João Duarte
Novembro 2024
TECTÓNICA
SÓCIO APG Nº O1518
Chega-nos de Torres Vedras, onde começou a interessar-se pelas coisas do passado e do subsolo. Hoje é professor e investigador na Universidade de Lisboa, onde tenta descobrir quais as forças que fazem mover as placas tectónicas. Gosta de trabalhar com pessoas que possam ser seus amigos e vive no limite divergente Geologia/música.
"(...) Porque há, de facto, alguns seres humanos que estão noutro campeonato. Isto não é só para a ciência, como na música temos o Mozart, na ciência temos o Einstein, no desporto… esse brilhantismo sem esforço nenhum. (...) E eu sempre tive algum fascínio por estas pessoas e sempre gostei de aprender com elas"
Fomos ao encontro do João na terra que o viu nascer,
crescer e escavar nos tempos do Espeleo Clube de Torres Vedras. Foi assim que
se interessou primeiro por dinossáurios e foi num comportamento gregário, como o
deles, que acabou na Geologia. Mas rapidamente quis perceber em que ambientes
viviam e destes para a deriva dos continentes e a tectónica de placas foi um instantinho geológico. Hoje é professor na
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e tenta perceber quais são as
forças que fazem mover as placas tectónicas. Disseram-lhe
que devia ser músico e talvez por isso sinta um fascínio pelos grandes
cientistas, ídolos pelos quais se deixou "infetar", como as placas tectónicas se
deixam pelas zonas de subducção que estuda. De Lisboa para Évora, de Évora para a
Austrália, voltou onde começou, mas voltou outro. Não sabemos bem qual o slab-pull
do João, mas é dos bons: colocou-o várias vezes mais à frente do que
era suposto, mas não o deixou subductar. Venham conhecer este cientista-punk, dividido entre as ondas
sísmicas e as ondas sonoras e para quem nada bate o ser maestro de quem agora
se inicia nestas lides científicas.
Entrevista
Torres Vedras, julho de 2023
1. Nome, a data e o local de nascimento.
O meu nome é João Duarte, nasci a 27 do oito de 1981, em Torres Vedras.
2. Conte-nos, como se fosse para leigos, o que faz profissionalmente.
Sou geólogo e tento compreender a dinâmica da tectónica de placas. A teoria da tectónica de placas é uma teoria relativamente recente, uma teoria unificadora das ciências da Terra sólida e, no seu início, nos anos 60 e 70 [século XX], era uma teoria essencialmente de cinemática. Descrevia como é que a superfície do planeta se movia e como é que se deformava. Mais recentemente, nós, comunidade, temos vindo a entrar numa nova fase, que é tentar perceber quais são as forças que fazem mover as placas, no contexto, até, da própria convecção do manto. Ou seja, não as placas, a duas dimensões em cima de uma esfera, mas como é que a tectónica de placas se integra com a própria convecção do manto. Para isto, fazemos desde observações, que é a minha veia mais de Geologia marinha, de ir para o mar recolher dados do fundo do mar, e fazemos modelação, quer experiências em laboratório e, mais recentemente, experiências computacionais. Eu comecei com a paleontologia, a escavar dinossáurios, e comecei a interessar-me pelos ambientes em que os dinossáurios viviam. Depois percebi que os continentes estavam em sítios diferentes e que não iria perceber isso sem perceber tectónica. E foi por aí. Portanto, gosto de trabalhar no sistema Terra, de ligar e tentar perceber as implicações da tectónica de placas para o clima, para a vida, perceber depois como é que a própria vida e o clima podem influenciar a tectónica de placas, ao longo da história da Terra. Obviamente estou especializado numa área, mas tento, sempre que possível, ligar-me com especialistas doutras áreas, para desenvolver investigação neste tema.
3. Em que ano e onde é que ingressou no curso de Geologia?
Eu entrei para o curso de Geologia precisamente na mudança do milénio, no ano 2000, na Universidade de Lisboa.
4. Conte-nos o que é que o levou para a Geologia.
A minha ligação com o campo começou quando era miúdo.
Os meus pais levavam-me muitas vezes para atividades no campo. Mas, talvez, um
dos momentos-chave foi quando entrei para os escuteiros, quando tinha
oito anos. E, a partir daí, comecei a ir quase todos, ou muitos, fins-de-semana
para atividades no campo e muitas vezes acampar. E sempre, nessas ocasiões,
havia o fascínio quando encontrávamos uma gruta, fazíamos escalada ou víamos os
fósseis. Portanto, tínhamos esse contacto com a natureza e na zona de Torres
Vedras, onde eu vivia, esse contacto acontece muito. Mas eu lembro-me
perfeitamente das grutas. Saíamos da escola e íamos para as grutas. Depois,
quando tinha 14 anos, entrei para o Espeleo Clube de Torres Vedras e apaixonei-me
pela espeleologia. E começámos também a fazer algumas atividades paralelas,
como, por exemplo, escavações arqueológicas e paleontológicas nas grutas.
Porque as grutas têm, muitas vezes, material paleontológico, mais recente [Neogénico/Quaternário],
não são dinossáurios. Normalmente, estas atividades eram coordenadas pela
Câmara Municipal, mas em ligação com universidades ou com institutos. Lembro-me
que quando tinha 14 anos, uma das primeiras coisas que fiz foi a escavação
arqueológica no Castro do Zambujal, acho que foi o meu primeiro salário. Catorze
anos, adolescente, e o meu pai levou-me às escavações e disse "Não gostavas de
vir para aqui escavar?" (risos) E eu fui e confesso que algures até ao
décimo ano estava um bocadinho indeciso entre a arqueologia e a paleontologia. Não
que eu soubesse o que queria fazer, mas era o que eu fazia e que gostava muito.
Era quase algo óbvio que seguiria essas vertentes. Também não desgostava da biologia,
mas estava indeciso entre a arqueologia e a Geologia. Depois, na passagem do
nono para o décimo ano, lembro-me de fazer alguns testes psicotécnicos e de me
aperceber que gostava mesmo muito de ciências.
"Eu comecei com a paleontologia, a escavar dinossáurios, e comecei a interessar-me pelos ambientes em que os dinossáurios viviam. Depois percebi que os continentes estavam em sítios diferentes e que não iria perceber isso sem perceber tectónica."
Em criança, como escuteiro [à esquerda] e numa escavação no Castro do Zambujal, em 1994 [à direita].
5. No secundário continuou a fazer escavações, houve essa oportunidade?
Sim, no secundário foi quando participei em mais escavações e, nessa altura, começámos a estabelecer contactos com universidades, em particular com a Universidade de Lisboa, e a estar com pessoas que já estavam a estudar Geologia, alguns no segundo e terceiro anos, que começaram a vir para as escavações. Isto era muito à base de voluntariado, de campos de trabalhos de jovens e até campos internacionais. Eram organizadas pelo Espeleo Clube de Torres Vedras, que é uma associação. Depois tínhamos estes campos de trabalhos internacionais, que muitas vezes tinham o apoio do Instituto Português da Juventude, por via da Câmara, e era possível candidatarmo-nos a financiamento. Nós tentámos ligar-nos com as universidades, mas percebi que as universidades, naquela altura, não estavam muito preparadas para trabalhar com amadores. Nós éramos espeleólogos, mas o trabalho que fazíamos na arqueologia e na paleontologia era semiamador. Na parte da arqueologia havia uma ligação forte com o Instituto Arqueológico Alemão de Madrid, que, na altura, estava a estudar o Castro do Zambujal.
6. E que alunos de Geologia é que conheceu nessa altura, quando estava ainda no secundário e a fazer as escavações?
Houve vários. Assim, de repente, lembro-me do Duarte Soares, do Pedro Silva – era um bom ilustrador –, o Bruno Piteira ou a Filipa Marques, que depois foi para a parte dos recursos. Lembro-me de os ter conhecido antes e depois, nos primeiros anos na universidade, consolidou-se essa ligação.
7. Nessa fase, a Sociedade de História Natural de Torres Vedras ainda não se tinha formado?
O Espeleo Clube era um clube de espeleologia e, a determinada altura, começou a diversificar-se um pouco: havia a parte da fotografia, a parte mais cultural, e começou a criar-se a secção de paleontologia e arqueologia, com o Bruno Silva e o Lecas, o filho do Leonel Trindade. O meu melhor amigo era o irmão do Bruno Silva, o Nuno Silva, e eles fundaram, na altura, a Associação Leonel Trindade, que depois mais tarde se transformou na Sociedade de História Natural. Portanto, percebeu-se que fazia sentido criar uma associação só ligada à arqueologia e paleontologia e, a determinada altura, eles focaram-se completamente na parte da paleontologia.
8. Quem é que estava à frente do Clube de Espeleologia, ou quem é que era a pessoa que dinamizava mais as coisas?
No grupo de espeleologia eram outras pessoas, mais velhas. Lembro-me que o presidente era um senhor chamado [Carlos] Bartolomeu, havia um Daniel Abreu e também o Adriano [Germano].
9. Alguém tinha formação universitária?
Ninguém tinha formação científica. Todos tinham já
feito cursos de espeleologia, grau 3, às vezes espeleo-socorro, e havia também
quem tivesse feito cursos de espeleologia em França. Diria que eram técnicos.
Eu lembro-me que o Emanuel [Carvalho] era técnico de arqueologia e
trabalhava no Instituto Português de Arqueologia [IPA]. E, portanto, era muito
nesse nível que nós andávamos.
10. O senhor José Joaquim já andava a apanhar fósseis nessa altura?
Conheci o senhor José Joaquim na altura em que toda a gente o conheceu! (risos) Quando estávamos a escavar em Porto Novo, entre Santa Rita e Porto Novo, um dinossáurio que encontrei com o Bruno Piteira, o senhor José Joaquim veio ter connosco. Ele, ao princípio, era muito desconfiado. Era pescador e quando descia e subia a arriba encontrava ossos de dinossáurio. E começou a encontrar muitos e muitos e muitos em toda a costa, desde Cambelas a Porto Novo. E começou a achar curioso e a arrastar colegas dele para escavações, aliás, nem eram escavações, muitas vezes era diretamente nas arribas, iam retirar os ossos que iam caindo. Ele começou a acumulá-los numa garagem e uma das vezes que estávamos a escavar, ele foi lá dizer, "Ah, eu também gosto disto e de vez em quando vou com os meus colegas e tenho ali uns ossos numa garagem". E quando chegámos lá tinha três ou quatro dinossáurios quase inteiros, milhares e milhares de ossadas, muitos incompletos, mas ele tinha ali dezenas e dezenas de dinossáurios. Dois ou três, lembro-me, nem eram muito grandes, mas estavam praticamente completos.
"Há uma coisa que eu sempre senti, é que eu gostava de estar com pessoas que me pudessem ensinar. E sempre tive um fascínio pelos grandes cientistas."
"(...) muitas vezes pensava que provavelmente nem iria para a universidade. (...) Eu adorava o que fazia, mas, para mim, aquele tipo de trabalho podia ser feito de forma amadora, a nível local, com as câmaras municipais."
11. Acha que na
altura, olhando agora para trás, se apercebeu naquele momento o que é que
estava a acontecer, com essas descobertas?
Eu estava entusiasmado, mas confesso que, naquela altura, não fazia a mínima ideia do que era o mundo universitário. Lembro-me, inclusivamente, de que não pensava muito se ia para a universidade ou não, muitas vezes pensava que provavelmente nem iria para a universidade. Isto porque eu tinha um grupo de amigos, entre uns 20 a 30, e daqueles todos só dois é que fomos para a universidade. Não era normal, o ensino obrigatório era até ao nono ano e muitos dos meus colegas foram deixando a escola, muito cedo. Fomos muito poucos que chegámos ao 11º ano, e, portanto, na altura eu não tinha essa visão de o que é ser cientista. Eu adorava o que fazia, mas, para mim, aquele tipo de trabalho podia ser feito de forma amadora, a nível local, com as câmaras municipais.
12. O que é que o
levou, então, a seguir para a universidade?
Foram várias razões! Nessa altura, comecei a ter um conjunto de amigos e os que me eram mais próximos foram para a universidade e eu fui um pouco por arraste, achei que fazia sentido. Também me lembro de uma conversa que tive com os meus
pais em que eles me disseram "Queres ir trabalhar, queres ir estudar? Se
quiseres ir estudar nós pagamos-te um curso", e eu fui. E talvez por não haver
uma grande pressão, a opção foi sempre ir para aquilo que eu gostava mais, não
tinha aquela ideia, se calhar erradamente, de ir para um curso que tenha saídas
profissionais ou que me permita ganhar dinheiro o mais rapidamente possível.
Não! Eu fui simplesmente naquela de, já que posso fazer um curso, vou para
aquilo que eu gosto mais. Na altura também tinha acontecido dois ou três
colegas meus, rapazes e raparigas, terem ido para Geologia. Houve ali uma
altura que começámos a ficar um bocadinho dessincronizados, porque havia uns
que ficavam a fazer melhorias. Uma colega minha, que era a Ana Carina [Veríssimo],
tinha entrado no ano anterior ao meu, eu fiquei mais um ano no 12º a fazer
melhorias, e depois entrei eu e mais dois colegas, um que era o Manuel Caiano e
outro que era o Rui Miranda. Nós aqui em Torres [Vedras] tínhamos um pouco esse
espírito de clã, de grupo, de gang. Talvez não tivesse vindo para
Geologia, não teria ido sozinho, certamente, mas como os outros iam, era um no
brainer, como se diz.
Escavação em Porto Novo, 2003.
13. Entrou no curso e depois como é que se saiu ao longo dos anos: foi um médio, bom ou muito bom?
Houve uma evolução. Eu quando entrei lembro-me que não tinha as expectativas muito altas e lembro-me também que gostava de algumas coisas e não gostava de outras. Era um bocadinho seletivo. Em geral, eu não era um bom aluno, era um aluno médio-baixo, exceto nas disciplinas que gostava muito. E, muitas vezes, as disciplinas que gostava muito eram as que tinham professores que motivavam. Porque na altura eu tinha, talvez, uma ideia muito narrow, muito estreita, do que era a Geologia. Não fazia ideia do que eram as petrologias, o que eram as sedimentologias, o que eram as tectónicas, o que era a mineralogia, não fazia ideia nenhuma. A Geologia pré-universitária é simples. E havia muito pouco nos curricula, portanto eu não fazia ideia. E se eu via um bom professor numa disciplina que nos motivava, eu gostava. Quando isso não acontecia, eu tinha, confesso, alguma dificuldade em automotivar-me. E, portanto, fui um aluno bastante médio-baixo.
14. E quais é que foram as disciplinas que o cativaram?
Houve uma que foi logo no primeiro ano, a Geologia de Campo. Claro! (risos) Que era aquilo que eu já fazia e sabia fazer muito bem. E o meu professor foi o Filipe Rosas que, na altura, ainda estava a fazer o doutoramento. Ele na altura devia ter 30 anos, era novo, e eu estava quase a chegar aos 20. Portanto, não tínhamos uma idade muito diferente. E eu penso que ele na altura percebeu logo que, um, eu sabia mexer-me bem no campo, e dois, que eu gostava de ciência. E, portanto, demo-nos bem. Eu, às tantas, até o ajudava, como tinha aquela coisa de ter sido escuteiro, ajudava um bocado a organizar o grupo, estava sempre atento a quem é que ficava para trás, quem é que era preciso apoiar. Eu conseguia estar no campo e perceber o que é que era preciso em cada momento. E depois gostava de discutir ciência, com ele. Gostávamos muito de divulgação científica, líamos os mesmos livros de divulgação. Gostava de ler o Stephen Jay Gould, o Carl Sagan, lembro-me de ler "A Breve História do Tempo" do Stephen Hawking e, nessa altura, comecei mesmo a gostar de ciência. E foi talvez aí que eu comecei a gostar também da física. Isso levou-me depois um bocadinho para o lado da dinâmica e o Filipe gostava disso. E acabou por ser importante, porque um ano ou dois mais tarde cruzei-me com o Filipe e ele perguntou-me se eu queria ajudar no laboratório de tectónica, a fazer umas experiências com areia, e eu disse que sim. Na altura fiquei muito orgulhoso, "Epá ele convidou-me!", mas depois percebi que ele tinha convidado muitos alunos! (risos)
"Confesso que quando entrei para a universidade o meu sonho era voltar para Torres Vedras e ser geólogo em Torres Vedras. Para mim era tipo o topo da carreira. (risos)"
15. E quando ele o convida, já sabia o que era a modelação análoga?
Não fazia ideia, nunca tinha tido qualquer contacto com a tectónica, ou a tectónica de placas. Tinha o básico, da Geologia Geral. Mas isso levou-me a uma coisa que eu sempre fiz, e foi sempre o que eu tive em conta nas minhas decisões de carreira, que é trabalhar com pessoas de quem eu gosto e com quem eu gosto de trabalhar, e, acima de tudo, que possam ser meus amigos. Eu tornei-me amigo do Filipe, portanto, quando tive de decidir onde é que ia trabalhar, era com ele. Mas foi uma coisa um bocadinho menos pensada do que parece, à posteriori. Ou seja, eu comecei a trabalhar com ele, gostei e continuei até hoje. (risos) E, depois, houve um outro momento muito importante, que foram as aulas de Geologia Marinha. Entretanto houve uma reestruturação do curso [de Geologia], que levou uma nova roupagem e criaram-se um conjunto de disciplinas um bocadinho mais modernas. Talvez a parte da desmotivação anterior era porque havia um ensino muito clássico e, naquele ano, houve uma reestruturação e apareceram um conjunto de novas disciplinas. Uma delas foi Geologia Marinha e que tinha uma filosofia diferente. Em vez de ser uma disciplina dada por um professor, era uma disciplina partilhada por vários professores. Na altura tinha o professor Francisco Fatela, Fernando Barriga, Pedro Terrinha e João Cascalho. O [Filipe] Rosas não sei se nesse ano a estava a dar, provavelmente não estava. O professor Fernando Barriga era um excelente comunicador, mostrava-nos vídeos das explorações no fundo do mar. Foi quando apareceram os PowerPoints e os vídeos e multimédia, e eu lembro-me de ficar completamente maravilhado com aquilo. E houve, então, dois momentos: o momento Fernando Barriga e o momento Pedro Terrinha. O Fernando Barriga perguntou uma vez numa aula quem é que gostava de fazer investigação e, estranhamente, houve muita gente que pôs o braço no ar. E eu também pus o braço no ar, tipo "Eu gostava". É um bocado aquela, eu sempre fiz investigação a minha vida toda, portanto, sim, gostava de fazer investigação. E ele pergunta, "Então, mas que média é que tem?", e eu na altura devia ter para aí uma média de 12. Isto foi no terceiro ano, início do terceiro ano, e ele disse-me assim, "Olhe, sabe que para fazer investigação tem que ter pelo menos 14, para conseguir ir para mestrado?". E eu, "Ok, está bem!". A partir daquele momento comecei a estudar a sério e comecei a ter 18 e 19 de notas finais. (risos) Confesso que quando entrei para a universidade o meu sonho era voltar para Torres Vedras e ser geólogo em Torres Vedras. Para mim era tipo o topo da carreira. E quando me disseram, "Bem, se tu não tiveres 14 já não consegues avançar mais, estás condenado, fazes a licenciatura e já não consegues avançar. Para conseguires ir para o mestrado tens de ter pelo menos 14", aí interessei-me. Não é fácil e tive também de ficar mais um ano a fazer melhorias para subir a média. Mas depois consegui ter 13,6. (risos)
16. E qual é que é o momento Pedro Terrinha?
Na altura estávamos num laboratório, o LATEX [Laboratório de Tectónica Experimental, FCUL], que era um centro de investigação de tectónica e tectonofísica e o Pedro Terrinha fazia parte desse laboratório. Eu lembro-me do Filipe sempre dizer, "Quando estão a trabalhar, trabalham, mas quando for a época de exames, não quero que trabalhem, quero é que estudem, mas podem estar aqui, usem o vosso espaço". E, um dia, o Pedro Terrinha entrou lá, foi a primeira vez que o vi. Acho que até foi antes de ele me dar aulas. E ele começou-me a perguntar coisas, gostava disto, daquilo, e começámos a discutir ciência. E um dia comentou-me "Ah, vai haver uma campanha no mar, precisamos de gente para ir". Eu penso que, na altura, o Filipe, que já tinha um filho, tinha acabado de ter as gémeas, e o Pedro Terrinha também tinha dois filhos pequenos, e normalmente as campanhas eram legs de um mês ou dois, julho-agosto, e são difíceis de encaixar. E eram tipicamente navios internacionais, espanhóis, franceses, ingleses, que vinham para aqui trabalhar, e há quase como um acordo que quando se vai, por exemplo, trabalhar para águas portuguesas, convida-se investigadores portugueses. É obrigatório convidar um ou dois que se chamam os observadores, mas eles tentavam ir um bocadinho além disso. Já que convidavam, convidavam de maneira a poder estabelecer potenciais colaborações no futuro. O professor Fernando Barriga estava mais nos Açores, mas o Pedro Terrinha, nessa altura, estava no centro, mais envolvido, nos estudos da margem sudoeste portuguesa. E andava toda a gente à procura da fonte do sismo de 1755, tinham sido os 250 anos em 2005, tinha havido o sismo e o tsunami de Sumatra em 2004, portanto a ideia de sismos e tsunamis estava a ser rejuvenescida. Começou a haver muitas campanhas para tentar vir procurar a fonte do sismo e do tsunami de 1755. E numa dessas vezes o Pedro Terrinha disse "Vai haver uma campanha, quem é que quer vir?", e eu disse "Epá, vou, claro!". Fui nesse ano, penso que foi em julho, três ou quatro semanas. Quando voltei disse "Nunca mais quero ir para o mar", porque é duro, é duro, os enjoos… Passados quatro ou cinco dias, o Pedro Terrinha liga-me outra vez, "Olha, vem aí um navio russo, não queres ir?" (risos), "Opá, eu já não consigo ir mais este verão". Era também com o Luís Pinheiro, de Aveiro, ele é que tem estas ligações. Era uma coisa muito interessante, um projeto da UNESCO que era o TTR, "Training Through Research". Era um navio de S. Petersburgo, um navio de investigação russo, que vinha com um grupo de cerca de 50/60 estudantes da Moscow State University. Na realidade os estudantes de Geologia da Moscow State University tinham de fazer esta campanha de mar, que começava normalmente na Rússia e fazia toda a Europa e todo o Mediterrâneo, durante três, quatro meses, e iam apanhando cientistas pelo meio. E, normalmente, como era uma universidade, "floating university", "Training Through Research", eram estudantes. E eu fui nesse ano. Então, no primeiro ano em que fui, fui para o mar duas vezes. Esse primeiro foi o TTR 14, e depois fui nos outros dois anos seguidos, o 15 e o 16. Eu ainda era estudante de licenciatura e já estava a ir nestas campanhas de investigação, onde estavam alguns dos melhores cientistas a nível europeu, e até mundial, e eu, mais uma vez, senti-me bem! (risos) Gostei, gostava de estar naquele ambiente. E, mais uma vez, eu acho que a escola que eu tive dos escuteiros foi importante, porque havia pessoas que iam uma vez, mas depois aquilo não resultava, não sabiam comportar-se, relacionar-se e estar em equipa. E no mar há muito o que eu chamo a síndrome Big Brother, que é as pessoas ficarem fechadas num espaço, o que não é fácil, do ponto de vista humano. Ao princípio está tudo muito excitado, mas ao fim de um dia ou dois começam a ficar cansadas e começam a discutir umas com as outras, começam-se a criar grupos, aquilo tem uma dinâmica de grupo interessante. Deve ser o mesmo quando vamos para uma gruta com colegas, temos de ter perfeita confiança nos nossos amigos, não é? Se vamos fazer escalada, se vamos subir o Evereste, e nesta investigação de ponta, em situações muitas vezes de limite, eu senti que naturalmente tinha essa apetência, que é algo que eu fazia sem esforço, e eu gostava do desafio.
Primeira campanha no mar, em 2004.
17. Já aqui fez referência a cientistas que são uma referencia, mas, qual é a sua georreferência?
Há uma coisa que eu sempre senti, é que eu gostava
de estar com pessoas que me pudessem ensinar. E sempre tive um fascínio pelos
grandes cientistas. Obviamente há os grandes cientistas de que nós todos
falamos, os "Einsteins" e por aí fora. Um bocado como na música, nós temos os
nossos ídolos, e eu tinha alguns ídolos como cientistas como alguém tem um
ídolo da música, de uma banda. Mas, obviamente, que em diferentes fases da
minha vida, tanto o Filipe Rosas, como o Pedro Terrinha, como o Fernando
Barriga foram sendo eles, em momentos diferentes, as minhas referências. Eu
gostava deles e eles estavam mais avançados na carreira, eu gostava um bocadinho de ser como
eles [MVI_002; 8:30].
É claro que isso depois vai alterando. Se eu tiver de identificar um
investigador um bocadinho ao jeito de um ídolo, diria o colega com quem
trabalhei na Austrália, o Wouter Schellart. Ele é novo, mas é, de facto,
provavelmente, um dos melhores tectonistas da atualidade, e é um investigador
absolutamente brilhante. Aquilo que eu acho que é único nele é aquilo que é
único nalgumas pessoas, nalgumas poucas pessoas no mundo, que é: ele é, de
facto, um cientista inato. Eu tenho a certeza de que ele é brilhante a um nível
que muitos poucos seres humanos conseguem ser, eu próprio nunca conseguirei
ser. Porque há, de facto,
alguns seres humanos que estão noutro campeonato. Isto não é só para a ciência,
com na música temos o Mozart, na ciência temos o Einstein, no desporto… Esse
brilhantismo sem esforço nenhum. Ele é uma pessoa completamente normal, amigo
do seu amigo, fala de forma horizontal com qualquer pessoa, completamente
humilde, e, no fundo, é um verdadeiro génio. E eu sempre tive algum
fascínio por estas pessoas e sempre gostei de aprender com elas.
"Todas as universidades, mesmo as que têm nome, não têm nome porque são sempre muito boas. Não. Normalmente é porque tiveram na sua história um período de um auge, em que as estrelas se alinharam para ter ali seis ou sete investigadores de topo, que revolucionaram as ciências, e deram nome à instituição. E isso estava a acontecer na Universidade de Monash."
18. Ainda que já tenha um longo percurso, é jovem, mas neste percurso profissional, já consegue elencar um momento mais marcante da sua carreira?
Sim! O momento mais marcante foi, sem dúvida, quando acabei o doutoramento. Na realidade foi até antes de acabar o doutoramento, em 2010, em que houve uma oportunidade de ir para a Austrália. Eu tinha conhecido este Wouter Schellart em 2008 num congresso. Estava a acabar o doutoramento e conhecia todos os trabalhos dele, desde o meu trabalho de licenciatura e de mestrado já tinha lido os trabalhos deste colega. E conheci-o em 2008, ele era um recém-doutorado e, em 2010, ele ganhou um projeto e abriu uma posição de pós-doc. Na altura tínhamos uma investigadora que estava a trabalhar em Lisboa, a Catherine Meriaux, que tinha estado na Austrália, na Universidade de Monash, e que me alertou, "Atenção, olha esta posição!". Eu ainda estava a fazer o doutoramento, estava mais ou menos a meio, mas enviei um e-mail para lá a dizer, "Eu estou muito interessado nesta posição". Foi, talvez, nessa altura que comecei a pensar no que fazer a seguir ao doutoramento. Na realidade, um bocadinho antes desse email, falei com os meus orientadores, o Pedro Terrinha e o Filipe Rosas, "Opá, há esta oportunidade na Austrália, eu gostava de ir", e eles disseram "Tu de certeza que depois de acabares o doutoramento vais conseguir uma bolsa de pós-doutoramento, mas não deves queimar esta oportunidade na Austrália, portanto envia um e-mail a explicar a tua situação". Eu enviei, a dizer que estava interessado, mas que me faltavam ainda dois anos do doutoramento, na altura ele respondeu e disse, "Ok, não há problema, nós, se calhar, vamos dar agora esta bolsa a outra pessoa, mas contacta-me mais tarde porque provavelmente vai haver outras oportunidades". Ok, tudo bem! Passado uns seis ou sete meses, isto se calhar no final de 2010, o Wouter volta a contar-me e a dizer, "Olha, a pessoa que era para vir desistiu, desistiu no aeroporto, não entrou no avião". Foi o stress, no momento de entrar, mesmo já com tudo tratado. Ele estava à espera dela e ela não apareceu. E ele assim, "Epá, estou sem ninguém". Nessa altura, falei com os meus orientadores, "Olha, vamos tentar acelerar isto", o Wouter, do outro lado, disse que ia tentar atrasar a abertura, e consegui. Bem, houve problemas burocráticos, eu depois consegui acabar a tese, mas não consegui entregar a tese antes do tempo, não era normal, nunca ninguém o tinha feito. (risos) Eles deixavam-me ir para lá [Austrália] sem ter o doutoramento, tinha um ano e meio para o acabar e, portanto, consegui em 2011 entregar a tese antes do verão, fui para a Austrália logo a seguir ao verão e depois vim, mais tarde, defender a tese. Entreguei uma versão provisória, portanto, tecnicamente comecei o pós-doc antes de ter o doutoramento. Esse é o momento mais marcante, sim, a ida para a Austrália. Porque ao chegar lá, é um bocadinho a máxima de estar no sítio certo na altura certa. Todas as universidades, mesmo as que têm nome, não têm nome porque são sempre muito boas. Não. Normalmente é porque tiveram na sua história um período de um auge, em que as estrelas se alinharam para ter ali seis ou sete investigadores de topo, que revolucionaram as ciências, e deram nome à instituição. E isso estava a acontecer na Universidade de Monash. Para além do Wouter Schellart estava o Louis Moresi, que foi uma das pessoas que desenvolveu a modelação numérica e que estava a desenvolver um código que era o Underworld. Também o Sandy Cruden, que era um dos melhores modeladores, e que eu já tinha conhecido quando tinha ido a Toronto com o Filipe [Rosas]. O Sandy Cruden tinha trazido outro grande modelador que era o David Boutelier, e estava também o Fabio Capitanio. Portanto, de repente, estava a trabalhar com uma das melhores equipas de modelação geodinâmica do mundo. E isso fez-me crescer, e até no sentido de ganhar confiança, porque eu lembro-me de às vezes sentir que eu não encaixava ali. Tinha uma certa falta de confiança, não sentia que estava ao nível daquelas pessoas. Porque eles tinham todos tido histórias fabulosas, estudaram em Cambridge e depois foram para o Caltech [California Institute of Technology], na Califórnia, e, portanto, tinham tido as carreiras perfeitas. E eu era um aluno, alguém que ainda não tinha o doutoramento e que, de repente, estava-me a ver no meio daqueles cientistas.
"(...) toda a gente se respeitava brutalmente, tratava-te de forma totalmente horizontal, o estudante de licenciatura era ouvido como o catedrático do sítio. Isso dava confiança e mostrava-nos que não era preciso ser um génio para fazer boa ciência."
19. Acha que isso também o ajudou a perceber mais cedo a lógica do mundo da investigação e da academia, de como trilhar esse caminho?
Eu percebi que o mundo da investigação não era necessariamente o mesmo, que mesmo na academia há universidades que são mais vocacionadas para o ensino e universidades que são mais vocacionadas para a investigação. Idealmente, deve ter-se as duas, mas isso muitas vezes depende do país e das fases em que os diferentes países estão, se investem mais na ciência ou se investem menos. E a Austrália estava, claramente, a investir na excelência. Com uma particularidade interessante, e isso, provavelmente, também tem um bocadinho a ver com a cultura da Austrália, que é muito descontraída, muito pouco formal: o pessoal ia trabalhar de calções de banho e chinelos e criava ali um bom ambiente, descontraído, mas de excelente nível, quase como vemos nos filmes da Califórnia. Aquilo na Austrália era uma boa onda, ou seja, nós íamos passear para o jardim, discutir ciência de topo, era algo que era um bocadinho feito sem esforço, toda a gente se respeitava brutalmente, tratava-te de forma totalmente horizontal, o estudante de licenciatura era ouvido como o catedrático do sítio. Isso dava confiança e mostrava-nos que não era preciso ser um génio para fazer boa ciência. E o truque era também trabalhar em equipa e tentar usar aquilo que cada um tem de melhor. Por exemplo, esse meu colega, o Wouter, era muito analítico, mas nós compensávamo-nos bem, porque eu não tinha tanta inteligência matemática, a dele, mas tinha uma inteligência se calhar mais social e mais emocional, e compensávamo-nos. Acho que na Austrália havia essa noção de tentar aproveitar as pessoas naquilo que elas tinham de melhor.
20. Um trabalho, uma obra, que pode ser um mapa, um artigo, um livro, ao qual de vez em quando gostas de voltar. Ou seja, uma obra de referência para si.
Houve um colega meu que também foi muito importante, o Santanu Bose, que é originário da Índia e agora está na Presidency University, em Calcutá. Eu estava a fazer o mestrado no LATEX e ele estava a fazer o pós-doc lá e, na altura, começámos a falar e discutir um bocadinho o problema do início da subducção. Na altura falava-se um pouco do início da subducção, por causa do sismo de 1755, e ele um dia veio ter comigo e deu-me um artigo que se chamava "On the initiation of subduction zones", do [Steve] Mueller e [Roger J.] Phillips, de 1991. Deu-me aquilo para a mão, eu lembro-me de ler aquele artigo e não perceber absolutamente nada. Era um artigo muito analítico, muito físico, tinha muitas equações, não tinha imagens ou não dava para retirar informação das imagens, era um bocadinho difícil de digerir. E esse foi um artigo que, ao longo da minha carreira, fui lendo várias vezes e sempre que leio outra vez descubro uma coisa nova espetacular. Ou, às vezes, é algo que, entretanto, eu me deparei, na vida, e depois vou ler, "Epá, isto já estava aqui!". E uma das coisas que eles falam nesse artigo é na questão da invasão das zonas de subducção. As zonas de subducção migram de oceanos para oceanos, como se fosse uma "infeção". Há os oceanos do tipo Pacífico, que têm zonas de subducção, do tipo Atlântico, que nascem e crescem e não têm zonas de subducção, e a determinada altura as zonas de subducção passam para os oceanos do tipo Atlântico. E eu andava de volta desse problema, porque andava a estudar as zonas de subducção no Atlântico, o Scotia arc das Caraíbas e o arco de Gibraltar, e quando li aquele artigo, anos mais tarde, disse, "Epá, é isto!". E depois isso inspirou-me para escrever aquele que é, provavelmente, o meu melhor artigo, que se chama "Are subduction zones invading the Atlantic?", que foi publicado na Geology em 2013. Portanto, quando o Santanu Bose me deu este artigo, devia ser para aí 2006, e li-o vários anos, foi, provavelmente, o artigo mais importante que me deram.
"Eu gosto muito de dar aulas, mas o estar mesmo a orientar jovens investigadores é o que, talvez, me dá mesmo mais prazer."
21. Qual é a
atividade que mais prazer lhe dá no âmbito das suas funções? Ir para o
laboratório? Estar sentado a escrever?
Por acaso, eu não gosto de estar no laboratório. Não é "Não gosto de estar no laboratório", eu lembro-me que gostava muito de estar no laboratório, mas começou-me a saturar um bocadinho. Acho que, talvez, se tiver de escolher, é a orientação de jovens investigadores. Eu gosto muito de dar aulas, mas o estar mesmo a orientar jovens investigadores é o que, talvez, me dá mesmo mais prazer. Até porque eu gosto de ver essa orientação não só como uma orientação científica. Nós acabamos, às vezes, por ser um bocadinho os psicólogos dos alunos, temos de saber um bocadinho de psicologia, porque é a tal coisa, cada pessoa é diferente. No ensino cometem muito esse erro, que é nivelar todos pelo mesmo, não é? Por igual. Temos o exame, temos todos que atingir aquele nível, e se não atingirmos aquele nível, não somos excelentes. Talvez pelo meu passado, por nunca ter sido um aluno excelente, e por várias vezes ter sentido, ao longo da vida, pessoas que não acreditavam em mim e diziam "Tu não és excelente, não vale a pena". Eu desconfio muito dos excelentes alunos, para mim é um whole package, não é? Quando estou a orientar tento ir lá pelos vários lados, sinto que é importante dar as oportunidades, tentar ajudar e deixar o aluno encontrar aquilo em que ele é melhor. Porque se a pessoa encontrar isso…
22. E o que é que lhe dá menos prazer?
Eu diria que o que me dá menos prazer é a parte burocrática, acho que continua a ser muito difícil fazer algumas coisas, e isso é algo que pode ser um bocadinho cultural. Às vezes comento que quando estava na Austrália, não me sentia cansado e hoje em dia há muitas atividades que eu faço – eu adoro o que eu faço – mas muitas vezes sinto-me cansado. E percebo que é porque há muitas pequenas pedras na engrenagem e muitas vezes são coisas burocráticas. Não gosto, mas muitas vezes temos de lidar. Porque a ciência também tem um bocadinho isso, não é? Nós não só fazemos investigação e damos aulas, como também temos de ser gestores.
23. Tem assim algum momento embaraçoso, algum falhanço, uma coisa que não lhe dê muito orgulho, mas aconteceu?
Há bocado estava a pensar nisso. Talvez mais um falhanço do que um embaraço, mas na altura foi um bocadinho chato… Eu quando acabei a licenciatura concorri, porque já tinha ido a congressos e já era coautor de alguns artigos que estavam ou em revisão ou em fase de publicação, a uma bolsa de doutoramento, e ganhei! Ganhei a bolsa de doutoramento, mas, na altura, a universidade não me deixou inscrever no doutoramento, porque eu não tinha média de 16. Portanto, foi um pequeno embaraço, que era: tenho uma bolsa de doutoramento, mas não me consigo inscrever. (risos) Mas foi isso que me levou, na altura, a ir fazer o mestrado a Évora. Era um ano em que não abriu o mestrado em Geologia, ramo científico, na FCUL, abriu só o de Geologia Aplicada e do Ambiente, pois abriam alternados. E então fui fazer o mestrado em Évora. Foi uma daquelas situações em que, às vezes, uma pedra no caminho faz-nos ir por outro lado, e que depois, mais à frente, se mostra ter feito todo o sentido. Foi aí que eu conheci o Rui Dias, com quem aprendi imenso, e com quem continuo a ter relações a todos os níveis, como, por exemplo, na divulgação de ciência. E é um grande amigo! Portanto, foi um pequeno falhanço, mas sinto que no final acabou por se tornar numa boa experiência.
24. João, queremos saber – porque sabemos que existe, não sabemos é se ainda está ativo – o hobby para lá da Geologia.
Eu diria que o maior hobby é, obviamente, a música. Eu quando fiz os testes psicotécnicos, no nono ano, o psicólogo disse-me, "Você deve seguir música. É a sua vocação, é aquilo que sabe fazer melhor". (risos) Na altura isso implicava ter de mudar de escola, para uma escola que tinha um acordo com o conservatório, implicava passar muitas horas a tocar, e deixar os meus amigos. Eu tinha uma banda, que se chamava Pickles, mas era uma banda punk, e penso que seria difícil ter uma carreira como vocalista de uma banda punk, que era aquilo que eu gostava. E, portanto, não me estava a ver passar a carreira a ser violinista numa orquestra qualquer, então optei pela ciência. Para mim tocar viola tem um bocadinho efeito terapêutico, um bocado como a meditação. Confesso que tenho tocado menos e menos, mas houve uma altura que tentei manter as duas, e eu era apaixonado por ambas. Mas senti que era difícil ser bom às duas. Nestas coisas de que gosto mesmo, sou um bocadinho ambicioso, não gosto de fazer só um bocadinho. Gosto de investir e tentar ser o melhor possível. E comecei até a sentir-me um bocadinho mal quando tocava, porque fazia-me lembrar uma vida alternativa, uma outra vida [MVI_0004; 7:20]. Foi uma decisão, houve ali uma crossroad. Porque quando eu começo a tocar viola tenho vontade de tocar mais e mais e mais, e de querer fazer bandas, e tenho ainda essa tentação. Fiz, até, uma banda quando estava no meu último ano do doutoramento, uma banda de post-rock, que não tinha nome.
Intraclasto
Música para subductar
Antes da tectónica, das placas e, até, da Geologia, houve a música. O intraclasto do João é a sua primeira banda, de punk, os Pickles [1997]. Músicas? Há uma no Youtube, "mas o som está horrível. Não tenho nenhuma música, aquilo na altura não se gravava." Mais tarde, durante o doutoramento, teve outra, mas já não era punk, mas sim post-rock. Agora, resta-nos esperar pela reforma:
"Eu costumo de dizer que quando me reformar vou ser estrela de rock. Agora está na moda, dantes o rock era uma coisa de jovens, agora é uma coisa de velhinhos, não é? (risos)"
Geomanias
Rocha preferida? Calcário
Mineral preferido? Calcite
Fóssil preferido? Dinossáurios, os saurópodes
Era, Período, Época ou Idade preferido? Mesozoico
Unidade litostratigráfica preferida? Formação Lourinhã
Trabalho de campo ou de gabinete? Campo
Pedra mole ou pedra dura? Pedra dura
Martelo ou microscópio? Martelo
Recursos minerais metálicos ou não metálicos?Talvez não metálicos
Ortóclase ou Ortoclase? Ortoclase