
Rita Carmo
Setembro 2025
VULCANOLOGIA
SÓCIA APG Nº O1319
Natural de Sintra, trocou os plutões antigos pelos vulcões recentes. Hoje monitoriza a atividade sísmica e vulcânica dos Açores para ajudar a proteção civil a prever quando, onde e como serão as próximas erupções e sismos no arquipélago. Adora o trabalho de gabinete e de análise de dados, mas tem saudades de passar longas temporadas no campo.
"(...) temos todos os equipamentos lá postos a tentar auscultar o vulcão para tentar perceber se realmente vai acontecer alguma coisa ou não. Logicamente, há sempre uma grande incerteza em torno disso, e às vezes custa-lhes entender isso, porque as pessoas querem saber a data e a hora em que aquilo vai entrar em erupção – é impossível! E querem saber por onde. Impossível! "
Agosto de 2024, no rescaldo do abanão ao largo da costa continental portuguesa, milhares de pessoas em trânsito de e para férias no aeroporto de Lisboa e Rita Carmo, em escala, vinda de uma terra de vulcões e a caminho de outra. Nascida em Sintra, queria estudar o rei leão, mas um geólogo, professor de secundário, mostrou-lhe que a Terra também sabe rugir. Entrou em Geologia na Universidade de Lisboa e foi lá que descobriu a irresistível beleza das ilhas vulcânicas. A partir daí, nunca mais largou os Açores: mestrado, doutoramento, contratos precários, bolsas, projetos europeus, noites sem dormir — o kit completo de quem escolhe estudar mais. Hoje presta apoio à Proteção Civil, fazendo vigilância sismovulcânica 24/7 no CIVISA, um olho no sismo, outro no vulcão, porque a crosta terrestre não tira folga. AvisoPROCIV: venham conhecer esta geóloga que elege o Quaternário como idade favorita (!), que lê dados de maquinetas complexas como quem recebe notificações de WhatsApp da própria Terra e prepara os Açorianos para que, quando o chão voltar a tremer, ninguém tropece.
Entrevista
Aeroporto de Lisboa, agosto de 2024
1. Nome, a data e o local de nascimento.
Rita Carmo, nascida a 12 de setembro de 1980, em Sintra.
2. Conte-nos, de forma simples, para leigos, o que é que faz profissionalmente?
Eu trabalho numa equipa multidisciplinar – somos cerca de cinco dezenas, talvez nem tantos – em que fazemos a monitorização sismovulcânica da região dos Açores, de todos os sistemas vulcânicos ativos nos Açores. Prestamos assim assessoria técnica e científica ao Serviço Regional de Proteção Civil e Bombeiros dos Açores [SRPCBA]. A nossa sede fica na Universidade dos Açores, no polo de Ponta Delgada, e eu trabalho no Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores [CIVISA], em parceria também com o Instituto de Vulcanologia e Avaliação de Riscos [IVAR] da Universidade dos Açores.
3. Onde e em que ano ingressou no curso de Geologia?
Entrei no curso de Geologia em 1998, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa [FCUL]. Fiz os quatro anos do curso, no ramo científico. Mais ou menos no terceiro ano da licenciatura, o professor José Madeira deu-nos a conhecer a beleza das ilhas vulcânicas. Tive depois a oportunidade de ir com ele para os Açores, fazer uma missão para, com GPS, perceber um bocadinho o deslocamento das ilhas. E aí sim, foi quando me apaixonei por esta parte das ilhas vulcânicas. Acabei a licenciatura em 2002 e, nessa altura, já andava a estabelecer alguns contactos, também com a ajuda do professor Madeira, para ir para os Açores fazer o Mestrado em Vulcanologia e Riscos Geológicos. E entrei no mestrado já um bocadinho com o intuito de ficar nos Açores, se bem que a primeira adaptação não foi fácil, era muito menina da mamã e do papá. (risos) Mas depois lá consegui! Talvez no início a insularidade me tenha feito um bocadinho mais de confusão, mas a verdade é que São Miguel já é uma ilha bastante evoluída, temos tudo. Portanto, neste momento não me sinto nada isolada. O que custa às vezes, por exemplo, são as viagens mais caras para sair dos Açores, mas não é nada que não se resolva. Na altura em que ingressei no mestrado, tive também a sorte de trabalhar em part-time num projeto europeu, o RETINA [Realistic Evaluation of Temporal Interaction of Natural hAzards], no qual uma das partes era precisamente a da minha tese de mestrado. Fiz a tese durante o projeto e depois surgiram várias oportunidades, sempre ligadas à monitorização sismovulcânica. Depois fiz o doutoramento e por aí fora, ficando por lá. E já passaram 22 anos! (risos)
4. Como é que surgiu este bichinho da Geologia? Já havia um gosto pelos vulcões, pelos sismos? O que a levou a seguir Geologia?
Eu sempre gostei de Geologia, mas, verdade seja dita, não era para vir para esta área. Foi quase um acaso. Aliás, sempre estive ligada mais à parte das biologias, até porque na minha escola não havia Geologia. Mas quando cheguei ao 10º ano, tive um professor chamado Paulo Durão, que era geólogo e dava aulas no ensino secundário na Escola Secundária de Santa Maria, em Sintra. A forma como ele dava a matéria, toda a parte relacionada com a Geologia, deu para despertar aqui algum interesse. Claro, os vulcões eram sempre muito interessantes, mas eu ia muito focada na biologia e o meu sonho na altura era ser bióloga, ir para as savanas de África estudar leões – eram os leões que eu queria estudar. (risos) Mas depois, quando acabei o secundário, as médias subiram bastante. Então escolhi biologia como primeira opção, também na Universidade de Lisboa, e a Geologia como segunda opção, porque também gostava bastante. Não entrei em biologia, na altura a média subiu de 17 para quase 18, e acabei por entrar na segunda opção, Geologia. Já se sabe que os primeiros anos, aqueles dois de tronco comum, em que começamos a conhecer um bocadinho a Geologia, nem sempre são fáceis. Havia umas disciplinas que cativavam mais, outras disciplinas nem tanto, e ainda fiquei ali na dúvida, se calhar um bocadinho na expectativa de querer mudar de curso, mas deixei-me ficar. E quando fui para o terceiro ano, para o ramo científico, já com especializações e tudo, a paixão pela Geologia consolidou-se..

Rita Carmo em 2010, aquando dos trabalhos de paleossismologia na Achada das Furnas, para o doutoramento (Foto de Ana Hipólito).
'(...) se calhar eu também teria a mesma reação. Uma pessoa pensa, "Ok, é agora que tenho de me levantar e ir para baixo de alguma coisa ou aguenta assim?" '
5. O que é que foi surgindo e como é que as coisas foram evoluindo para permitirem que se mantivesse ligada a esta área da vulcanologia? Porque, na verdade, é uma área bastante competitiva.
Acabei o mestrado em 2005 e sempre nos deram oportunidade de continuar. Havia sempre aquela possibilidade. Às vezes tínhamos também de fazer um bocadinho por isso, isto é, tínhamos de conseguir algum contrato, no âmbito da Universidade dos Açores, no âmbito de um projeto, ou no âmbito de uma prestação de serviços. Por isso, para continuarmos, tínhamos, de certo modo, de fazê-lo de uma forma um bocadinho precária, mas nós sabemos que, no início, a vida nem sempre é fácil, não é?! Tive sempre a ajuda dos meus pais, porque para me conseguir manter lá, não tendo ainda um ordenado com o qual pudesse ser autónoma financeiramente, precisava dessa ajuda. E depois foi com estes pequenos trabalhos, digamos assim, sempre ligados à monitorização sismovulcânica, que consegui chegar ao doutoramento com uma bolsa do Governo Regional dos Açores – na altura era o Fundo Regional para a Ciência e Tecnologia [FRCT]. E quando terminei o doutoramento entrei para o CIVISA, em 2012, até que efetivei, e lá estou, continuo.
6. Há alguém na família ligada à área das geociências, antecedentes ou descendentes?
Não, não. Os meus filhos ainda são pequeninos, tenho um sobrinho que ainda está no terceiro ciclo, portanto ainda não chegaram a essa fase. (risos) Eu digo sempre para eles fazerem aquilo que gostam, se gostarem da Geologia, muito bem. Mas eles quando veem o exemplo da mãe, se calhar não acham muita piada, porque veem-me muitas vezes a ter de estar constantemente disponível. Nós ali nos Açores fazemos como se fossemos os médicos da Terra, não é? Os sismos não escolhem dia nem horas para acontecer, estamos sempre permanentemente de prevenção. Logicamente, temos de tirar férias, logicamente há alturas em que não somos nós que estamos tão dedicados, mas a verdade é que quando há alguma emergência temos de ser todos chamados e eles já estão habituados.
7. E os Açores mexem muito!
Mexem! Então, ultimamente nem se fala, desde 2022 que ainda não pararam! (risos)

"Gostei imenso de ver nas redes sociais as pessoas, os açorianos, a comentar, só diziam assim, "Credo, sentem um sismo e cai o Carmo e a Trindade"
8. Como é que vocês sentiram a nossa reação aqui no continente ao sismo de há três dias? [26 de agosto de 2024] (risos)
Posso ser sincera?! Gostei imenso de ver nas redes sociais as pessoas, os açorianos, a comentar, só diziam assim, "Credo, sentem um sismo e cai o Carmo e a Trindade". É assim, temos de ser realistas e nós sabemos que, com uma magnitude de 5.3, foi uma sorte que a falha que rompeu foi uma mais distante do território continental. Porque se tivesse sido mais próximo, sabemos que aquele sismo teria feito estragos. Eu esqueço-me que já estou nos Açores desde 2002, mas quando lá cheguei a primeira vez, o sismo de 1998, no Faial, de magnitude 5.8, era ainda algo recente. E já se passaram 20 e tal anos, e eu continuo a dizer recentemente. (risos) Foi um sismo já assim um bocadinho mais energético e como foi localizado a cinco quilómetros de uma freguesia, arrasou a freguesia. Portanto, não são sismos para brincar. E mesmo nos Açores, em 2007, tivemos o maior sismo registado nos tempos recentes, de magnitude até maior que o do Faial, 6.3. Mas como foi na região dos Ilhéus das Formigas, ali mais ou menos a meio caminho entre São Miguel e Santa Maria, não provocou absolutamente nada [a nível de estragos]. Mas sim, foi engraçado ver os açorianos todos chateados com essa questão, a dizer, "Olhem para aqueles, sentem agora um sismo e fazem aquele escândalo todo".

"(...) o financiamento fica sempre um bocadinho aquém do que gostaríamos. Para termos a rede ideal em torno de cada um dos nossos sistemas vulcânicos e para termos as pessoas para os operar, era preciso mais"

"(...) quando veem o exemplo da mãe, se calhar não acham muita piada, porque veem-me muitas vezes a ter de estar constantemente disponível. Nós ali nos Açores fazemos como se fossemos os médicos da Terra, não é? Os sismos não escolhem dia nem horas para acontecer, estamos sempre permanentemente de prevenção"
9. E para alguém que trabalha com risco sísmico e monitorização, provavelmente também em coordenação com a proteção civil, naquilo que são as recomendações para a população, isto é, o que se deve fazer, o que é que vos pareceu a preparação dos continentais?
Não sei, porque quando vimos aquelas reportagens dos órgãos de comunicação social a quererem encontrar pessoas que teriam sentido o sismo, a maior parte não tinha sentido nada. É como nos Açores, às vezes também temos sismos tão fraquinhos e as pessoas empolam aquilo que sentiram, assustam-se imenso e parece que o sismo foi um abanão com magnitude elevada, enquanto outras pessoas são mais calmas. Mas acredito que quem tenha sentido o sismo tenha ficado assustado. Como não foi uma grande distância até ao epicentro, se calhar eu também teria a mesma reação. Uma pessoa pensa, "Ok, é agora que tenho de me levantar e ir para baixo de alguma coisa ou aguenta assim?". Acredito que se tenham portado bem. Mas as pessoas têm memória curta, lá nos Açores é a mesma coisa nestas questões dos sismos ou das possibilidades de erupção vulcânica. Nós já sabemos que os Açores correspondem a uma região vulcânica e sismicamente ativa, portanto, é uma realidade que pode acontecer e eu acho que as pessoas se esquecem um bocadinho disso. Tivemos, em 2005, uma crise muito forte, no vulcão do Fogo, na ilha de São Miguel, chegámos mesmo a sentir os sismos ali na zona do vulcão e as pessoas ficaram muito alertadas para isso. Depois, tivemos em 2018 um pequeno incremento de atividade sísmica no vulcão do Fogo, mas são períodos muito longos em que não acontece nada, e as pessoas acabam por relaxar e achar que as coisas só acontecem aos outros. E quando começamos com situações como temos hoje em dia na Terceira [2024], digamos que as pessoas começam a ficar um bocadinho mais alerta e preocupadas, mas é mesmo assim. Em termos da sismicidade, as pessoas devem saber o que é para fazer, em termos de erupções vulcânicas, têm de confiar nas autoridades e nos cientistas, que nós temos todos os equipamentos lá postos a tentar auscultar o vulcão para tentar perceber se realmente vai acontecer alguma coisa ou não. Logicamente, há sempre uma grande incerteza em torno disso, e às vezes custa-lhes entender isso, porque as pessoas querem saber a data e a hora em que aquilo vai entrar em erupção – é impossível! E querem saber por onde. Impossível! Na Terceira, estamos a falar de uma zona que é o vulcão central de Santa Bárbara, mas aquela sismicidade estende-se tanto desde a crista submarina da Serreta, onde já houve a última erupção vulcânica nos Açores, até ao Sistema Vulcânico Fissural Oeste da Terceira, palco uma erupção histórica, em 1761. Portanto, toda aquela zona é um sistema fissural que tem o vulcão central a meio caminho, digamos assim, mas em toda aquela área pode acontecer alguma coisa. Vai acontecer? Não sabemos. Nós esperamos que não, porque muitas das vezes isto não evolui para nada, mas também pode evoluir. Neste momento, acho que as autoridades estão alertadas e estão a trabalhar no sentido de fazerem planos operacionais de evacuação. Mas ainda há um longo caminho para percorrer.
10. Acha que existe, nos Açores, um financiamento realista e apropriado para a prevenção e monitorização sísmica e vulcânica?
Digamos assim: já estivemos pior. O CIVISA tem um protocolo com a Proteção Civil e com o Governo Regional. Aliás, o CIVISA até nasce da parceria entre a Universidade dos Açores, que é o parceiro de investigação, o Instituto de Vulcanologia, e depois o Governo Regional, através do Serviço Regional de Proteção Civil e Bombeiros dos Açores. O CIVISA é uma associação privada sem fins lucrativos que nasce desta parceria. Houve uma altura em que não tivemos qualquer financiamento e vivíamos muito à custa dos projetos que tínhamos em curso. Depois, houve um momento em que o Governo Regional começou a apoiar-nos um bocadinho, e então tínhamos um protocolo em que recebíamos um determinado montante, à data uns 300 000€. Porém, este valor, para pagar 30 e tal pessoas e equipamentos – e nós sabemos que os equipamentos são todos caros, não é? – não chegava e, portanto, tínhamos sempre de ir buscar o restante a outras coisas. O ideal era termos uma rede em torno de cada vulcão, com várias estações sísmicas - no mínimo dos mínimos, pelo menos, umas cinco estações -, isto para não mencionar também estações de GNSS [Global Navigation Satellite System], estações de gases, ou outros tipos de equipamentos que podemos usar. E, claro, as pessoas, os recursos humanos – não se faz ciência sem recursos humanos. Quando trabalhamos numa atividade que decorre dia e noite, temos de fazer rotatividade entre as pessoas. O ano passado [2023] conseguimos que o Governo Regional nos aumentasse o protocolo para 600 000€, o que já é uma grande ajuda, mas mesmo assim, ainda é necessário mais. Então o financiamento fica sempre um bocadinho aquém do que gostaríamos. Para termos a rede ideal em torno de cada um dos nossos sistemas vulcânicos e para termos as pessoas para os operar, era preciso mais. Porque nós temos o pessoal do CIVISA, mas depois temos todo o do Instituto de Vulcanologia que também nos está a ajudar. Então ao todo, eu disse que somos 50, mas os 50 são os do Instituto de Vulcanologia e CIVISA, ou seja, o IVAR e o CIVISA conjuntamente. Sozinhos [CIVISA], era impossível!

Rita Carmo em 2003, aquando do trabalho de campo nas arribas da Povoação (S. Miguel, Açores), para o Mestrado.
11. Nos tempos da universidade, em Lisboa, foi uma aluna média, boa ou muito boa?
Acho que fui uma aluna boa. Logicamente, havia disciplinas que se calhar não gostava tanto, e as notas não eram tão boas, mas acabei com média de 15. Portanto, não foi muito mau. (risos) Houve outras disciplinas em que sobressaí um bocadinho mais, mas lá está, é como tudo na vida. (risos)
12. E era uma aluna participativa ou mais calada?
Eu sou uma pessoa tímida por natureza. Na altura, na universidade, nos primeiros anos, se calhar gostava de andar sempre um bocadinho mais recatada, digamos assim. Mas a verdade é que, quando entrei no curso, éramos para aí uns 100, e depois, quando cheguei ao científico [terceiro ano], na minha turma, do meu ano, já éramos pouquíssimos – para aí uns 7 ou 8, se calhar. De maneira que passou a haver uma maior proximidade com os professores e então já dá para participar um bocadinho.
13. E durante as aulas do mestrado?
Aí já fui um bocadinho mais participativa. No meu ano éramos 12 alunos e havia uma relação fantástica entre professores e alunos. Houve muito, muito campo, uma coisa que hoje em dia se tem vindo a perder. Mesmo lá nos Açores, a própria universidade não tem veículos suficientes para levar os alunos. Mas no meu ano, ainda fizemos muito campo. Só temos uma coisa a apontar, que na altura não fizemos, que foi a saída de campo final. O ano anterior ao nosso tinha ido ao Vesúvio e no ano anterior a esse ao Etna. No meu ano não fizemos nenhuma viagem, mas pronto. (risos)
14. A Universidade dos Açores tem protocolos com outras universidades, nomeadamente italianas?
Tem, sim. Neste momento, até temos um projeto europeu que é o ARISTOTLE-ENHSP. Este projeto, onde nós ainda somos verdinhos – entrámos há relativamente pouco tempo – é maior, digamos assim, porque é um projeto em que várias entidades científicas estão a prestar assessoria ao Mecanismo Europeu de Proteção Civil. E mexe com vários riscos naturais, cobre as cheias e inundações, fogos florestais, erupções vulcânicas, sismos, tsunamis e clima extremo. Nós, entidade Açores, estamos a entrar apenas com a parte das erupções vulcânicas, não com os sismos. Por isso, no que diz respeito a erupções vulcânicas, temos parceria com todos os nossos colegas dos observatórios europeus, italianos, islandeses – aliás, vou agora [horas após a entrevista] para a Islândia. Estamos a tentar que a Espanha ingresse no projeto, também estamos a estudar como é que o Reino Unido pode entrar, apesar do Brexit. E há ainda outros países que estão a ver se entram ou não entram. A França, por exemplo, com o IPGP [Institut de Physique du Globe de Paris] é um daqueles que estão no impasse do vai ou não vai. Mas isto é um projeto recente, para além disso tivemos já outros projetos, no passado, também europeus, e tivemos sempre parcerias com outros países. Aliás, para além de sermos uma equipa multidisciplinar, também temos uma parte que dinamizamos muito, que é a Academia IVAR, da qual eu sou responsável, em que alunos de fora, seja no âmbito de programas Erasmus+, seja a pessoa a suportar-se a si própria, podem vir fazer estágios connosco. Geralmente uma semana é o mínimo dos mínimos, mas podem ser períodos de seis meses ou mais, durante os quais estão lá a trabalhar connosco. Nós integramos as pessoas nas nossas atividades diárias, portanto, as pessoas são mesmo incorporadas na equipa. Acho que é uma boa iniciativa, é giro. E ainda neste âmbito, agora com o INVOLCAN, o Instituto de Vulcanologia das Canárias, quando foi a erupção de La Palma tínhamos um projeto que era o VOLRISKMAC. Aliás, até foram dois projetos, o primeiro era o VOLRISKMAC I, que começou em 2017-2018, e depois houve a sequela que era o VOLRISKMAC II. O objetivo era reforçar as redes de monitorização dos vulcões da Macaronésia. E quando foi a erupção de La Palma, nós estivemos lá a ajudá-los a fazer a monitorização, a reforçar as redes deles, com instrumentos que eles não tinham. Depois, quando foi a crise sismovulcânica de São Jorge, em 2022, eles também foram aos Açores, fazer a medição de gases, que é uma das especialidades que eles têm. Não quer dizer que não tenhamos essa capacidade, temos sim, mas eles tinham outro tipo de instrumentos que nós não tínhamos. Lá está, nem sempre o investimento dá para ter tudo. E esta é, também, a mais-valia destas parcerias.

15. Quais foram as disciplinas que mais gostou durante a licenciatura e quem as lecionou?
Eu gostei de Petrologia Ígnea, na altura foi a professora Teresa Palácios que deu as teóricas e o professor João Mata dava a prática. Gostei de Geomorfologia, com o professor José Madeira. Lembro-me também de Geologia Estrutural, com a professora Carla Kullberg. Depois a Estrutural Complementar foi o professor [João] Cabral, que deu a prática e, se a memória não me falha, era o professor António Ribeiro que dava a teórica. Quando fui para os Açores, para o mestrado, a minha tese foi precisamente em Geologia Estrutural: fiz a cartografia toda do sistema vulcânico mais antigo, e que já está extinto, em São Miguel, que é o maciço da povoação nordeste. O meu doutoramento veio na sequência desse trabalho. Foi o professor José Madeira que me orientou tanto no mestrado, juntamente com o professor João Luís Gaspar, lá dos Açores, como depois no doutoramento, também na especialidade de Tectónica, para o qual fiz a cartografia tectónica de toda a ilha de São Miguel.
16. Qual é que é a coisa que mais gosta de fazer na sua atividade profissional?
O que eu mais gosto de fazer… Essa é uma boa questão, o que é que eu gosto de fazer? Hoje em dia, o meu dia-a-dia já não é muito de campo. Agora faço muito trabalho de gabinete, a emitir comunicados para a Proteção Civil, a fazer assessoria, a participar em reuniões do gabinete de crise. Os dados chegam-nos do campo e nós analisámo-los, e gosto disso, mas também gosto muito de ir para o campo e sinto um bocadinho saudades de quando o fazia. Mas gosto do que faço, mesmo quando a situação está a ficar mais preocupante, por exemplo, agora em Santa Bárbara [Terceira], há momentos um bocadinho mais stressantes, mas eu gosto desta agitação. Na altura da crise sismovulcânica de São Jorge, que começou num sábado – era dia 19 de março –, eu lembro-me de chegar a casa e aquilo estar tudo a começar, com montanhas de sismicidade nos registos. Nós temos pessoal que está a fazer turnos de 24 horas no local. Eu agora já não faço parte, mas já estive, em tempos, nesses turnos. Agora estou sempre de prevenção. Mas lembro-me que fui logo chamada para ver, e então liguei as coisas em casa – na altura estávamos na pandemia –, e lembro-me de ver aquilo tudo a aparecer e houve uma altura em que só me apetecia largar o rato e pensava, "Eu não consigo fazer nada!". Não dava tempo para fazer nada, eu tinha de rever os inquéritos que as pessoas mandavam de x em x horas, tinha de fazer comunicados, houve uma altura em que eu dizia, "Eu desisto, não consigo fazer nada!". Mas depois pensei, "Não, respira fundo, ok, pôr as mãos na massa, vamos pôr as mãos à obra, vamos continuar a fazer isto", e lá consegui. Mas acho que sou uma pessoa calma. Gosto dessa parte, de olhar para os dados e da parte de coordenação com as autoridades, mas também gosto de ir para o campo. Já não acontece muito, mas quando há uma oportunidade, tento agarrá-la. (risos) O trabalho burocrático mete-se um bocadinho à frente, mas há sempre oportunidades.

"(...) o professor João Luís Gaspar [Universidade dos Açores], que muito tem contribuído para o nosso crescimento no sentido de aprender a lidar com estas situações. A parte de analisar os dados, a comunicação com a Proteção Civil, com os órgãos de comunicação social, a parte com a qual eu hoje em dia estou a começar a lidar, aprendi imenso a vê-lo"
17. E a que menos gosta?
Não digo que estou a aprender a gostar, e não é não gostar de fazer, mas se calhar faço com um bocadinho, não é desagrado, mas menos de entusiasmo, que é esta parte toda burocrática. Ainda por cima estou agora numa posição em que passam montanhas de coisas por mim e, portanto, tempo para fazer investigação é, quase sempre, nada. Ou então faço fora de horas.
18. Há algum geólogo, contemporâneo ou não, que admire muito, que seja uma referência?
Não diria que há assim uma pessoa que admire muito, ou não, acho que posso dizer que tive várias pessoas que me ajudaram a moldar ou a seguir o meu trajeto e foram dando sempre um contributo que me fez gostar das coisas que atualmente faço. Não podem ser dois nomes? (risos) Durante a licenciatura e durante as teses, em que pude fazer realmente o que gosto, ir para o campo, estudar tectónica e tudo isso, foi o professor José Madeira, com quem adquiri aquele bichinho de fazer paleossismologia. Agora na atualidade, a parte de gestão de crises, posso mencionar o professor João Luís Gaspar [Universidade dos Açores], que muito tem contribuído para o nosso crescimento no sentido de aprender a lidar com estas situações. A parte de analisar os dados, a comunicação com a Proteção Civil, com os órgãos de comunicação social, a parte com a qual eu hoje em dia estou a começar a lidar, aprendi imenso a vê-lo.
19. Qual é a sua publicação favorita na área das geociências? Pode ser um livro, uma carta ou um artigo, a que volte muitas vezes.
Quando estava a fazer o meu doutoramento, quando tinha mais tempo para essa parte de paleosismologia, gostava muito e lia imensas vezes o 'Paleoseismology' do James P. McCalpin. Hoje em dia, com a parte da vulcanologia, se calhar, no âmbito de alguns projetos para os quais tive de estudar bastante, mencionaria o 'Volcanic Hazards' do [Russel James] Blong. São dois livros que eu considero como referências, são duas obras.

"Aí, o que é que nós poderíamos ter feito? Ter dado o alerta mais cedo? Eu acho que se São Jorge esteve quase a entrar em erupção foi precisamente na noite em que aquilo começou, no final da tarde-noite, quando o magma esteve mais perto da superfície."
20. Qual é o momento que identifica como mais marcante?
Eu diria que um deles foi acabar o doutoramento. Digamos que fazer o doutoramento ao mesmo tempo que estamos a trabalhar na parte desta assessoria técnica e científica, não nos deixa muito tempo para fazer a parte da investigação como gostaríamos. E eu demorei um bocadinho para fazer o doutoramento, cerca de sete anos. Não consegui estar dedicada a 100% ao trabalho de doutoramento, e ajudava em tudo, no CIVISA, pois também não me queria afastar! É das tais coisas… eu gosto daquilo! (risos) Comecei com a bolsa em finais de dezembro de 2007 e apresentei a tese em maio de 2014, entregue em dezembro de 2013. Portanto, houve ali uma fase em que fui um bocadinho abaixo, houve ali uma fase que senti que não iria conseguir acabar. Então, quando terminei, acho que posso dizer que foi uma superação, sem dúvida. Mas há outro momento que contribuiu, de forma muito significativa, para a minha autoestima. Fizemos umas reestruturações, mudou-se a direção do CIVISA, e o facto de ter ingressado na direção, de me terem nomeado, foi um reconhecimento, um bom reconhecimento, e uma pessoa fica sempre contente. Mas mais burocracia! (risos)

"(...) muitas vezes não somos bem compreendidos. Eu gosto daquilo que eu faço, e acho que nós fazemos um bom trabalho (...) Mas as pessoas querem aquelas respostas exatas de vai acontecer ou não vai"
21. E um momento, assim, mais embaraçoso, um momento complicado, um falhanço?
Complicado… se calhar, algum agora recente, com estas crises sismovulcânicas que nós temos tido. Por acaso, eu sou uma pessoa que sofre um bocadinho com isso, pelo que tento abstrair-me. Não sou muito de redes sociais, mas de vez em quando vou lá e vejo que muitas vezes não somos bem compreendidos. Eu gosto daquilo que eu faço, e acho que nós fazemos um bom trabalho, porque com os meios que temos, tentamos fazer a monitorização e dar os alertas para as pessoas. Mas as pessoas querem aquelas respostas exatas de vai acontecer ou não vai e, se calhar, nós não dizemos tudo o que elas querem ouvir. Nós temos a nossa forma de comunicar e tentamos também não alarmar, mas o facto de as pessoas dizerem mal do nosso trabalho e dizerem que estamos a esconder informação, essa parte aí desagrada-me bastante. Não podemos agradar a gregos e a troianos, fazemos o nosso trabalho, mas as pessoas vão sempre dizer algo. Sinto-me de consciência tranquila. Também temos de compreender que as erupções podem acontecer quase sem aviso nenhum, não é? Tentamos monitorizar e temos de analisar vários dados, não é só com base na sismicidade que dizemos que o vulcão está reativado ou não. Neste caso, São Jorge ou, por exemplo, a Terceira, ou mesmo no vulcão do Fogo em 2005, houve vários parâmetros que medimos que contribuíram para dizermos que estava a haver uma reativação do vulcão. Era sismicidade e deformação crustal. A parte dos gases, na altura não deu nada, não houve manifestações à superfície para além daquelas normais que já existem nas fumarolas. Não houve outros indícios de desgaseificação, nem anomalias térmicas, mas houve deformação e sismicidade. A própria situação no vulcão do Fogo não evoluiu, nós sabemos que houve uma intrusão que ficou mais ou menos instalada a 2000 metros de profundidade, e aí ficou – tivemos sorte, foi uma erupção falhada. Mas São Jorge foi uma situação muito interessante. São Jorge era uma ilha na qual praticamente não havia sismicidade. Foi palco, sim, em termos históricos, em 1757, de um sismo para o qual, na altura, Frederico Machado estimou uma magnitude de 7.4. Portanto, o mais forte alguma vez registado nos Açores, em termos históricos. 7.4! E a ilha teve uma atividade sísmica destruidora. Em 1580 e 1808 há registo de umas erupções históricas, que foram acompanhadas de sismicidade destrutiva. Mas após estes eventos, era uma ilha em que não havia nada, em termos de sismos não havia nada, nem um sisminho de vez em quando, nada. E, de repente, no tal dia 19 de março, aquilo começou… Aí nós aumentámos logo o nível de alerta para 2, depois passado uma hora e qualquer coisa aumentámos para 3. Como São Jorge era uma ilha em que quase não existia nada, não tínhamos tantas estações lá, tínhamos duas estações sísmicas e uma nem sequer era nossa, era da IRIS [Incorporated Research Institutions for Seismology]. Havia uma ou duas estações de GPS, e mesmo assim estavam com problemas. E só demos o alerta 4 – na nossa escala, no nosso código de alerta vulcânico 4 já é um estado pré-eruptivo – dois dias depois, no dia 23, quando houve uma imagem de InSAR [Interferometric Synthetic Aperture Radar] que começou a circular, na qual se verificava deformação crustal em São Jorge. Aí, o que é que nós poderíamos ter feito? Ter dado o alerta mais cedo? Eu acho que se São Jorge esteve quase a entrar em erupção foi precisamente na noite em que aquilo começou, no final da tarde-noite, quando o magma esteve mais perto da superfície. Depois tivemos a sorte, com as fraturas que existem ali na zona, de o magma ter fugido um bocadinho para o lado e depois voltou a descer em profundidade. A Terceira já é uma situação completamente diferente! Em São Jorge começou assim de repente – aliás, houve antecipadamente sismos mais profundos, nós é que, na altura, não tínhamos uma rede suficientemente forte para poder registar esses sismos, portanto fomos quase apanhados desprevenidos. A Terceira não, a Terceira já tem uma rede sísmica bem constituída, tem estado a começar devagarinho, mas a tendência é sempre para crescer. Em São Jorge foi tudo decrescente, conforme teve aquele pico muito energético naqueles primeiros dias, depois começou a sua tendência decrescente. A Terceira tem sido uma situação diferente. E claro, reforçámos a rede, tínhamos seis estações sísmicas, hoje em dia temos 11, temos, já nem sei se são umas oito ou nove estações GNSS, portanto, temos tudo ali a olhar para aquele sistema vulcânico.
22. Se pudesse viajar no tempo geológico e assistir a um evento concreto da História da Terra, em segurança, e bem instalada com uma bebida à escolha, qual seria? Podia lá estar assim uns 20 milhões de anos. (risos)
Não era preciso tanto tempo! (risos) Não era preciso tanto tempo, não. Eu gostava de ver, até podia ser há uns 500 anos, alguma das erupções históricas de que temos registo. E recuava um bocadinho mais no tempo, para assistir a uma daquelas erupções vulcânicas que nós sabemos que já existiram no passado. Um supervulcão não digo, mas assistiria assim a uma erupção do tipo Pliniano. Por exemplo, o vulcão do Fogo, em São Miguel, sabemos que, há uns 5000 anos, foi palco de uma das maiores erupções – se não a maior – dos últimos 5000 anos, no arquipélago dos Açores. E, portanto, essa foi uma erupção daquelas que deu uma coluna eruptiva, escoadas piroclásticas, à qual gostava de ter assistido. (risos) Já tive a sorte de assistir à erupção vulcânica de La Palma, agora estava na expectativa de assistir à da Islândia, mas essas são todas um bocadinho mais efusivas. Gostava de assistir a alguma com mais explosividade, acompanhada por uns snacks e um gin tónico, ia bem! (risos) Ou um traçado, que é à moda dos Açores. É tipo panaché, mas em vez de ser com SevenUp ou Sprite, é cerveja com laranjada! Muito bom! Um traçadinho! (risos)

Intraclasto
À Prova de Lava


Para o Intraclasto, a Rita não trouxe uma rocha souvenir, até porque a mala de cabine não permitia, trouxe-nos antes a própria viagem, que ainda não tinha acontecido!, porque este pessoal dos vulcões e sismos vive na antecipação. A caminho da Islândia, numa escala em Lisboa, quando a entrevistámos, escolheu exatamente o seu destino: ida à Islândia no âmbito de um programa europeu de "tráfico de peritos" em proteção civil - o 'Exchange of Experts', financiado pela União Europeia. A Rita foi como cientista, convidada pela comitiva dos bombeiros e proteção civil dos Açores. Enquanto nós cá andamos a lidar com episódios pontuais, eles fazem disto quase rotina: planear, reagir, minimizar estragos e, quando possível, salvar as infraestruturas críticas antes que a lava lhes bata à porta. Não é que tenham soluções mágicas, mas a experiência de décadas dá-lhes outra tarimba: perceber como é que um país habituado a viver em cima de vulcões organiza a sua proteção civil, como se preparam antes da catástrofe e como gerem o depois, quando os estragos já estão garantidos.
Geomanias
Rocha preferida? Ignimbrito
Mineral preferido? Granada
Fóssil preferido? Trilobite
Era, Período, Época ou Idade preferido? Quaternário
Recursos minerais metálicos ou não metálicos? Não metálicos
Unidade litoestratigráfica favorita? Eu gosto muito do vulcão do Fogo, com o seu grupo superior todo, com a tal formação do Fogo, a tal erupção dos 5000 anos, mas também gosto muito do vulcão das Sete Cidades, dos últimos 5000 anos, com depósitos lindíssimos.
Martelo ou microscópio? Martelo
Trabalho de campo ou de gabinete? Posso gostar dos dois? Campo e gabinete! (risos)
Pedra mole ou pedra dura? Pedra dura
Esparrite, Esparite, Sparite ou Sparrite?Esparite. À portuguesa deve ser esparite? (risos)