Rui Baptista

Novembro 2022







RECURSOS ENERGÉTICOS

SÓCIO APG Nº O201

Nasceu em Lisboa e não esquece os pequenos cristais de cassiterite que a mãe guardava em casa. Trabalhou em minas e na pesquisa de água e de hidrocarbonetos. Não é por acaso que adora calcário e o Meso-Cenozoico.

"Aquela caixinha com aqueles minerais era muito atrativa para mim em pequenino. Achava que eram umas coisas muito engraçadas"

Naquele querido mês de agosto, fugimos ao calor 'mergulhando' 230 metros na Mina de Sal-Gema de Loulé. Encontrámos o Rui a conspirar uma ideia, entretanto concretizada, que podemos já todos visitar: a exposição permanente "Santa Bárbara, Padroeira de Mineiros e de Outras Artes". Com uma vida profissional permeável, o Rui cedo migrou da sua área de geração para o mundo. Curiosamente, hoje, dia 1 de novembro de 2022, é a data selante da sua longa ligação oficial à Petrogal, S.A. e marca-se o início de um novo 'ciclo sedimentar', que os livros ainda estão abertos e o martelo e a bússola desarrumados. Para celebrar estas quatro décadas dedicadas à exploração de recursos, deixamos-vos aqui uma diagrafia da vida deste homem dos hidrocarbonetos que acompanhou o pré do Pré-Sal. Afinal, aquela caixinha de cassiterites da mãe funcionou como uma armadilha estrutural... nem a Santa Bárbara lhe valeu. E ainda bem!


Entrevista 

Mina de Sal-Gema de Loulé, agosto de 2021


1. Nome, idade e local de nascimento.

Rui Jorge Fernandes Batista, tenho 67 anos e nasci em Lisboa.

2. Se tivesse de resumir numa única frase o que faz profissionalmente, para leigos, o que
diria?

Eu agora analiso projetos de investigação científica no âmbito das geociências e das engenharias ligadas à produção de recursos energéticos novos. No passado, trabalhei em minas durante alguns anos e na pesquisa de hidrocarbonetos em Portugal e no estrangeiro.

3. Em que ano e onde ingressou no curso de Geologia?

Ingressei em 1973 na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

4. O que o levou a seguir Geologia?

O gosto pela natureza e pela geografia. Tudo o que dizia respeito à Terra.

5. Qual foi o primeiro contacto consciente que teve com a Geologia, recorda-se?

Recordo. A minha mãe tinha lá em casa uns cristaizinhos, umas pedras e eu sempre gostei muito daquelas formas muito geométricas e muito bonitas. Eram cristais de cassiterite!

6. Mas na altura não sabia que era cassiterite...

Sabia... sabia que era o mineral para produzir estanho, porque a minha mãe dizia "Este cristalzinho era da mina onde o teu avô trabalhou".  

7. Era mesmo geólogo que queria ser ou temos aí um desejo anterior oculto que acabou por não se concretizar?

Não, eu sempre senti atração pela Geologia. A perspetiva de poder fazer trabalho de campo e não ter de estar enfiado em gabinetes nem em espaços fechados.

8. Na família, em gerações anteriores ou posteriores, há mais alguém ligado à Geologia? Bem, contou-nos que a sua mãe conhecia aquele mineral... havia o avô.

Diretamente à Geologia, enquanto Geologia, não. A minha mãe sabia porque era natural de uma região onde houve, no tempo da guerra, explorações de volfrâmio e de estanho. Mas ela era química, não era geóloga.

9. Mas acabou por ter grande influência...

Teve! Aquela caixinha com aqueles minerais era muito atrativa para mim em pequenino. Achava que eram umas coisas muito engraçadas, aqueles minerais castanhos, com umas faces muito bonitas.

10. Foi um aluno médio, bom ou muito bom durante os tempos universitários? Fazia parte dos mais calados ou dos mais participativos?

Era razoável a bom. Não posso dizer que fosse muito bom, mas era bom e era muito interventivo! (sorriso)

11. No tempo em que foi estudante, seguramente muitos professores, de uma forma ou outra, o influenciaram. Se pudesse escolher um dos professores que mais o influenciou nessa altura, quem escolheria?

É difícil dizer um só, porque houve um conjunto deles que foram muito importantes. Mas houve um que, mesmo tendo sido meu professor só durante um tempo, me induziu a não ficar na universidade e vir para a indústria. Foi o professor Fernando d'Orey. Mas há outros que também poderia mencionar: Carlos Romariz, António Ribeiro, Rogério Rocha e Manuel de Oliveira e Silva. Foi um conjunto de pessoas que me marcaram e ajudaram a ter consciência do que é a Geologia nas suas diversas facetas. 

12. Agora, não tendo necessariamente de o ter conhecido, tem algum geólogo favorito, uma espécie de geoídolo?

Não, não tenho. Mas há um geólogo que eu respeito muito. Foi o meu primeiro chefe, naquela que é a minha atividade profissional, e chama-se Bernardo Reis. Foi administrador da companhia dos diamantes de Angola, foi administrador da Sociedade Portuguesa de Empreendimentos [SPE, SA] - foi meu chefe nessa empresa e foi ele que, de alguma forma, me empurrou para certo tipo de projetos. É uma pessoa que eu respeito muito pela sua postura, pela sua maneira de ser e pela sua liderança. Ainda hoje. Eu posso dizer que, na minha atividade profissional, tive dois chefes: um deles era o Bernardo Reis; os outros eram líderes de ocasião. O Bernardo Reis é atualmente o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Braga e terá uns 90 anos, mas continua a ser uma pessoa extremamente dinâmica.

"sempre senti atração pela Geologia. A perspetiva de poder fazer trabalho de campo e não ter de estar enfiado em gabinetes nem em espaços fechados"

 "Então, és doutor e estás enfermo?", ao que lhe respondi "Ah, mas eu não sou doutor de doenças", "Então és doutor do quê? O que é que fazes?", "Eu sou geólogo, estudo as pedras". Então ele respondeu "Ah, compreendo, és doutor de las piedras".

13. Qual a sua publicação favorita na área das geociências?

Não tenho. Há muitas referências que uso, até porque tive muitas atividades profissionais diferenciadas dentro das geociências. Talvez por isso não posso dizer que haja um livro, uma "bíblia", de referência. Mas em termos de cartografia geológica, gosto muito da Carta Geológica de Portugal, daquelas últimas que têm sido editadas, que são de grande qualidade, como a 1:1.000.000, por exemplo.  

14. Naquilo que é e foi a sua vida profissional, qual é a atividade ou exercício que mais prazer lhe dá ou deu?

Gostei muito da atividade operacional, estar ligados às operações quer da indústria mineira, quer na indústria do petróleo.

15. Já marcou férias propositadamente para um lugar porque queria ir lá ver algum afloramento, mas ocultou da família o verdadeiro motivo da escolha do destino?

Não, sempre que marquei férias foi com o apoio explícito da família. Já sabiam com o que contavam! Como a minha esposa está mais ligada também a esta coisa das geociências...

"Gosto muito da carta geológica de Portugal, as últimas que têm sido editadas são de grande qualidade (...) e aquela publicada recentemente pelo José Tomás Oliveira [Mapa Geológico de Espanha e Portugal, escala 1:1 000 000], acho que deve prestigiar os colegas, vários portugueses, que a fizeram"

16. Ah, afinal tem mais alguém na família ligada às geociências!

Sim, a minha companheira é engenheira de minas e, portanto, esteve ligada à atividade mineira. Mas é a única pessoa assim mais próxima. Foi a atividade que nos juntou!

17. Qual a resposta mais caricata que recebeu de familiares ou amigos quando à pergunta "que fazes da vida" respondeu "sou geólogo"?

Quando comecei a trabalhar na indústria mineira, estive na Venezuela. E toda a gente na empresa me chamava "doutor, senhor doutor", porque era licenciado em Geologia, ainda que isso não fizesse muito sentido para algumas pessoas. E lembro-me de um condutor de veículos, neste caso particular de uma ambulância, pois tive de fazer uma viagem com ele, e nessa viagem ele perguntou "Então, és doutor e estás enfermo?", ao que lhe respondi "Ah, mas eu não sou doutor de doenças", "Então és doutor do quê? O que é que fazes?", "Eu sou geólogo, estudo as pedras". Então ele respondeu "Ah, compreendo, és doutor de las piedras".

18. Conte-nos um evento ou momento marcante na sua carreira (menos ou mais positivo).

Houve momentos muito importantes da minha vida profissional, alguns não diretamente ligados à profissão, mas com ela relacionados. Guardo com alguma emoção o facto de ter participado nas primeiras negociações da UNTAET [Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste] com os australianos, para discutirem o Timor Gap. Eu funcionei como consultor das Nações Unidas e do governo provisório de Timor-Leste nas negociações. Outro aspeto muito marcante prende-se com o facto de ter estado ligado às descobertas mais importantes dos recursos petrolíferos dos últimos 40-50 anos, que foram as dos hidrocarbonetos da Bacia de Santos no Pré-Sal do Brasil. Estes eventos foram marcantes, mas tenho outros, o facto de termos tido sucesso na marcação da direção dos filões, quando eles estavam cortados por falhas, na mina de Vale das Gatas [Vila Real], onde trabalhei, e na marcação de poços de captação de água. São sempre momentos emocionantes que se guardam como boas memórias. Há também as más memórias, mas estas foram as boas. 


Geomanias

Rocha preferida? Calcário

Mineral preferido? Quartzo

Fóssil preferido? Trilobite

Unidade litostratigráfica preferida? Formação Barra Velha [reservatórios do Pré-Sal, Brasil]

Era, Período, Época ou Idade preferido? Jurássico

Trabalho de campo ou de gabinete? Trabalho de campo

Martelo ou microscópio?  Martelo

Amostra de mão ou lâmina delgada?

Amostra de mão

Carta Geológica favorita? Mapa Geológico de Espanha e Portugal, escala 1:1 000 000

Pedra mole ou pedra dura? Água

Recursos minerais metálicos ou não metálicos? Não metálicos. Mas comecei a trabalhar nos metálicos.

Crosta ou crusta? Crusta


Teaser da Entrevista