Ana Antão
Fevereiro 2024
GEOLOGIA MINEIRA
SÓCIA APG Nº O287
Natural do Porto, é docente do Instituto Politécnico da Guarda, mas deu os primeiros passos como profissional da mina da Panasqueira. Soube logo nos primeiros 10 metros de mina que tinha espírito de geóloga mineira. No seu ponto de vista, são os geólogos que gerem o planeta, ajudando a sociedade a ser mais autónoma e sustentável.
"(...) e eu disse-lhe para ir ver as maiores minas de ferro da Europa, as minas de Kiruna. Obviamente, elas não foram, nem seguiram a minha área, mas eu estou sempre a dizer-lhes: vocês são minas! Essa máquina fotográfica, por exemplo, a nossa roupa, os óculos, plástico: minério. O minério que se extrai pode cheirar mal, pode ser feio ou bonito – é relativo – mas tem uma utilidade."
Já julho torrava os afloramentos da Beira quando, rodeadas de símbolos mineiros, naquela que já foi a sua terra, conhecemos a Ana Antão. Dizem, e até a Ana diz que dizem, que foi a primeira geóloga mineira por cá. Da Geologia para a engenharia civil e para a geotecnia, porque os geólogos sabem de tudo, mas não faz mal nenhum que aprendam um pouco mais, hoje a Ana é professora no Politécnico da Guarda, onde gosta de ensinar o que aprendeu de uma forma prática, para servir a comunidade, seja ela qual for. Despachada e sempre a olhar em frente, porque não vale a pena chorar sobre varas partidas, a Ana valoriza o papel do geólogo enquanto gestor do planeta. Venham conhecer a geóloga da Panasqueira, porque todos sabemos que se pode tirar a pessoa da mina, mas jamais se consegue tirar a mina da pessoa, até porque, no fim de contas, somos todos minério: Ana, onde está o filão?
Entrevista
Restaurante "O Gasómetro", Barroca Grande, julho de 2023
1. Nome, data e local de nascimento?
Ana Maria Antão. Nasci no Porto, na freguesia Santo Ildefonso, dia 15 de fevereiro de 1958 e tenho 65 anos.
2. Conte-nos, como se fosse para leigos, o que faz profissionalmente?
Atualmente sou docente do ensino superior, uma profissão sobejamente conhecida. Mas comecei a minha vida profissional – tirando o ano em que fui monitora na Faculdade de Ciências [Universidade do Porto] – como geóloga mineira. Vim aqui para as minas da Panasqueira, para um estágio de três meses. Eu gostei disto, eles também devem ter gostado de mim, fizeram-me um contrato e durante cerca de seis anos fui geóloga mineira, de interior e exterior. E depois fiz muita coisa! Fui trabalhar para o Fundo Social Europeu, a recibos verdes, fui professora do ensino secundário e depois fui professora do ensino superior, onde ainda estou. Nos últimos trinta anos tenho estado a ensinar aquilo que aprendi. (risos) O engraçado é que quando vim para o Politécnico da Guarda, foi para dar aulas de Geologia aplicada e de geotecnia a engenheiros, aos cursos de engenharia civil, topográfica e do ambiente. Isto foi interessante, porque quando estive aqui na Panasqueira, o último trabalho que tive foi o de diretora do Departamento de Topografia. Um geólogo sabe de tudo! (risos) Na altura, o Departamento de Topografia era um departamento muito importante, tinha cerca de 20 topógrafos que faziam o levantamento de tudo quanto se explorava na mina, tudo o que era partido e era furado naquele dia tinha de ser levantado, à fita. E, portanto, isso deu-me também um pouco de experiência para quando, uns anos depois, fui ensinar no curso de engenharia topográfica… tinha alguma bagagem, muitas vezes até bagagem de expressões. Eu sei muito bem o que é um teodolito, eu trabalhei com teodolito, trabalhei com uma fita de INVAR, sei o que é sair da mina e passar hora e meia a limpar as fitas cheias de lama. Foi interessante. Quando uma pessoa olha para uma mina, quem não percebe nada disto diz "Que impacte ambiental terrível", mas a parte ambiental já era uma preocupação, nomeadamente nas águas de escorrência. Eu devo dizer que nos anos 80 uma empresa ter essas preocupações em Portugal era importante! Podia ter evoluído mais, evoluiu q.b. Uma empresa tem de dar lucro, não é? Não é propriamente a Santa Casa da Misericórdia, no meu entendimento, e, portanto, essa parte da estação de tratamento das águas que iam para o rio, já existia na altura e eu também tinha alguns conhecimento A minha docência no ensino superior teve sempre uma vertente mais prática.
"Eu sou a favor que os geólogos trabalhem com outras pessoas"
3. Estava a falar um bocadinho da sua vertente do ensino mais aplicado, dos problemas reais do mundo das empresas. Ainda vai fazendo projetos para a indústria?
Sim, quem começa a trabalhar na indústria nunca perde essa necessidade, de ver isto como uma indústria. Para mim, tanto faz extrair minério como ter uma série de galinhas para porem ovos. (risos) Aquilo tem de dar lucro! Quando fui para o ensino, fiz mestrado, fiz doutoramento… e é engraçado que sendo geóloga, fiz mestrado em engenharia civil, em mecânica dos solos das rochas, e depois fiz o doutoramento em geotecnia, tinha de ser. Era o que fazia sentido, aquilo que aprendi não posso deitar fora. Recuando, quando vim para cá, vim tomar conta de uma equipa de 20 sondadores! E eu aprendi muito enquanto trabalhava. E, portanto, quando fui dar aulas, sempre tive em conta essa parte prática. No Instituto Politécnico da Guarda fazemos muita prestação de serviços para o exterior, temos laboratórios belíssimos e muito bem equipados. Pelo menos no grupo onde estou inserida, da geotecnica, vamos a tudo o que é sítio: Angola, Moçambique, Cabo Verde, onde vocês queiram, é só darem-nos orçamento. E fazemos muita prestação de serviços para a comunidade. Portanto, é um ensino mais aplicado e também uma vertente de servir a comunidade, seja ela qual for. O último projeto em que participei era um da FCT que só podia ser feito em consórcios entre politécnicos e empresas, e escolhi uma empresa mineira. Não a Panasqueira, pois escolhi um projeto na área do lítio e a Panasqueira não tem lítio e até já estava com outros… quer dizer, até tem, ali no Cabeço da Argemela. Quando eu estava lá, nós sabíamos que tinha lítio, mas nessa altura não tinha interesse para indústria. Só cerca de 20 anos depois é que começou a ter interesse para Portugal. E, portanto, o último projeto que fiz chamou-se "Projeto Lítio, exploração e sustentabilidade em regiões de baixo desenvolvimento", porque esta região sempre o foi. Só o setor mineiro, com a Panasqueira, com as minas de lítio da zona de Gonçalo e umas outras de estanho na zona de Segura, é que conseguiu fazer com que a população ficasse muito rica. Eu recordo-me dizerem que nos anos quarenta as pessoas acendiam cigarros com notas de 1000 escudos! Não é do meu tempo, mas em qualquer livro vê isso e era verdade. Fizeram-se muitas fortunas que se desbarataram. Desbaratar fortunas faz parte de ser humano! (risos) E, portanto, sempre pretendi dar uma vertente muito prática aos meus projetos. No projeto "Lítio" havia também uma vertente turística, uma vertente de desenvolvimento sustentável e uma vertente das águas, que acho que é importante agora. Foi uma equipa multidisciplinar composta por pessoas de três instituições do ensino superior, mas de valências muito diferentes. Eu sou a favor que os geólogos trabalhem com outras pessoas.
"Um geólogo sabe de tudo!"
4. Gosta de estar na fronteira com outras áreas?
Muito! Quando vim para cá, tinha mais três geólogos. Um era sul africano, só sabia falar inglês, e daí eu saber falar inglês: cinco anos a escrever relatórios semanais em inglês, aprende-se tudo! Num instante! Mas trabalhava com engenheiros civis, de minas, engenheiros químicos, eletrotécnicos, metalúrgicos. Eu sou a primeira geóloga mineira, segundo dizem, mas já havia cá duas engenheiras de minas e também trabalhava com elas. Uma estava na lavaria e outra ia para a mina. De vez em quando, ainda falamos, é a engenheira Fernanda Leite, que está no ISEL. Mas o restante corpo técnico, os mineiros, os funcionários do departamento de Geologia, eram só homens. Eram com eles que trabalhava todos os dias. O diretor técnico era um engenheiro de minas. Todos os dias me dizia, "Ana, então onde está o filão?". Portanto, habituei-me a ver o aspeto prático. Ok, os filões são giros, trouxe uns minerais e são belíssimos, mas a mina tem de ter filão com minério, só assim é que nos paga. E, portanto, eu tinha de responder às necessidades da empresa. Só depois, a outra parte, é que é de gozo: para onde está a ir o filão, se tem minério, se posso explorar aquilo em segurança, se a mina não vai – e ia! – para uma zona onde tinha água… Esta é uma mina que sempre teve bombagens a partir do nível 0. Mas até eu chegar, só se explorava o nível 0 e nível 1, porque havia muitos problemas com a água. O nível 2 foi o grande boom, e agora o nível 3! Sim, é verdade, gosto muito de trabalhar com outras pessoas que sejam técnicos e não geólogos. Eu pertenço ao Departamento de Engenharia Civil do IPG, cheguei a ser Presidente do Departamento durante muitos anos.
Turma de Geologia de 1976, FCUP, com o professor Fernando Noronha (Ana Antão na primeira fila do lado direito).
5. Em que ano, onde e quando ingressou no curso de Geologia?
É uma boa pergunta, deixe cá ver… Eu acabei o liceu, não me pergunte quando, e depois houve um ano que fomos fazer o serviço cívico. Ah, o célebre serviço cívico! Prestação de serviço à comunidade. Então, o que é que eu fiz? Nesse ano ninguém entrou na universidade, estávamos à espera de que nos chamassem. Sabe, na altura não existia internet e as coisas eram menos stressantes. Então, de outubro até março fiquei na boa vida. Chamaram-me em março, porque havia um surto de cólera no país. Então, a malta jovem, eu e mais outros colegas que apareceram, íamos pelas ilhas, as célebres ilhas do Porto e de Gaia, distribuir comprimidos contra a cólera por esses bairros, bater porta a porta e dizer, "Olhe, antes de beber água… olhe, tem de pôr estes comprimidos para lavar a alface, meia hora". Foi muito interessante e lá ia eu à praia. (risos) E acabei a faculdade em 1981, portanto, entrei em 1976, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP).
"Fizeram-se muitas fortunas que se desbarataram. Desbaratar fortunas faz parte de ser humano!"
"(...) 'Olha, trouxe-te um martelo de geólogo, sabes que existe o curso de Geologia?', 'Que interessante, é capaz de ser um curso giro, deixa cá ver se existe.' E existia mesmo, ali no Porto.
6. No
ano em que entrou, lembra-se de quantos eram?
Éramos muita gente, para aí uns vinte. Depois diminuiu, mas eu entrei no departamento de Geologia, que na altura ainda era nos "Leões" [Praça dos]. Tinha as cinco valências, matemática, física, química, biologia e Geologia. Tinha ardido o pólo de matemática, no pólo de Geologia lembro-me que as janelas não tinham vidros… tinha ardido e não havia dinheiro!
7. Desses 20 colegas, lembra-se se todos terminaram ou houve alguns que foram saindo para outras áreas?
Foram saindo e, no 5º ano, acabámos dois, eu e a Filomena Filipe. Eu nunca pensei ir para Geologia, verdade seja dita. Uma pessoa fazia o curso [liceal], havia o ramo, mas podia ir para tudo o que quisesse. Não havia alíneas, eu fiz as ciências todas! Até fiz, depois, história por fora, porque gostava de história. E depois tinha uma colega que foi fazer de au pair, tomar conta de miúdos, para a Alemanha, e da Alemanha foi com eles para a Suécia. E quando veio nesse verão, disse, "Olha, trouxe-te um martelo de geólogo, sabes que existe o curso de Geologia?", "Que interessante, é capaz de ser um curso giro, deixa cá ver se existe." E existia mesmo, ali no Porto.
8. Mas porque é que a sua colega lhe trouxe um martelo? Já gostava de rochas? Era conhecida por gostar de pedras?
Não sei, eu diria que a minha vertente era naturalista. Eu tive belíssimos professores no liceu: Mercês Roque e Adalmiro Castro, que faziam os livros da altura. Eu estive na [escola] Garcia de Orta, com os professores que eram os autores dos livros! E eu gostava muito de biologia, de ver ao microscópio, e nisso era muito boa aluna. Na altura, a Geologia era o parente pobre. Portanto, tinha uma vertente muito naturalista, mas não me estava a ver ir para biologia, apesar de ter sido muito boa aluna. Essa minha colega trouxe-me o martelo e eu disse "Olha, isto é giro, dá para ir ao campo!". Eu gostava muito de atividades ao ar livre. Nasci na cidade do Porto, mas ia a pé para a escola primária, ia a pé para o ciclo. Só para o liceu é que arranjei um elétrico. (risos) Mas era uma cidade ao ar livre, o Porto. Ainda agora é! Tínhamos ali o mar, não havia perigos, a minha mãe deixava-me ir sozinha subir a Avenida da Boavista, com sete anos, para ir para a escola primária. Uma pessoa fazia muita vida ao ar livre. A minha mãe é de Trás-os-Montes, perto da Borralha, e íamos lá passar as férias, a Páscoa, o Natal, durante as vindimas… mas eu sou da cidade. Sou de Santo Ildefonso, do Porto. Eu nasci lá, cresci lá, casei-me lá e as minhas três filhas são da mesma junta de freguesia onde eu nasci. E gosto muito do Porto, é a minha cidade favorita. (risos) Mas como eu estava a dizer, essa minha colega, que me deu o martelo, depois desistiu. Enfim, eram grupos bastante heterogéneos. Desistiram uns, outros continuaram, até ao fim dos cinco anos da licenciatura de então. Assim colegas que me lembre, era a Filomena, que enveredou logo pela geotecnia pura e dura, esteve na CÊGÊ, esteve a fazer monitorização das obras do Metro de Lisboa. Depois, o Arlindo Begonha, que após tirar o curso de Geologia, fez o de Engenharia Civil e é docente na FEUP. O Carlos Meireles, o Narciso [Ferreira], a Ângela [Almeida], que também é docente, a Manuela Pereira, que se reformou agora e sempre esteve na Direção Regional de Agricultura, a Odete, mulher do Carlos Meireles. Não eram do meu ano, mas um ano antes havia um grupo de geólogos, que era o Zé Mário Castelo Branco, que namorava com uma colega, a Maria José Castelo Branco, e que se casaram. E é engraçado, porque dizem que fui a primeira geóloga mineira, e ela foi a segunda. E teve ainda uma outra característica, foi deputada. Não há muitas geólogas deputadas. Depois tive uma série de colegas e professores que vieram das ex-colónias. A Aurora, que não sei o que é feito dela, e o Alfredo Ferreira, que foi para Neves-Corvo. Que tenham ido para fora, só me lembro de mais novos do que eu, mas recordo-me de alguns que seguiram a vertente dos petróleos. Ainda trabalhei com o professor Manuel João Lemos de Sousa, nos carvões, fui monitora dele. A minha carreira académica começou lá no Porto. Éramos alunos do 5º ano e ajudávamos a organizar as práticas, ajudávamos os assistentes, não sei bem no quê, mas ganhávamos algum dinheiro! (risos) E foi, provavelmente, o primeiro trabalho remunerado que tive na Geologia.
9. E quando terminou o curso, veio logo fazer o estágio aqui ou ainda houve qualquer coisa no meio?
Não, vim logo passado uma semana. Abriu no curso uma cadeira de prospeção geológica e geofísica com o engenheiro Arlindo Rocha Gomes. Éramos poucos, os professores gostavam de nós e conheciam-nos bem, então metiam-nos no carro e íamos fazer prospeção para a Serra da Arga, íamos para muitos sítios e era muito prático. Fazíamos campo na Pedreira da Trindade, no Porto, onde agora fizeram um parque de estacionamento, íamos para Valongo ver os xistos estaurolíticos, íamos ver os gneisses da Foz… continuam lá, não continuam? (risos) Ainda na semana passada estive lá. Portanto, depende muito mais do professor dar uma boa aula de Geologia do que propriamente do lugar – em qualquer sítio se pode fazer Geologia! E um dia o Fernando Noronha disse-me "Olha existe uma vaga para a Panasqueira, tu queres?" e eu disse, "Quero" e fui! Fui ver os autocarros, e fui. (risos) Sei que acabei o curso em outubro e entrei aqui passado uma semana, para fazer o estágio.
10. E gostou logo ou foi um choque?
Gostei logo! Há pessoas para quem é um choque. A Panasqueira é um Ex Libris, suponho que ainda é. E recebíamos pessoas de todo o mundo e o estar na mina e gostar, uma pessoa sabe logo ao fim dos primeiros 10 metros. Há pessoas que entram e que saem e há pessoas que entram e ficam. Só depois de experimentar. Talvez por ser baixinha, nunca me fez espécie. Aqueles canadianos muito altos, batiam com a cabeça em tudo o que era sítio. Uma vez tive de voltar para trás, com um grupo. A claustrofobia só se sabe/conhece quando se está dentro do contexto, mas já é capaz de haver coisas de realidade virtual que auxiliam nisso. Tive colegas que vieram antes e depois de mim e que não aguentaram, não se sentiram bem. É como tudo. Eu sempre gostei, ainda gosto! De vez em quando, ainda venho cá, por exemplo, no âmbito de projetos de que faço parte, como o REMIX, em 2019, com a professora Alexandra Ribeiro, da Universidade Nova de Lisboa. No meu projeto [Lítio], o que fiz e acho que correu bem foi chamar os meus colegas de departamento, os engenheiros, geógrafos, do ambiente, civis, de outras instituições do ensino superior, "Vocês querem fazer este projeto? Vocês têm determinadas valências, eu tenho estas…". E também pessoas ligadas à gestão de turismo. Dizia-lhes "O projeto é uma mina de lítio, venham ver o que é uma mina e o que é que se pretende", porque as pessoas têm de saber e a verdade é que ficaram com uma ideia diferente do que é uma empresa mineira. E é algo que só se pode saber em contexto, não é lendo as notícias pelos jornais.
III International WO3 Symposium – Maio de 1985, na Panasqueira.
11. Já deu para perceber que era boa aluna, pelo menos a biologia, antes de entrar em Geologia. E durante a licenciatura, foi boa aluna?
Sabe aquela aluna chata, certinha? Sou eu! (risos) Nunca fui aluna de 18, mas na altura não havia dezoitos, os meus professores não davam! Tanto é que, quando concorri para ser professora no instituto, os critérios eram ter licenciatura e nota mínima de 14, e eu tinha isso. E depois, quando concorri para o mestrado, ainda fui fazer uma entrevista. Os tempos são outros… (risos) É que eu era geóloga, ia fazer mestrado em engenharia civil, então queriam ver até a motivação. Mas não era aluna de 18-19, havia colegas melhores, o [Arlindo] Begonha ou a Ângela [Almeida], que ficou lá [na Universidade]. Mas eu era aluna para continuar lá, se quisesse.
"As coisas evoluíram, e a evolução é necessária, há que ter atenção é que a evolução não se faz sem uso de recursos, sejam recursos minerais, seja a floresta, seja qual for"
12. Deduzo, então, que era participativa. E atividades extracurriculares, teve?
Era, mas gostava era das semanas académicas. Eu faço parte da primeira Queima das Fitas depois do 25 de Abril! Não se esqueçam que a Queima das Fitas esteve cortada desde 1969, depois foi o 25 de Abril de 74 e ninguém sabia o que era a Queima das Fitas, tiveram de ser os professores a lembrar-nos, "Olhem, e a Queima das Fitas, não vão fazer? Agora já podem!". E lá voltou a tradição, estava eu no meu 4º ano. Mas, na altura, o que se organizava eram jantares e farras. (risos) Eram as atividades extracurriculares!
Ana Antão na Queima das Fitas da Universidade do Porto.
13. Há algum geólogo, com que se tenha cruzado ou não, que admire particularmente?
Essa é uma pergunta marota! (risos) Português, estrangeiro, colega, professor? Vamos lá ver, a pessoa que me marcou, de quem continuei amiga durante muito tempo, foi o Fernando Noronha. Foi meu professor, até foi ao meu casamento! (risos) Amigo. E o diretor que estava cá também, o engenheiro Álvaro Bento Leal, que depois foi presidente do Instituto Politécnico [da Guarda]. Também gostei muito de trabalhar com um geólogo da Africa do Sul. Quando cá cheguei era o geólogo residente, o Roger Hebblethwaite. São as pessoas que me ensinaram, que fizeram diferença. Depois lembro-me de outros, como a professora [Ana] Neiva, uma ótima professora para os alunos. Mas, na altura, todos os meus professores fizeram doutoramento no estrangeiro e traziam esse know-how, esse conhecimento, e eram muito entusiastas. Uma das minhas filhas foi de férias à Suécia, ver um concerto, e eu disse-lhe para ir ver as maiores minas de ferro da Europa, as minas de Kiruna. Obviamente, elas não foram, nem seguiram a minha área, mas eu estou sempre a dizer-lhes: vocês são minas! Essa máquina fotográfica, por exemplo, a nossa roupa, os óculos, plástico: minério. O minério que se extrai pode cheirar mal, pode ser feio ou bonito – é relativo – mas tem uma utilidade. E sem isso nós eramos um homem pré-histórico. Na idade do ferro já se usava o ferro, não era? E do cobre e do bronze… portanto, antes disso! Antes da idade da pedra. Mas eu sou mais do Paleozoico, essas coisas do Quaternário já são muito recentes para mim! (risos) Mas as pessoas esquecem-se disso. E a vossa geração, mais nova, é que é responsável. Vocês usam muitos recursos naturais, metálicos. E cada vez mais. É o exemplo do lítio. Eu, quando acabei a faculdade, sabia exatamente onde existia lítio em Portugal, que é onde existe agora. Não servia para quase nada. Foram vocês que obrigaram ao uso do lítio. Eu fiz o meu curso todo sem computador, e a minha máquina de calcular foi uma Texas Instruments no último ano. E devo dizer que fiz um belíssimo curso, não me faltou nada! (risos) As coisas evoluíram, e a evolução é necessária, há que ter atenção é que a evolução não se faz sem uso de recursos, sejam recursos minerais, seja a floresta, seja qual for. E há que saber gerir, a gestão desses recursos é que é importante. Aliás, a Geologia é uma ciência da sociedade, muito mais que a gestão! Nós ensinamos à sociedade onde é que ela pode ir buscar os recursos para ser mais autónoma, para ser mais sustentável, para ser mais técnica e ser mais rica. Nós gerimos o planeta! Nós ensinamos às pessoas o nosso planeta.
Imposição das insígnias na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (Leões, Porto). Talvez 1981.
14. E durante o curso, qual foi a sua disciplina preferida?
"Prospeção geológica, geoquímica, geofísica" e "jazigos minerais"! As duas. A prospeção, dava-a o professor Dinis, que faleceu muito novo. Na altura, todos os professores eram puramente académicos, mas o professor Dinis tinha uma empresa de hidrogeologia, em 1978/79. E, depois, a prospeção tive-a com o engenheiro Rocha Gomes, um engenheiro de minas que trabalhava no Serviço de Fomento Mineiro e que pegava em nós, numa carrinha 4L, e levava-nos a fazer prospeção como ele fazia! "Venha cá ajudar", e foi o que fizemos. A geofísica, fizemos a bateia, fizemos tudo com e como um profissional. É a beleza de ter poucos alunos e ter professores que trabalham fora da atividade académica. O Fernando Noronha também, fui com ele à Borralha, uma mina complicada.
"Para que é que serve o diamante? Tem funções muito mais importantes que estar no dedo de uma senhora!"
15. Naquilo que é a sua vida profissional, qual é a atividade que mais prazer lhe dá?
Uma pessoa só pode gostar de uma coisa? Não! (risos) Mas a perfuração, nas sondagens, é viciante. Aliás, quando eu cá cheguei, fui para a Geologia e havia três geólogos, e um deles criou alguma animosidade com o geólogo-chefe, que eram sempre estrangeiros. O Roger era sul-africano e virou-se para mim, a geóloga nova que estava lá, "Vais tomar conta da equipa de sondagens", e eram cinco ou seis sondagens, mas umas senhoras sondagens! Eu tinha de fazer o log das sondagens, dizer onde era a sondagem, a direção e a inclinação, era responsável por comprar o equipamento, as coroas, etc. E, efetivamente, ver uma sonda a funcionar. Quer dizer, algumas dão problemas, ficam lá as varas todas, "Que chatice, ficaram lá 400 varas", mas a empresa é rica, se não já me tinham despedido! (risos) Sim, porque é assim, fazia-se recuperação total do testemunho! Ou seja, as sondagens de exterior, se tinham 500 metros de rocha, eram guardadas. Agora não, só se guarda mesmo junto ao filão. Portanto, há aqui um património científico muito importante. E há armazéns feitos só para guardar esse material. Eu lembro-me que, na altura, o Romeu [Vieira] precisou dessas sondagens e eu ainda mantenho o registo daquilo em papel, para memória futura! (risos) Gosto muito de ver sondagens, é verdade, mas agora devo dizer que o que me dá muito gozo é mostrar as sondagens aos meus alunos. Principalmente àqueles que não são geólogos. Porque o geólogo sabe o que é uma sondagem, mesmo sem nunca a ver. Agora um engenheiro civil, um engenheiro do ambiente? Não. E, portanto, como fazemos muito trabalho para o exterior, no Instituto [Politécnico da Guarda], temos lá sempre sondagens. Ainda agora estamos a fazer os estudos de geotecnia para aquele bocado da muralha de Monsanto que caiu há alguns anos e, há pouco, estivemos a fazer outros estudos para uma ponte em Maputo. E gosto de levar lá pessoal e explicar como é que aquilo é feito, porque a malta não sabe que aquilo é feito com serras diamantadas. Para que é que serve o diamante? Tem funções muito mais importantes que estar no dedo de uma senhora! (risos)
"(...) a perfuração, nas sondagens, é viciante"
16. Mas
nem tudo é bom… qual é a atividade que menos gosta, ou gostou, de fazer?
Corrigir exames! Ainda no outro dia estive a fazê-lo. Na sexta-feira dei exame de Geologia aplicada aos meus alunos de [engenharia] civil. E, então, o exercício que lhes pus, prático, foi com estabilidade de taludes de blocos e fi-lo entusiasmada, depois de ter visto a nacional 338 interdita, entre Manteigas e o Alto da Serra da Estrela, por queda de blocos na estrada. Até gosto de fazer testes porque me entusiasma, o que não gosto é de corrigir! (risos) E a parte burocrática de ser professor... eu suponho que não faça diferença, ensino secundário ou superior, mas o ensino superior está muito burocrático. Eu suponho que qualquer atividade publica está extremamente burocrática, porque o Estado descarrega nos seus funcionários. Fazemos tudo, essa é a parte chata!
17. Qual é a sua publicação favorita na área das geociências? Pode ser um artigo, uma carta ou um livro, que goste de ler de vez em quando.
Que goste de ler não, mas que goste de ver: eu gosto de cartas geológicas. Para mim, todas! E, repare, não sei se as pessoas sabem, mas o país não está coberto na escala 1:50 000. Uma vez fui à Assembleia da Républica, por causa dessa minha colega deputada que me convidou, e fizemos lá uma reunião com uns senhores deputados. O que é que falta? Olhe, a Carta Geológica de Portugal à escala 1:50 000! Façam um reforçozinho, contratem geólogos, porque só um geólogo é que sabe fazer cartas geológicas. Com o Narciso e o Carlos Meireles reformados, o Romão a reformar-se também, enfim, não conheço o panorama todo, mas olhem, por exemplo, a Panasqueira não tem carta geológica! Vá-se lá saber porquê, mas o Estado é que é o culpado, o Estado deve fazê-lo, seja um consórcio entre universidades, o que quiser e seja possível. Eu digo sempre aos meus alunos engenheiros, "Vocês não são geólogos, eu estou a dar-vos uma Geologia para engenheiros, para vocês não pensarem que isto é tudo a mesma coisa, mas têm de saber que quando estão a trabalhar temos um geólogo, e se querem fazer uma notícia explicativa para um projeto, onde é que vão buscar a informação?". E ainda bem que as cartas geológicas agora estão disponíveis gratuitamente. Se há coisa a que eu volto e gosto de ver, são cartas geológicas. Mesmo quando estou fora. Fui à Grécia e fui ver as cartas geológicas; fui à Républica Checa, com o meu marido de férias, e fui ver as cartas geológicas. Adoro.
18. Conte-nos um momento ou um evento que foi marcante na sua carreira?
Uhm… não sei. Mas quando saí da Panasqueira fizeram-me um jantar! (risos) A Panasqueira também é conhecida pelos seus minerais, então arranjaram lá uns minerais muito bonitos, puseram uma dedicatória e achei giro o reconhecimento. Era muito novinha, quando saí, ainda não tinha trinta anos. Mas não foi marcante.
19. E um falhanço ou momento embaraçoso ou complicado?
Embaraçoso não, mas complicado houve muitos. Houve sondagens que fizemos em que deveríamos encontrar alguma coisa e não encontrámos, mas isso é normal. Numa outra sondagem, perdemos as varas, foram quatrocentos metros de furo! E também perdemos a coroa, que era a parte mais cara. Isto aqui é xisto, o Complexo Xisto-Grauváquico ante-Ordovícico, e, sendo xistos, têm foliação, a xistosidade. Estávamos a fazer uma sondagem vertical, ali para os lados do Chiqueiro, que está a mil metros. A mina ali já está para aí nos seiscentos, portanto, para encontrarmos um filão, tínhamos que furar pelo menos quatrocentos metros. E a sondagem começou a apanhar a xistosidade e começou a fazer o "efeito banana", a desviar. O que é que se faz? Foi aí que aprendi que havia uns macacos hidráulicos que podiam tirar as varas. Tirou-se o que se podia, as varas partiram e ficou lá o resto. Mas não foi embaraçoso. O momento que me stressou um bocadinho foi o fim do doutoramento, não gostei. Eu fiz o doutoramento em Coimbra, a defesa foi numa sala imponente, uma pessoa vestida com a saia, com aquele traje académico: "Posso levantar-me?", "Não que a senhora tem de estar sentada". Stressou-me e eu não sou uma pessoa de stress, por defeito. Ainda agora me recordo do que levava vestido, de quem estava à minha frente, a pompa e circunstância, a rigidez do ato, a formalidade.
21. Tem algum hobby extra Geologia?
Tenho tantos! Gosto de cozinhar, muito. Se calhar mais doces. Gosto de fazer caminhadas, gosto muito de ler, policiais, e ver filmes de ficção científica, com extra-terrestres, como a Guerra das Estrelas.
Coleção de gasómetros da Ana Antão.
"Aliás, a Geologia é uma ciência da sociedade, muito mais que a gestão! Nós ensinamos à sociedade onde é que ela pode ir buscar os recursos para ser mais autónoma, para ser mais sustentável, para ser mais técnica e ser mais rica. Nós gerimos o planeta! Nós ensinamos às pessoas o nosso planeta."
Intraclasto
Minerais da Panasqueira
Como intraclasto, a Ana trouxe-nos minerais da mina da Panasqueira: um conjunto de cristais de quartzo, uma cassiterite com macla em joelho de estanho e, claro, uma apatite, em recordação do trabalho de estágio que teve de fazer, um levantamento da mineralogia ainda a lápis e borracha.
Geomanias
Rocha preferida? Granito
Mineral preferido? Eu gosto muito de quartzo. Mas também gosto muito da volframite, da lepidolite e da cassiterite
Fóssil preferido? Trilobites
Unidade litostratigráfica preferida? A mancha cor-de-rosa dos granitos hercínicos
Recursos minerais metálicos ou não metálicos? Metálicos!
Era, Período, Época ou Idade preferido? Paleozoico
Trabalho de campo ou de gabinete? Campo
Ortóclase ou Ortoclase? Ortoclase
Martelo ou microscópio? Se calhar martelo, mas gosto muito de microscópio.
Amostra de mão ou lâmina delgada? Amostra de mão
Pedra mole ou pedra dura? Pedra dura