantes internacionais, vão-se fazendo amizades com essas pessoas e depois as coisas vão ficando mais fáceis. Quando me mudei, pensei, "Vou para Inglaterra, vou conhecer muitas pessoas, fazer muitos amigos", tinha expectativas muito altas. E, portanto, tive de aprender a gerir as minhas expectativas. (risos) Felizmente, no Canadá, tinha lá a Andreia Rodrigues, que também é geóloga e que também tirou o curso na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, e que estava a tirar o doutoramento – ainda continua lá, como pós-doc. Ela facilitou-me muito a vida. Eu não tinha sítio para viver e ela ofereceu-se logo, "Violeta, vens viver comigo até arranjares casa!". Eu conhecia-a de vista, não era amiga dela, mas ela tornou-se uma excelente amiga.

No European Mineralogical Conference, 2016, Rimini, Itália.

21. E diga-nos assim um momento que tenha sido embaraçoso, complicado ou um falhanço.

Vou contar uma situação que acho que é engraçada. Quando vivia no Canadá, decidi ir de férias aos Estados Unidos [da América], porque estava ali perto, achei que devia aproveitar. Viajei para Nova Iorque, de avião, e tive de passar no controlo de fronteiras e o polícia fez-me muitas perguntas. Então, perguntou-me, "Qual é a tua profissão?", e eu disse geóloga, "Geologist? Boring!" (risos) E disse, "Quase tão divertido como a minha profissão aqui no aeroporto. Next!". Claro, eu desatei-me a rir, e ao mesmo tempo fiquei triste, não é só em Portugal que os geólogos não são valorizados.

22. Se pudesse viajar no tempo geológico e assistir a um evento concreto, qual é que escolheria?

Gostava de ir à erupção do Vesúvio, em 79 d.C., só pela espetacularidade do evento, não pela destruição que causou. (risos) 


Intraclasto

A coleção de geosouvenirs

Como intraclasto, a Violeta trouxe-nos uma parte da sua coleção de rochas e minerais, mais especificamente algumas das suas amostras favoritas, que familiares e amigos lhe vão trazendo de viagens e férias várias (há mundo para lá dos ímanes!). É o caso da amostra de larimar, uma variedade de pectolite apenas encontrada na República Dominicana, uma rosa do deserto do Egito, ou um vulcanito do deserto do Nevada. Conhece a Violeta e vai a algures de férias? Traga-lhe algo!

"Pois, eu não sabia muito bem o que é que havia de trazer, mas gosto muito quando as pessoas viajam e me trazem um mineral ou uma rocha, para a minha coleção, e fico muito sensibilizada com esse tipo de presente, porque normalmente são pessoas que não ligam à Geologia, que vão de férias e trazem-me uma recordação. Por exemplo, a minha irmã foi de lua de mel à República Dominicana e trouxe-me larimar,  uma tia que me trouxe um vulcanito do deserto do Nevada, um primo meu que me trouxe uma rosa do deserto do Egipto, e fico muito feliz quando me trazem esse tipo de recordação". 


Geomanias

Rocha preferida? Granito

Mineral preferido? Quartzo

Fóssil preferido? Trilobite

Unidade litostratigráfica preferida? Formação Bateiras

Recursos minerais metálicos ou não metálicos? Não metálicos

Era, Período, Época ou Idade preferido? Paleozoico

Trabalho de campo ou de gabinete? Laboratório! (risos)



Martelo ou microscópio? Microscópio

Pedra mole ou pedra dura? Dura

Esparrite, Esparite, Sparite ou sparrite? Esparite e 'sparite' em Inglaterra.


Teaser da Entrevista