
Ricardo Oliveira
Dezembro 2025
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
SÓCIO APG Nº O10
É natural do Porto, um front man do Laboratório Nacional de Engenharia Civil e dispensa apresentações: um nome incontornável da Geologia de Engenharia aquém e além-fronteiras. Conta já com uma longa, prazerosa e muito preenchida carreira, envolvendo docência, investigação, administração, consultoria, acompanhamento e desenvolvimento técnico de inúmeras e muito conhecidas obras.
"Minha filha, durante todos estes anos (...) tive reuniões com tudo quanto é pessoa, no estrangeiro, no país, no mundo inteiro! E gosto, gostei sempre, gosto disto! E nunca tive uma situação em que me dizem, 'O senhor fez isto e isto está uma burrice!', nunca me aconteceu! Se calhar até fiz, mas nunca ninguém me disse!"
Foi no LNEC que conhecemos uma das figuras mais marcantes da Geotecnia em Portugal: Ricardo Oliveira, o geólogo que decidiu que ter uma vida normal era demasiado aborrecido. Formado em Geologia na Universidade do Porto, começou a carreira dividido entre rochas e pintura — provavelmente o único aluno capaz de analisar uma falha enquanto escolhia a cor certa para o fault-gouge. As Belas-Artes perderam um artista; a engenharia ganhou O Geólogo. Entrou no LNEC em 1960 e tornou-se o primeiro geólogo de engenharia do país, porque alguém tinha de inaugurar a profissão. Participou em alguns dos maiores projetos nacionais, da A1 à Ponte Vasco da Gama. Pelo caminho colecionou graus, títulos e distinções. Na COBA, que liderou durante mais de duas décadas, transformou-se em "chefe supremo do subsolo", erguendo obra em 58 países. Na academia, criou os primeiros cursos de pós-graduação em Portugal, em Geologia de Engenharia e Mecânica dos Solos, obrigando gerações de alunos a fingir paixão por diagramas de Mohr-Coulomb. Hoje, com uma carreira que descreve com humor como tendo "125 anos de serviço", continua ativo, lúcido, bem-disposto e com mais histórias do que páginas disponíveis para as contar. Venham conhecer este literal 'rock'star!
Entrevista
LNEC, Lisboa, junho de 2024
1. Nome, a data e o local de nascimento.
O meu nome é Ricardo Oliveira. Tenho mais uns nomes no meio, mas nunca usei e ninguém me conhece por esses nomes. Nasci no Porto e a data de nascimento é 12 de dezembro de 1937. Sou um jovem, exatamente! É assim que me sinto e é assim que continuo a ser, porque continuo a trabalhar da mesma maneira como há 40 anos.
2. Conte-nos o que é que tem feito profissionalmente ao longo destes anos?
É um pouco complicado sintetizar a minha carreira. De forma simples, muito simples, eu tenho atividade feita que vai desde o ensino, investigação, projetos de engenharia, consultoria de todos os tipos e acompanhamentos de obras em 58 países do mundo. Neste momento, a minha carreira conta com 36 anos do Laboratório de Engenharia Civil (LNEC), mais – porque isto é a somar! – 55 na COBA e mais, de 1974 a 2008, que foi quando dei a última aula, 34 anos. Somando isto, quando me perguntam quantos anos de serviço eu tenho, respondo, por modéstia, 125 anos. Trabalhei, inicialmente, 36 anos no LNEC, mas a partir de uma certa altura, passei a trabalhar como consultor e, depois, inclusivamente, como administrador da COBA, que é a maior empresa de consultoria de engenharia. E, em relação à questão, à parcela de tempo docente, ela resulta de duas coisas: a primeira é ter sido convidado, em 1969, pelo Departamento de Engenharia Civil da Universidade do Porto, para dar uma disciplina de Geologia no terceiro ano, que decorria na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, i. e., os alunos de engenharia iam lá para essa aula. Fui convidado porque, aparentemente, os alunos estavam baralhados com aquilo que se passava. Apareciam-lhes professores a falar de paleontologia, cristalografia, etc, por aí fora e, portanto, não era nada disso que os alunos de engenharia queriam. E fui convidado para ir ao Porto durante o primeiro semestre, durante quatro anos. O auditório onde essas aulas eram dadas, no [à época] Departamento de Geologia da Universidade do Porto, tinha 70 lugares e os alunos eram 200. Portanto, eu tinha de fazer uma coisa que nunca fiz na vida, e que detesto fazer, que era repetir as aulas. Eu não leio as aulas, na altura não havia powerpoints e, portanto, eu tinha de dar três vezes uma mesma aula. Eu ia de avião, num Caravelle – era um tipo de avião que já não existe mais – de noite. No inverno não ia, porque estava a chover muito e o Caravelle não aguentava, então ia de táxi, para o Porto, para vir no dia seguinte, outra vez. E fiz isto durante quatro anos. Porque é que parei ao fim de quatro anos? Por várias razões, mas a principal foi porque, entretanto, foram criadas as universidades novas, em resultado do Decreto Veiga Simão [Decreto-lei nº 524/73], ministro do antigo regime, mas que era um ministro, digamos, para a frentex, e fez uma alteração muito grande no ensino universitário, criando várias universidades, em 1973, creio que em outubro. Uma delas foi a Universidade Nova de Lisboa (UNL), outras foram a Universidade do Minho, a Universidade de Aveiro e creio que a Universidade de Évora também foi agregada a esta evolução. E, portanto, o que é que aconteceu? Foi nomeado um reitor da Nova, um professor do [Instituto Superior] Técnico, que me convidou para eu ir para a UNL criar uma área de geotecnia porque não existia nenhuma no país. Havia disciplinas, ensinava-se mecânica dos solos e começava-se a ensinar um bocadinho de mecânica das rochas, no Técnico e no Porto. Sobretudo mecânica dos solos, mas não havia este conjunto, a 'Geologia de Engenharia' ainda não existia sequer nesse momento. Passou a existir então. Tive um contrato pela universidade e comecei em 1974. Durante um ano e pouco, a minha atividade foi criar os primeiros cursos de pós-graduação, cursos que não existiam em Portugal, e que dessem formação na área da geotecnia. Foi um trabalho muito grande e, na altura, eu só tinha um assistente para me ajudar. Após uma pesquisa a cento e tal instituições portuguesas, acabámos por ter como resultado duas áreas prioritárias, e não foi surpresa para mim: a 'Geologia de Engenharia' e a 'Mecânica dos Solos'. A mecânica das rochas ficou em terceiro lugar e achei que não fazia sentido ter mais do que dois cursos, até porque era muito fácil abordá-la agregando-a aos outros dois cursos. E foi assim que criei os primeiros cursos de pós-graduação em Portugal. Os alunos no curso de pós-graduação em Geologia de Engenharia, eram, essencialmente, geólogos. Não havia ainda engenharia geológica, só apareceria nos anos 80. Já os que concorreram para o curso de pós-graduação em Mecânica dos Solos eram essencialmente engenheiros civis. Isto foi o princípio. Criaram-se os cursos e tiveram muita procura. Não havia, perguntarão, cursos de mestrado? Não, não havia ainda cursos de mestrado. Mas voltando à questão. Eu tenho desenvolvido a minha atividade, e continuo a desenvolver, pelo mundo todo, nos continentes todos, desde a costa Ocidental, América do Norte e da América do Sul, até à ponta da China. E foi nos Estados Unidos [da América] que fiz o meu pós-doutoramento, numa das Big Ten, a Universidade de Illinois, dinamizado e conseguido através do engenheiro Manuel Rocha e financiado pela Fundação Fullbright.
3. Em que ano e onde ingressou no curso de Geologia?
Eu licenciei-me em Geologia na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, e entrei no ano de 1955, se não me engano.

Com 12 anos, em 1949.
4. E porque é que foi para Geologia?
A resposta a essa pergunta é uma história muito complicada. Compreende-se quando eu acabar de contar, mas eu nunca pensei ir para Geologia, nunca. Antigamente não era como agora. Para entrar na universidade, uma pessoa tinha duas alternativas: tinha notas que o dispensavam e entrava automaticamente no curso que quisesse, não tinha de fazer nada, ou não tinha notas suficientes e tinha de fazer umas provas de admissão. Fiz o meu secundário e fiquei dispensado e, portanto, como tinha notas para qualquer lugar, tinha o panorama aberto. Ir para letras não, obviamente. As ciências interessavam-me. Mas eu tinha – infelizmente já morreu – um irmão mais velho que era arquiteto, nove anos mais velho do que eu. A minha ideia então foi "Se calhar eu também quero ir para arquitetura", até porque o meu irmão estava com muito sucesso, já tinha alguns anos de experiência, uns cinco, por aí. "Arquitetura", pensava, e mantive essa ideia. Os meus pais conheciam uma famosa personalidade, o professor Carrington da Costa, eram amigos dele. Eu vi-o uma vez ou duas. E o que é que aconteceu? Numa conversa, provavelmente depois de terem estado com ele, os meus pais disseram-me, "O Professor Carrington da Costa agora é o Presidente da Junta de Energia Nuclear". Ele tinha sido professor no Porto, mas já não era professor há uns anos. E aquilo ficou-me na cabeça, "Junta de Energia Nuclear… isto está a começar, não existe energia nuclear e isto é capaz de ser uma coisa interessante". Estamos a falar dos anos 50. E foi por essa via que eu disse, "Então, para eu exercer a minha atividade nessa área, que me parece interessante, o que é que eu tenho de fazer?". Curso de Geologia! E inscrevi-me no curso de Geologia e fui fazê-lo. Pronto, foi assim.
5. Com que então, a culpa foi do Carrington da Costa…
A culpa não foi dele porque ele nem sequer esteve comigo para me dizer. A culpa foi da figura 'energia nuclear'. Vocês têm dificuldade em perceber isto que eu estou a dizer porque estamos a falar de há 50 anos ou mais, em que isto estava a começar, e hoje em dia fala-se mais da energia nuclear. Nessa altura, era uma novidade e esse instituto que se criou foi uma coisa completamente nova, algo muito interessante. Mas eu ainda tinha a tal questão da arquitetura e comecei a pensar, "Como é que vou resolver este problema?". Fui me informar na faculdade, na "Escola de Belas Artes do Porto", agora é que é faculdade, como é que eu podia organizar a minha vida para ter, durante algum tempo, a experiência das duas áreas. Assim, fiz o primeiro ano de arquitetura simultaneamente com o primeiro ano de Geologia! Nessa altura, para entrar na Escola de Belas Artes, era apenas preciso o quinto ano do liceu [equivalente ao 9º ano atual], não era preciso o sétimo ano [equivalente ao 11º ano atual]. Portanto, inscrevi-me na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, na Licenciatura em Geologia, e simultaneamente fui lá à Escola de Belas Artes e perguntei "Como é que eu posso fazer?" Responderam-me "Só não pode inscrever-se no curso de arquitetura, mas pode inscrever-se em qualquer um dos outros: pintura, escultura, etc". "E se eu quiser seguir arquitetura?". E expliquei que estava inscrito na Faculdade de Ciências, que tinha matemática geral, que me tinha informado que poderia, no final, ir à Faculdade de Ciências, requisitar as minhas matemáticas gerais e juntar às outras disciplinas... E então fiz o primeiro ano do curso de pintura, com as disciplinas todas, desenho gráfico, enfim, as quatro ou cinco disciplinas que o curso tinha, juntamente com as matemáticas gerais que frequentava na Faculdade de Ciências, além das outras disciplinas todas, claro.
"E aquilo ficou-me na cabeça, 'Junta de Energia Nuclear… isto está a começar, não existe energia nuclear e isto é capaz de ser uma coisa interessante' "
6. O primeiro ano de pintura veio a dar-lhe jeito?
Jeito não, porque eu depois desisti. O primeiro ano de pintura não era para ser pintor, ainda que para entrar no curso de pintura tive uma prova de admissão, que foram duas ou três horas a desenhar. Para tal, nesse verão – isto foi em outubro –tive dois meses de aulas com um tio de uma senhora que veio a ser minha mulher. Foi ele, pintor, professor, que me deu aulas para me ensinar o essencial! Lá fiz o exame e, depois, no primeiro ano, houve desenho vivo, com modelos vivos, e houve modelos não vivos, uma jarra, uma estátua, uma coisa qualquer. O que é certo é que fiz o primeiro ano de pintura e quando terminei tinha duas opções: ou mantinha ambos os cursos de pé ou não. Nessa altura, já eu tinha mais conhecimento, já tinha falado mais com o meu irmão sobre todas essas coisas, então deixei cair a pintura e segui a minha carreira na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
"Eu como trabalhei sempre muito, nunca tive tempo de fazer retroativos" (risos)

"Sou um jovem, exatamente! É assim que me sinto e é assim que continuo a ser, porque continuo a trabalhar da mesma maneira como há 40 anos."
7. Quantos anos tinha o curso de Geologia na altura? Cinco?
Quatro! O meu curso teve quatro anos, foi a partir da segunda metade dos anos 60 que os cursos passaram a ter cinco anos. Julgo que foi em 1965, a legislação criou mais um ano e, ao criar mais um ano, alterou o elenco disciplinar, criando pela primeira vez, em 1969, uma disciplina que julgo que se chamava "Geologia Aplicada à Engenharia". E o Departamento de Geologia do Porto pediu-me para eu dar essa primeira disciplina de Geologia de Engenharia, a qual foi depois seguida por muitos geólogos, como o [Alberto] Costa Pereira, e que muitos outros frequentaram.
8. E quantos alunos entraram consigo? Conhecemos alguns dos seus colegas?
Colegas tinha cinco. Até tinha mais, mas formaram-se comigo cinco. Tenho uma fotografia no meu escritório, tirada na Queima das Fitas, eram duas raparigas, eu e outro colega. O [Manuel João] Lemos de Sousa foi meu colega de turma! Mas, entretanto, atrasou-se, por algum motivo, e ficou com uma ou duas ou três cadeiras atrasadas. Não passou ou não me lembro desses pormenores, não quis, reprovou, não faço a mínima ideia. Fui colega dele em muitas disciplinas, mas depois nunca mais tive nenhum contacto com ele. Onde é que eu vim a "reencontrá-lo" mais tarde? O Lemos de Sousa é membro da Academia de Ciências de Lisboa e, então, recebi um convite seu, via Hélder Chaminé do Politécnico do Porto, para fazermos o Thesaurus da Geotecnia. Esse Thesaurus teve uma participação minha significativa, sobretudo no capítulo introdutório para explicar tudo sobre o que é a geotecnia, e tem 4000 e não sei quantos vocábulos, em português e inglês. A minha colaboração para se rever essas palavras todas foi mais modesta. E esse Thesaurus está pronto! Participaram também o Matos Fernandes, da Faculdade de Engenharia do Porto, o Hélder Chaminé e a minha aluna, Isabel Fernandes, que está aqui em Lisboa e que esteve no Porto até há uns anos. No livro, há uma parte com o título "Breves Notas sobre a História da Geotecnia, Uma Introdução", depois vem a mecânica dos solos, que foi a primeira a aparecer, com o [Karl von] Terzaghi, um alemão que depois foi para os Estados Unidos e que é uma personalidade. Depois há uma parte dedicada à mecânica das rochas, que tem outro historial e que eu acompanhei desde o princípio cá em Portugal, pois começou no LNEC e com o Manuel Rocha a ir dar umas aulas ao Técnico também. Estou a falar no início dos anos 1960 e por aí fora. E a mecânica das rochas tinha muita ligação com a Geologia de engenharia, de tal maneira que as duas pós-graduações de que falei, 50% das disciplinas eram comuns a ambas! Depois, neste Thesaurus, aparece a Geologia de Engenharia, e finalmente, acrescentei um ponto que é sobre o papel das empresas no desenvolvimento da geotecnia.

Finalistas de Geologia (Universidade do Porto), na Queima das Fitas do ano letivo 1958-59.
9. E qual foi a sua disciplina favorita, durante a licenciatura?
A Petrografia pelo [Miguel] Montenegro de Andrade. Claramente. Porque eu tive muito azar, os outros professores eram uma desgraça completa! Era o Rosinhas, o [Domingos] Rosa da Silva, que era o diretor do departamento e que estava cego e falava com muita dificuldade. Quem é que tinha em Paleontologia? A Judite [dos Santos Pereira]! Portanto, só desgraças. O único tipo que de facto sabia era o Montenegro, ele era um bocadinho sui generis, mas eu não tenho razões de queixa nenhumas. Tanto que quando acabei o curso, convidaram-me para uma coisa que não existe mais, que era ser assistente livre. O que era o assistente livre? Era o assistente que dava aulas, e eu estive três vezes nessa situação, mas não recebia dinheiro nenhum! (risos) Existia essa figura e fui convidado pelo Montenegro. Aliás, ele deu-me a maior classificação naqueles anos, e eu gostei imenso da Petrografia. Não gostei nada da Paleontologia.
10. Foi um aluno médio, bom ou muito bom?
Quando terminei o meu curso, terminei com uma classificação que já não existia há 15 anos. Mau não fui!
11. E como foi parar à Geologia de Engenharia?
Nunca pensei na Geologia de Engenharia, não existia antes. A Geologia de Engenharia tem uma história, e essa história está contada num livro de que sou autor, que foi elaborado a propósito dos 50 anos da Associação Internacional da Geologia de Engenharia [International Association for Engineering Geology and the Environment, IAEG], da qual fui secretário-geral e depois presidente da comissão sobre ensino. A IAEG fez 50 anos e fizemos um livro com a história toda dos primeiros 50 anos da Geologia de Engenharia, como começou, onde começou, por aí fora. E a Geologia aplicada à Engenharia começou exatamente nesse período de que estou a falar. Quando eu entrei no LNEC, em 1960, o laboratório tinha necessidade de ter um geólogo. Porquê? Porque tinha barragens e fundações de barragens, já fazia algumas coisas na área da mecânica das rochas, mas faltava conhecimento geológico. A estrutura geológica, as respetivas rochas, os respetivos materiais. Portanto, depois de três meses como assistente livre na FCUP, recebo uma carta do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, na casa dos meus pais, a dizer "Está aberto o concurso". Ninguém sugeriu o meu nome. Era a regra do laboratório, fazia convite aos melhores alunos de todas as áreas, não era só de Geologia, era de todos os cursos! Pedia às universidades as listas dos alunos com as respetivas classificações, porque ninguém entrava no LNEC com menos de 15 valores! Era o Manuel Rocha que decidia quem entrava, com os outros diretores de serviço. E uma regra base, para toda a gente, era que 15 é o mínimo. Eu concorri, e concorreram, do Porto, mais dois colegas de engenharia de minas. Mais tarde recebi uma carta a dizer "O senhor ficou classificado, apresente-se aqui em janeiro para iniciar as suas funções como tirocinante". Um ano como tirocinante para assistente, depois passei a estagiário e, depois, fui preparando a minha tese, a qual fiz em 1965. E, portanto, o primeiro geólogo de engenharia em Portugal, fui eu!

"(...) recebi uma carta a dizer 'O senhor ficou classificado, apresente-se aqui em janeiro para iniciar as suas funções como tirocinante'. Um ano como tirocinante para assistente, depois passei a estagiário e, depois, fui preparando a minha tese, a qual fiz em 1965. E, portanto, o primeiro geólogo de engenharia em Portugal, fui eu!"
12. Quais foram os seus primeiros trabalhos como geólogo do LNEC?
A autoestrada A1, Lisboa-Vila Franca de Xira. Um trecho de 25 quilómetros, com quatro empreiteiros, sete quilómetros, mais ou menos, para cada um, e que quando começou não tinha projeto geológico nenhum. Havia o projeto feito pela Junta Autónoma de Estradas, mas projeto geológico ou geotécnico, nada. Só havia projeto geométrico. Uma autoestrada é uma autoestrada, não são as estradinhas da Serra de Sintra, então começaram a fazer um traçado, o projeto, lançaram o concurso e concorreram quatro empresas de construção para construir os primeiros 25 quilómetros, e, ao mesmo tempo, os 10 quilómetros do Porto até aos Carvalhos – mas eu não tive nada com isso. Então o LNEC, a certa altura, é metido nisto porquê? Porque os empreiteiros com os seus tratores grandes, com os seus bulldozers, começaram a cortar, em Vila Franca de Xira, em Alhandra, logo aqui à saída de Lisboa, as encostas e aquilo vinha tudo por ali abaixo. O LNEC foi chamado porque tinha o tal serviço de estradas e aeródromos, e eu fui enviado para ir trabalhar para lá. E então qual era o meu papel? Primeiro, estudar o assunto, o que é que estava a acontecer, que formações havia, e depois, estar ao lado dos manobradores dos tratores, a dizer, "Alto, não pode continuar aí! Agora tem de desviar". Porque fazendo-se o que estava a ser feito, e aconteceu isso em quatro ou cinco troços, neste trecho Lisboa-Vila Franca de Xira, tudo aquilo começou a mexer. Teve de se evitar várias coisas e houve, através do LNEC, a necessidade de projetar soluções para aquelas partes que já tinham sido movimentadas. Isto foi a minha primeira atividade. Simultaneamente, porque o laboratório tinha atividades pelo país todo, fiz também um trabalho extremamente interessante, que está à vista de toda a gente ainda hoje, que foi a estabilização da encosta de Gaia, junto à ponte, na encosta oposta aos Guindais, do lado de Gaia, na Serra do Pilar.
"Ele [Cotelo Neiva] era uma pessoa extremamente capaz!"
13. E fez a sua tese de doutoramento no LNEC?
Sim. Os doutoramentos eram feitos aqui no LNEC e chamavam-se "obtenção do grau de especialista". Com legislação do LNEC, feita em 1961. A carreira era começar como professor, como professor já catedrático ou próximo disso, fazendo provas públicas! E como não existiam doutoramentos, mas o Manuel Rocha queria ter aqui uma coisa desse tipo, criou esta figura. Quem é que foi arguente da minha tese de doutoramento? Vá lá, digam lá um nome de uma personalidade da Geologia que tenha sido meu arguente. Foram vários, o júri tinha muita gente.
14. Carlos Teixeira?
Não, mas o meu relacionamento com o Carlos Teixeira foi muito curioso. Começou por ser um relacionamento mau. Porquê? Porque o Carlos Teixeira abominava a Geologia de Engenharia. Ele não sabia o que era, ele só gostava da Geologia dele, da Geologia clássica, tudo o resto, para ele, era um risco. Eu consegui, com o tempo, as 20 vezes que estive com ele, que ele me convidasse para eu ser arguente de provas da Faculdade de Ciências de Lisboa, na Escola Politécnica. E criámos uma relação simpática, ao fim de muitos anos. Mas não foi ele. Foi o Cotelo Neiva! Porquê? Porque o Cotelo Neiva prestava uma colaboração à EDP, fazendo não Geologia de Engenharia – porque ele não fazia, muito menos nessa altura–, mas fazendo uma cartografia espetacular dos maciços onde as barragens iam sendo feitas. E quando faziam sondagens, ele, juntamente com os engenheiros da EDP, interpretava os tarolos das respetivas sondagens para as fundações das barragens. Portanto, era a única pessoa que tinha ligação a isto. Inclusivamente, no período que antecedeu as provas, em 1962/63 – em 63 não foi, porque fui trabalhar seis meses para o Sul de Angola, numa área interessante também, prospeção geofísica, sísmica e elétrica, para deteção de águas subterrâneas – ele recebeu um convite do diretor do laboratório, Manuel Rocha, para vir dar um apoio ao geólogo aqui no LNEC. Ele [Cotelo Neiva] era uma pessoa extremamente capaz!

"E a pergunta deles foi muito simples: quanto custa uma e quanto custa a outra? E eu respondi, 'O túnel custa três vezes mais do que a outra'. 'Então está resolvido!', responderam. Ficou resolvido! Foi uma reunião de 10 minutos!
15. Das muitas atividades ao longo da sua carreira, qual foi a que mais gozo lhe deu?
Gostei de tudo o que fiz durante a minha carreira. Mas destaco, por um lado, a caracterização de terrenos associados a obras civis, e por outro, os maciços geológicos. Portanto, tudo o que tem a ver com a estabilidade de encostas. Aqui em Portugal, por exemplo, já referi a famosa escarpa rochosa, granítica, no Porto e Gaia. Posso dar um ou outro exemplo concreto que fiz, ainda nos anos 60 (mas já tinha o grau de especialista, que era correspondente, salário, tudo, a professor auxiliar): a Ponte Salazar, então, hoje Ponte 25 de Abril, inaugurada em 1964. Também neste caso, como referi há pouco, tudo quanto foi acessos à ponte só tinham projetos geométricos. Geotecnia? Zero. Geologia? Zero. Resultado? Fizeram as escavações a caminho da ponte, do lado direito há a encosta toda, constituída por vários tipos de rochas e várias estruturas, nomeadamente por calcários, margas e basaltos, de onde se tirava o basalto para fazer a calçada à portuguesa, etc. E fizeram a escavação, com um talude um para um, geométrico, tudo geométrico, um talude alto, com 50 metros de altura, e a plataforma da autoestrada cá em baixo. Estou a falar dos anos 60. Entretanto, em meados da década, houve dois anos muito chuvosos, e um belo dia recebemos a informação, dada por um fiscal que estava na autoestrada, de que "Nesta zona assim assim, os candeeiros de iluminação que estão na margem estão a inclinar um bocadinho". Isto foi um aviso, esse aviso passou para o LNEC e nós fizemos um programa de monitorização, de auscultação do comportamento dessa encosta. Fizemo-lo com base nos equipamentos que havia na altura, essencialmente com marcos topográficos e teodolitos. Era o que havia. Hoje em dia, faríamos completamente de outra maneira. Os teodolitos foram posicionados fora da área que estava aparentemente a mexer qualquer coisa e os marcos dispostos pela encosta, todos numerados, e tudo aquilo estava identificado. Periodicamente recebíamos os resultados, porque ia um topografo lá fazer as medições. Outros exemplos de obras em que participei foram a Ponte Vasco da Gama ou a autoestrada que vocês utilizaram agora, na zona de Torres Novas-Fátima. Isso foi um crime que foi feito e eu sou cúmplice deste crime! Porquê? A legislação de autoestradas diz que a inclinação máxima das autoestradas deve ser 4%. Ali é 6%! Eu fui responsável por este estudo para o projeto. Temos o terreno, que são os calcários, e considerando a inclinação da estrada, a solução ideal era fazer um túnel, passando a não haver nenhum conflito com o ambiente, com o paisagismo. Então, com as duas soluções estudadas, com a identificação geométrica das coisas e, depois, a avaliação do custo das duas soluções, fomos ter uma reunião à Brisa, com o presidente e com o engenheiro dele, diretor da parte de projetos. Apresentámos uma coisa, apresentámos outra, tudo bem, e obviamente dissemos que a solução mais lógica – e já havia muitas preocupações ligadas ao ambiente, na altura – é, claramente, a com o túnel. E a pergunta deles foi muito simples: quanto custa uma e quanto custa a outra? E eu respondi, "O túnel custa três vezes mais do que a outra". "Então está resolvido!", responderam. Ficou resolvido! Foi uma reunião de 10 minutos!

16. E do que é que gostou menos?
Não se aplica à minha atividade!
17. Mesmo dessas reuniões, gostou delas?
Delirava! Então, eu fiz um trabalho que foi altamente elogiado – estou a falar na obra da A1! Esta obra tem 30 anos! Nas palestras que faço, apresento sempre o trabalho na A1. Minha filha, durante todos estes anos, eu fui presidente, administrador, portanto, eu tive reuniões com tudo quanto é pessoa, no estrangeiro, no país, no mundo inteiro! E gosto, gostei sempre, gosto disto! E nunca tive uma situação em que me dizem, "O senhor fez isto e isto está uma burrice!", nunca me aconteceu! Se calhar até fiz, mas nunca ninguém me disse!
18. E ao longo destes anos não houve muita burocracia?
Ah, com certeza que sim! Eu fui sete anos diretor aqui do laboratório [LNEC], fui 25 presidente da COBA, assinar papéis? Assinava todos os dias! Não era chato, porque a minha vida não era assinar papéis! Tinha de, mas traziam-me os papéis para assinar e eu em meia hora assinava e o assunto ficava arrumado. A minha vida profissional é longa, mas não me ocorre nada em que eu tivesse acabado uma determinada reunião, saído de rompante, nada.
"Quando me pediram para o fazer, a nova administração, os mais novos, disseram, 'Nós pedimos-lhe porque é a única pessoa que viveu tudo isto.'
19. Uhm… quase todos que dão aulas dizem que não gostam de corrigir exames. Ou também gostava de o fazer?
Vamos lá ver: eu dei aulas em várias situações, há muita coisa sobre isso que tem de se dizer. Eu dava as aulas teóricas das disciplinas e, nos primeiros anos na Nova, em que não havia assistente para me ajudar nas coisas, eu corrigia exames também. Está-me a perguntar se gostava de corrigir exames ou não: isso nunca se pôs, no meu espírito, se gostava ou não gostava. Eu tinha de fazer isso e fazia, ponto final. E não estava ninguém atrás a pôr-me uma coisa nas costas a dizer "Tens de fazer!". Tinha prazos e fazia, calmamente! Estou a lembrar-me agora de uma grande barragem no Brasil, por exemplo, em que me deram um mês para eu fazer um parecer, envolvendo 50 milhões de dólares, que era o que estava em causa. E durante esse mês, em que eu trabalhava no laboratório, dava aulas na universidade, essa consultoria era feita depois do jantar, calmamente, até às quatro da manhã! Diria assim, "Então, mas isso não foi um sacrifício?". Não! E não foi, pelo seguinte: porque quando eu terminei o relatório, havia o dono de obras e havia o empreiteiro, e disse que um tem 95% e outro tem de pagar só 5 milhões. Foi dito, aos dois presidentes, no café da manhã do Hotel Ipanema Palace, em frente à praia de Copacabana. Depois disso, quer de um lado, quer do outro lado, apresentavam-me como o tipo que tinha conseguido resolver aquele problema, de uma barragem que estava praticamente pronta e que estava encalhada. Nunca fui posto, que me recorde, perante situações de dizer assim, "Que horror, tenho de fazer uma coisa destas, que horror!". Nunca, que me recorde. Agora, são muitos anos de vida, não é…

"(...) ele faz um levantamento estrutural do maciço granítico que eu disse, "Oh Portugal, desculpa, um granito com dobras? Nunca vi!" As moscovites do granito estavam dobradas!"
20. Alguma vez sentiu que a decisão que tomou não foi a mais correta? Que, se fosse agora, tinha tomado outra diferente?
Não, não. Eu como trabalhei sempre muito, nunca tive tempo de fazer retroativos. (risos)
21. Então nunca revisitou ou reavaliou certas decisões?
Talvez a área em que mais trabalhei, em termos de quantidade, foram barragens. E, se isso acontecesse, era porque a barragem caía, ou parcialmente caía. É óbvio que durante a fase de obra há pequenas coisas que uma pessoa tem de ajustar todos os dias. Estamos a falar em barragens, mas em estradas era a mesma coisa. O que é que aconteceu, por exemplo, na A1? Essa zona de que falámos está cheia de cavernas cársicas. E como é que a autoestrada pode passar por cima? Ninguém nos autorizava a encher essas cavidades, isso seria um pecado! Então, por exemplo, fizemos perfis sísmicos ao longo da plataforma, já escavada, para ver como é que detetávamos as cavernas, e fizemos estruturas simples, com placas de betão, com espessura variável, onde assenta a estrada. Portanto, estas coisas vão aparecendo e a pessoa vai resolvendo.
22. Que geólogo, ou engenheiro, contemporâneo ou não, admira muito?
Isso está na ponta da língua. Querem que comece pelos mais velhos ou pelos mais novos? Eu vou dizer quatro nomes, por razões completamente diferentes. O geólogo António Gomes Coelho, do LNEC e da COBA, sócio fundador e ex-presidente da APG, especialista em geotecnia, o Cristiano Rodrigues, o Cotelo Neiva e o Portugal Ferreira, por quem tenho uma consideração enorme, um homem a dominar a Geologia estrutural como nunca vi ninguém. Tive a oportunidade de o convidar para trabalhar comigo na barragem do Azibo, em que ele faz um levantamento estrutural do maciço granítico que eu disse, "Oh Portugal, desculpa, um granito com dobras? Nunca vi!" As moscovites do granito estavam dobradas! Quer dizer, houve ali um tectonismo fortíssimo, que levou à alteração completa daquele complexo rochoso, que não veio a ser a fundação da barragem ao fim de 15 anos de luta. Finalmente, o Manuel Rocha, que foi o fundador do LNEC, e foi com ele que trabalhei em mecânica das rochas, foi com ele que trabalhei o tempo todo, foi ele que me convidou para eu ser eleito em Madrid secretário-geral da IAEG – fui secretário-geral seis anos. Trabalhei sempre com ele enquanto ele existiu, e fui eu que o convidei para dar mecânica das rochas à Universidade Nova de Lisboa nos cursos que criei. Os dois primeiros foram meus pupilos, fui arguente das teses deles, dos concursos deles, e ambos atingiram o topo da carreira. Morreram os dois muito novos, e tive, por eles, uma estima muito grande. Fomos para tudo quanto é sítio, com o Gomes Coelho, fomos dar aulas à China, de mecânica das rochas a Nanjing – Nanquim como a gente dizia antigamente. Fomos a uma reunião em Beijing e depois a Universidade de Nanjing pediu-nos. Um dos dias em que estivemos lá, a dar essas aulas, foi o 1º de Maio. A Universidade fechou, só havia um carro em Nanquim, [a cidade] tinha dois milhões de pessoas, e o reitor pôs o carro da Universidade à nossa disposição, para a gente ver um bocadinho à volta. Toda a gente estava a trabalhar nos campos, e quando eu cheguei à Universidade perguntei ao reitor, "1º de Maio, dia do trabalhador e tal", "Trabalhador? Por isso é que estão a trabalhar!". Eu argumentei, "Não, é que é feriado, na Europa", "Não, aqui não há feriados!" – nessa altura! Eu conheci os chineses, pela primeira vez, em Madrid em 1978, eles foram ao terceiro Congresso Internacional de Geologia de Engenharia. Os 70, todos vestidos de igual, exatamente igual, com duas mulheres a tomar conta deles, duas mulheres políticas. Foi a primeira vez que eu vi chineses. Apresentaram uma grande delegação, apresentaram bastantes trabalhos, e a partir daí eles foram-se desenvolvendo, desenvolvendo, e praticamente todos os anos eu ia à China! Conheço a maior parte das cidades chinesas, as mais importantes de todas, inclusivamente Hong Kong, Macau, tudo isso, e também fiz palestras em todos esses lados.
23. Qual é a sua publicação favorita na área das geociências?
Vamos lá ver, isso é muito difícil de responder, no meu caso e na minha idade. A Geologia de Engenharia, como tal, apareceu nos anos 50 e há vários livros que foram publicados nessa altura que estão aí nas minhas referências, e, evidentemente, foi aí que aprendi. Quando eu cheguei aqui ao LNEC puseram-me dois ou três desses livros, de 1958-59, deram-mos para a minha mão para eu ir lendo, livros grandes. Foram muito importantes, porque eu só tinha uma ajudinha – e já classifiquei e defini o tipo de ajuda – do Cotelo Neiva, mas que era muito singular, muito definida, digamos assim. Mas a Geologia de Engenharia, a aplicação às obras, e tudo isso, foi através desses livros que aprendi. Hoje em dia, sou autor de vários capítulos de vários livros, que estão na minha bibliografia, e sou, por exemplo, coautor de um livro que eu não consulto praticamente, às vezes tenho curiosidade de ir ver, onde eu sou colaborador do capítulo 11 – Barragens e reservatórios –, do colega, Luis Gonzalez de Vallejo, de Espanha, com uma grande colaboração da Mercedes Ferrer, a segunda mulher dele, ambos da Complutense de Madrid, e que se chama Engineering Geology. Um livro grande que foi primeiro publicado em espanhol e depois foi publicado em inglês. Eu escrevi parte desse capítulo, portanto estou identificado como colaborador do capítulo 11. Eu tenho uma coleção de livros única, de livros técnicos da área da geotecnia, única! E quando eu saí da COBA, passei a ser presidente de um concelho científico, e organizei, nos meus últimos dois anos, duas séries de palestras convidando pessoas de fora, de todo o lado. Todos os meses havia uma palestra sobre isto – eu também fiz uma –, e terminou em 2017. E a minha última grande atividade na COBA, em 2017, gastei praticamente um ano nisso, foi um livro com o título: 'Os 55 anos de atividade da COBA no mundo'. O único autor e editor sou eu. Isso demorou-me uns oito ou nove meses a fazer. Quando me pediram para o fazer, a nova administração, os mais novos, disseram, "Nós pedimos-lhe porque é a única pessoa que viveu tudo isto."

Intraclasto
Ricardo Oliveira - 125 anos de serviço!

"Mas retomando a pergunta… depois de tantos anos, a situação do currículo é delicada, porque o meu currículo é muito extenso. Então, entretanto, fui compondo um currículo mais equilibrado, se não acabava por ter um documento com 200 páginas, que é um absurdo! Tenho um currículo feito, que atualizei a semana passada, que é, digamos, constituído por duas partes: o currículo propriamente dito, que consegui resumir em seis páginas, (...) um anexo com as minhas publicações, e tenho outro anexo com todos os eventos em que participei, seminários, etc, por aí fora, fiz conferencias e palestras para o mundo todo, em situações várias, em inglês, em francês, em chinês nunca fiz, mas na China fiz muitas! E continuo a fazer."
Há pessoas assim. O tempo limitado que tivemos para a entrevista não chegou. Não gosta de se armar aos cucos, mas tomámos a liberdade de o fazer por ele, decidindo que este intraclasto servirá para o resumo possível. É que ter o Ricardo como um de nós, geólogo, e um de nós, português, enche-nos de orgulho!
Ricardo Oliveira. Começou nos anos 60 a domar rochas no LNEC. Nos anos 70, já estava a dirigir o Grupo COBA e em 1988 tornou-se presidente, cargo que manteve durante mais de duas décadas, provavelmente com café suficiente para abastecer uma das muitas barragens onde meteu o dedinho. Formado em Ciências Geológicas pela Universidade do Porto em 1959, cedo revelou a curiosidade científica que o levaria até aos Estados Unidos, à Universidade de Illinois, para se especializar em mecânica das rochas e engenharia geotécnica. Professor Emérito na Universidade Nova de Lisboa, criou ali a área de Geotecnia e os primeiros cursos de pós-graduação do país, ensinando Geologia de Engenharia não só por cá, mas também no Brasil, Canadá, União Soviética, Espanha e Suíça. Consultor internacional para o Banco Mundial e outras instituições, ajudou a erguer barragens, pontes e autoestradas pelo planeta, incluindo obras emblemáticas como a Ponte Vasco da Gama e a Ponte da Lezíria, enquanto publicava mais de 350 trabalhos (ninguém sabe se dormia). Liderou organizações internacionais como a ISRM e a IAEG, colecionando medalhas como quem coleciona cromos: Hans Cloos, André Dumont, Manuel Rocha… até recebeu a insígnia de Grande Oficial da Ordem de Mérito em Portugal. Pelo caminho, estudou desastres famosos como as barragens de Malpasset e Vajont, virou especialista em tudo o que envolve terreno, túneis, pontes e escavações, acumulou títulos académicos e inspirou jovens. Hoje, olha para o futuro da engenharia geológica com drones, lasers, modelos 3D e muita esperança, porque o solo pode ser complicado, mas ele "adora isto"!
Por ocasião da recente atribuição do prémio SPG Carreira 2025 da Sociedade Portuguesa de Geotecnia, partilhamos as fotografias utilizadas para o efeito que cobrem a vida e obra de Ricardo Oliveira (1, com 12 anos, em 1949, vestido a preceito para o liceu; 2, finalista do curso de Geologia, na Queima das Fitas da Universidade do Porto em 1959; 3, após um período de trabalho na Grécia até ao alcance de um barbeiro no Brasil, em 1969; 4, com Manuel Rocha, no Simpósio da ISRM em Oslo, em 1969; 5, no conselho de administração da COBA, em 1995; 6, atribuição de Doutoramento Honoris Causa, pelo Universidade Complutense de Madrid, em 1998; 7, com o presidente Jorge Sampaio, em 2006, a receber a insígnia de Grande Oficial da Ordem de Mérito em Portugal; 8, no 50º aniversário da COBA, no CCB, em 2012; 9, frente à Barragem de Cambambe, por ocasião do alteamento, em 2012; 10, eleição como Membro da Academia de Engenharia do Brasil, em 2015; 11, entrega de Diploma de Presidente Honorário da IAEG, em 2019; 12 e 13, atribuição do prémio SPG Carreira 2025.
Geomanias
Rocha preferida? Granito
Mineral preferido? Quartzo
Fóssil preferido? Trilobite
Era, Período, Época ou Idade preferido? Os de cima, até ao Mesozoico.
Unidade litostratigráfica preferida? Os Aluviões e o que for Pliocénico.
Pedra mole ou pedra dura? Ambas, que eu tenho feito projetos de barragens em arenitos brandos e projetos de barragens em granitos sãos! Tudo serve, tudo tem é um tratamento diferente.
Trabalho de campo ou de gabinete? Campo.
Recursos minerais metálicos ou não metálicos? Gosto dos dois, mas do segundo em muito menor escala.
Martelo ou microscópio? Aí é diferente. Microscópio não, martelo sim, ou em alternativa, os equipamentos para fazer prospeção geofísica e prospeção mecânica.
Esparite, Esparrite, sparite ou sparrite? Não faço a mínima ideia! Nunca vi essa palavra! Mas se tivesse de dizer, seria esparrite! Mas só sei isto porque fui ver, nunca usei a palavra!
