
Antony Pereira
Outubro 2025
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
SÓCIO APG Nº O1034
Natural de São João del Rei, Minas Gerais, Brasil, mas criado no Porto, foi a mineralogia e o ar livre que o empurraram para a Geologia. Depois de breve incursão na prospeção mineral, desceu ao subsolo e é raro vê-lo à superfície. É com a experiência dos metros do Rio de Janeiro e São Paulo que hoje acompanha as obras de expansão do Metro do Porto.
" 'Olha, estão à procura de alguém aí do Porto, geólogo, para as obras do metro, queres ir?'. E a primeira coisa que eu disse foi 'Epá, não é nada disso que eu quero fazer da minha vida, trabalhar agora em túneis' "
Foi já com o ano letivo recém-arrancado, na confusão da cidade a tentar recuperar as rotinas pré-férias, que encontrámos o Antony Pereira no saco amniótico de uma futura estação de metro. Nascido em Minas Gerais (que profético!), cedo trocou os trópicos pela chuva do Porto. Foram os minerais que o fizeram ver a luz, mas acabou foi no túnel: depois de uma curta incursão pela prospeção mineral, foi empurrado para as profundezas e especializou-se em metros (daqueles a sério, que andam debaixo da cidade e em carris). A carreira tem paragens de luxo: começou na primeira fase do Metro do Porto, desceu ao túnel do Rossio em Lisboa, escavou em Espanha e ainda regressou ao apeadeiro natal, embrenhando-se nas funduras dos metros do Rio de Janeiro e de São Paulo. Hoje está de volta à Invicta, na linha rosa do Metro. Venham conhecer este mestre do subsolo: toupeira de capacete e martelo, meio geólogo, meio engenheiro, que gosta do desafio criativo das obras subterrâneas e de transformar imprevistos em soluções.
Entrevista
Porto, setembro de 2024
1. Nome, a data e o local de nascimento.
O meu nome é Antony Pereira. Nasci a 17 de outubro de '75, em São João del Rei, Minas Gerais, Brasil.
2. Conte-nos, de forma simples, para leigos, o que é que faz profissionalmente?
Eu trabalho numa empresa de projetos, de obras subterrâneas. Neste momento, a minha missão nesta empresa é fazer acompanhamento técnico destas obras. Estou envolvido num projeto, da construção da linha rosa do Metro do Porto. Portanto, todo o meu trabalho passa por, após receção das cartografias geológicas e da evolução das deformações que se vão observando ao longo da obra, determinar a maneira como se vai construindo túneis, poços, galerias de grandes dimensões…
3. Já participou em mais algum tipo de obras subterrâneas?
Quando iniciei a minha atividade na área da geotecnia, envolvi-me na primeira fase da construção do Metro do Porto. Foram quatro anos de atividade aqui no Porto, depois fui para Lisboa, para trabalhar na reabilitação do túnel do Rossio. Envolvi-me depois nalgumas pequenas obras subterrâneas em Espanha e Portugal e, mais tarde, viajei para o Brasil, para estar envolvido no Metro do Rio [de Janeiro] e no Metro de São Paulo. Sempre em metros! Tive uma fase em que não estive em obras subterrâneas, quando estive na ampliação da antiga IP4 para a A4, entre Vila Real e Bragança, uma obra de terraplanagens. As obras à superfície e as subterrâneas são obras diferentes, dão experiências diferentes, mas as obras subterrâneas é que são o meu desafio. Mas tudo se faz, são apenas obras diferentes. A obra a céu aberto – como foi esta da A4 em que estive envolvido, no viaduto do Corgo – trata-se de um viaduto de grandes dimensões, é uma coisa magnifica, mas as obras subterrâneas têm sempre mais aquele apelo ao engenho, à criatividade. Estás envolvido completamente pela Geologia, que é a minha formação de base e, então, a minha natureza é estar envolvido nas subterrâneas. A ideia do que eu faço é encontrar e minimizar as surpresas, através de um conjunto de ferramentas que uma pessoa vai adquirindo através da experiência. Uma pessoa sai da faculdade com algum conhecimento teórico e vai depois aprendendo no dia a dia: ir à frente de obra, sentir o maciço, ver os pingos da água, verificar se eles estão no sítio certo, observar a forma como as pedras por vezes rolam. E, com base nisso, uma pessoa vai ultrapassando as surpresas, transformando-as em desafios técnicos, os quais são ultrapassados com soluções que têm de ser criativas.
4. Em que ano e onde ingressou no curso de Geologia?
Em 1995. Entrei na Faculdade de Ciências, aqui na Universidade do Porto, em Geologia. E, mais tarde, em Engenharia. Isto foi consequência do trabalho. Uma pessoa vai tentando melhorar. Podia ter-me especializado numa área da Geologia, mas estava sempre envolvido em obras geotecnicamente complicadas – trabalhamos para escavar e para permitir uma certa estabilidade do maciço – e é preciso, depois, aplicar algum artificio, algum engenho humano, que tem de ser criado por nós, para que a obra continue. Então, a Engenharia Civil era o caminho normal, porque há a questão dos materiais, das geometrias e soluções a que só se consegue chegar com a engenharia. Por isso, não as [Geologia/Engenharia] vejo como duas áreas antagónicas, mas sim complementares, especialmente no que diz respeito às obras subterrâneas. Não é possível fazer isto (esbrancejando para apontar para o exterior) sem conhecer a Geologia, mas também não o é sem aplicar a parte de engenharia.

"Uma pessoa sai da faculdade com algum conhecimento teórico e vai depois aprendendo no dia a dia: ir à frente de obra, sentir o maciço, ver os pingos da água, verificar se eles estão no sítio certo, observar a forma como as pedras por vezes rolam"
5. Quando é que decidiu ir para o curso de Engenharia Civil?
Depois de estar envolvido no Metro de São Paulo, voltei a Portugal e, tendo em conta o mercado de trabalho que tínhamos e do qual eu tinha saído, senti que ser "só" geólogo com experiência não era suficiente – é a realidade que temos. Então, também em busca de complementação académica, de conhecimentos e até de consolidação de alguns conceitos que eu tinha, inscrevi-me em Engenharia Civil, em 2018. Quando acabei a faculdade, o papel do geólogo neste tipo de obras era muito pequeno, não existia. Atualmente estamos bastante melhor, já tenho bastantes colegas a trabalhar nos projetos. A engenharia civil é uma profissão que tem maior reconhecimento em Portugal, é a realidade. Temos de trabalhar para transformar a Geologia e a academia. Toda a parte académica devia tentar elevar o nível de exposição da Geologia, para ver se conseguimos daqui a uns anos uma transformação e ter a Geologia a par da Engenharia Civil. Pelo menos naquilo que são as obras geotécnicas: obras de terraplanagem, obras de movimentos de terras, de estradas. É um caminho que tem de ser feito e tem de ser reforçado ao longo do tempo, para não ser necessário que um geólogo tenha de ir tirar Engenharia Civil para ter algum crescimento profissional, pelo menos cá em Portugal.
6. Acha que devia haver mais cursos de especialização dentro deste mundo da geotecnia?
Nós temos uma diversidade de cursos que deveria ser mais unificada. A questão da existência das engenharias geológica, geotécnica, Geologia de engenharia, acho que deveria ser bastante simplificada, para que depois, ao saírem da faculdade, as pessoas já estarem direcionadas e não haver o engenheiro civil da área da geotecnia nem o geólogo da área da engenharia. Eu tenho, no dia a dia, colegas que são engenheiros geotécnicos, engenheiros geólogos, mas todos fazem o trabalho… para quê essa diversificação?! Acho que não tem sentido.
7. E o que é que o levou para a Geologia?
Não há um momento, foi sem querer. Eu tinha já um apelo para atividades no exterior. Um dia, quando estava no 11º ano, estava a fazer um trabalho de biologia e surgiu-me um livro de Geologia, assim sem querer. Peguei no livro, "Olha que giro, deixa-me lá ver o que é que é isto, será que é isto que eu quero fazer?", e comecei a ver mais e mais e disse "Mas é isto mesmo que eu quero fazer!". Tinha a parte dos vulcões, das rochas, dos minerais. Fiquei maravilhado com os minerais, com o sistema cristalográfico, "É isto que eu quero". E então fui atrás. Eu ia para a área de saúde, na altura, 11º ano, 17 anos, uma pessoa ainda não sabe bem o que há de fazer. Estava na área de ciências, mas não sabia bem o que é que ia fazer, e aquilo caiu ali como uma luva, até porque gostava de fazer caminhadas, estava envolvido com os escuteiros…

Na Queima das Fitas, Geologia, Faculdade de Ciências da Universidade de Porto, 1998.
"(...) voltei a Portugal e, tendo em conta o mercado de trabalho que tínhamos e do qual eu tinha saído, senti que ser "só" geólogo com experiência não era suficiente (...)"

Túnel da futura linha rosa, Metro do Porto.
"Quando acabei a faculdade, o papel do geólogo neste tipo de obras era muito pequeno, não existia. Atualmente estamos bastante melhor, já tenho bastantes colegas a trabalhar nos projetos. A engenheiria civil é uma profissão que tem maior reconhecimento em Portugal"
8. Geologia foi a primeira opção, então?
Sim, a coisa foi até um bocadinho ridícula. Eu, na altura, pus como opção Geologia na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, e mais nada. Depois disseram-me assim, "Olhe, não quer pôr mais nada?", e eu, "Mas é isto que eu quero, não quero mais nada!". Mas lá pus algo mais, acho que foi Engenharia Geológica, em Aveiro, mas entrei aqui no Porto.
9. E a família, como reagiu?
Foi quase cómico! A minha mãe disse "Mas queres ir para Geologia, mas o que é que é isso?". Eu lá expliquei, mas o meu pai, durante um semestre – às vezes até me rio a pensar nisto – achava que eu andava em "zoologia". E houve um dia em que ele se virou para mim e disse assim, "Então mas agora estás para aí com minerais?" – o meu pai era ourives – "Isso não tem nada a ver com animais!". "Mas que animais? Eu estudo Ciências da Terra, Geologia!" E ele, "Ah, ok, agora já tem sentido!". (risos) Era ciências, era nos Leões – na altura, agora é a atual reitoria – e ele confundiu-se. Foi assim meio cómico. (risos) Mas já tinha sido uma vitória, na altura, eu ter entrado para a faculdade, ninguém da minha família tinha entrado, e o meu pai apenas disse "Epá, entrou!". Era uma altura em que muita gente não entrava, porque o numerus clausus era muito baixo e muita gente ficava de fora. E só isso já tinha sido uma vitória. Então, entrei no curso que eu queria, no Porto, tranquilo!
10. Tem algum familiar ligado à Geologia?
Não, nada. Atualmente tenho a minha esposa, que é geóloga, mas mais ninguém. O meu filho quer ser professor, agora de quê? Ele tem uma adoração por ensinar. Gosta de "histórias", não sei se gosta de "História", mas ele é que sabe.
11. E como foi a adaptação à universidade?
Eu era do Porto, criado no Porto, para mim a realidade era o Porto. E foi muito giro, foi uma abertura de horizontes para mim. Passei a ter colegas de Lamego, Rio Maior, Vila Verde, Açores, e a realidade deles não era a mesma, ou porque eram do interior, ou porque eram de Lisboa, realidades completamente diferentes. Foi ótimo.
12. E que colegas do seu ano é que podemos eventualmente conhecer?
Do mesmo ano, que estudaram comigo, e que são aqui do Porto, têm o Carlos Almeida, o Mário Lança, o Pedro Baltar. De "fora", têm o Marco Lucena, que é de Lamego, o José Mota, o Samuel Dias, tive bastantes colegas. Ainda nos juntamos, com alguns com mais frequência, outros menos. É o mesmo grupinho, éramos um grupinho incrivelmente bom, acho eu. (risos) Dávamo-nos bem!
13. E organizavam algumas coisas?
Sim, fomos criando um grupo. Aquilo no início era assim: precisávamos de fazer umas jantaradas, mas para o pessoal se juntar era preciso dinheiro, não é? Começámos com uns emblemas. Depois, tínhamos uns colegas mais velhos que já vendiam minerais e enveredámos por aí. Ao longo do tempo, fomos juntando dinheiro, fazíamos as nossas festitas, os nossos jantares, e era uma coisa gira. Fizemos ainda uns kitzinhos para os caloiros, com um martelo, capacete etc. Foi assim que nasceu, espontaneamente. Um dia estávamos no Aviz, um café, "Epá, e se nos metêssemos nisso? Vamos comprar uns martelos e ver se isto funciona". Estes grupos normalmente criam umas certas dinâmicas, e com a idade que tínhamos, éramos um bocado irreverentes, um bocado rebeldes, na queima tínhamos roupa diferente do resto da malta. Eu tenho fotos!
14. E a nível académico, era um bom aluno, um aluno médio, como é que classificaria o seu aproveitamento?
Não era muito bom, não era um aluno brilhante. Mas acho que era bastante eficiente. Estudava, preparava as aulas, ia às aulas, não vou estar aqui com falsas modéstias, acho que era bom. Não gostava muito de ir às primeiras aulas, à exceção de uma disciplina que eu acho que foi fantástica.
15. Que disciplina foi essa? Foi a sua disciplina favorita, ou mais tarde preferiu outras?
Foram duas disciplinas, mineralogia e cristalografia. Encaixou! Foi logo no primeiro ano, com o Frederico Sodré Borges. Aliás, fomos estudar para um exame prático – no qual temos um conjunto de minerais para identificação rápida – para a Feira dos Minerais. Todos os anos, na faculdade, no final de maio, era organizada uma feira de minerais, e eu fui para lá ver, este, este, este, este. Estava tudo treinado, aquilo foi fácil, essa parte de identificação visual foi muito rápida. Quando acabei o curso, o plano inicial era seguir investigação, na área de mineralogia. Só que, entretanto, uma pessoa vai evoluindo e segui para outra área. Também tinha tudo a ver com mineralogia, mas era mais aplicada, a área da prospeção mineira. Portanto, escolhi o Porto, havia uma forte vertente na área mineira, com mais foco na prospeção, e segui o meu percurso por aí.
16. Na altura, de quantos anos era o curso?
Quatro mais um, portanto, mais um Estágio profissionalizante, porque é pré-Bolonha.

Na Queima das Fitas, Geologia, Faculdade de Ciências da Universidade de Porto, 1997.
"(...) lá expliquei, mas o meu pai, durante um semestre (...) achava que eu andava em "zoologia". E houve um dia em que ele se virou para mim e disse assim, "Então mas agora estás para aí com minerais?" – o meu pai era ourives – "Isso não tem nada a ver com animais!". "Mas que animais? Eu estudo Ciências da Terra, Geologia!"
17. E esse ano de estágio, foi onde?
Quando terminou a parte curricular, perguntaram-nos o que é que gostaríamos de fazer no estágio. Surgiu, também na altura, uma oportunidade: o Carlos Almeida já tinha estado a estagiar na Rio Narcea, com o Doutor José Mário Castelo Branco. Ele disse-me que aquilo tinha corrido bem e que as pessoas eram simpáticas. Fui então ter com o professor [Fernando] Noronha, perguntar se podia ir para um estágio naqueles escritórios, naquele projeto. Ele lá fez o contacto, abriram a vaga e depois fiquei lá a trabalhar algum tempo. Era um projeto de prospeção de ouro em Penedono, mas o projeto foi suspenso e tive de encontrar outra coisa. E foi um colega de Lisboa que me perguntou "Olha, estão à procura de alguém aí do Porto, geólogo, para as obras do metro, queres ir?". E a primeira coisa que eu disse foi "Epá, não é nada disso que eu quero fazer da minha vida, trabalhar agora em túneis" e ele disse, "Mas manda o currículo, vais ver que gostas". "Pronto, então vamos lá!" Era um colega, o Luís Corrula, sim, primo do Jorge Corrula! (em resposta à nossa reação ao apelido Corrula) Já não falo com ele há muitos anos, mas foi ele. Conheci-o em Penedono, ele também estava a trabalhar lá. Estávamos os dois deslocados, então criámos ali uma amizade. E pronto, eu que achava que ia trabalhar muitos anos na prospeção mineira… (risos)
18. E qual é a coisa que, hoje em dia, mais gosta de fazer?
Quando surge um problema, porque há uma instabilidade na frente de escavação, ou há umas deformações, que estão a sair fora do controle, ou algo que o construtor está a ter dificuldade em lidar e, perante a situação, tento arranjar uma solução, eles aplicam e resulta, funciona! É isso. Sentir que uma pessoa faz parte ativa da construção e por isso sente-se útil. Quando as coisas correm dentro de uma normalidade, também é bom. Se tiveres num projeto com muitas frentes e muitas atividades, convém que as coisas estejam dentro de uma certa normalidade. Mas esse é aquele sal que tempera a coisa, para nos sentirmos úteis e sentirmos, um pouco, que conseguimos pensar fora da caixa.
19. E a que menos gosta?
Eu no início detestava fazer relatórios técnicos. Quando se viravam para mim e diziam "Olha, agora faz lá um relatório e dizes o que é que se fez, o que é que não se fez, etc". Com o tempo uma pessoa vai aprendendo técnicas e métodos e consegue atalhar, mas continuo a não gostar muito. Artigos já é diferente. A questão da escrita dos artigos obriga-nos a pensar "Ok, eu não estou a fazer isto por obrigação", vou ter de apresentar o resultado a alguém, mas eu estou a contar uma história, é diferente. No relatório temos de dizer que tivemos estes problemas e resolvemos desta maneira, estão aqui umas fotografias, uns desenhos, e vamos explicando. Já escrever um artigo é um bocadinho como fazer uma visita, uma coisa que nunca tinha feito. E este projeto da linha rosa do metro permitiu-me isso [visitas para o público]. Até então, as visitas à obra eram sempre visitas técnicas, às vezes para justificar problemas, às vezes duras, até na argumentação, tínhamos de nos defender de determinadas posições ou soluções. Agora não, agora é giro: uma pessoa desce, acompanha, explica às pessoas que reagem com um "Epá, mas isto é assim". Os papers são um bocadinho o resultado destas visitas, que basicamente é contar uma história. É um "fez-se isto", é um legado que fica, daqui a uns anos alguém olha para aquilo e diz "Epá, fizeram isto desta maneira", porque as coisas perdem-se. Mas por incrível que pareça, há muitas soluções que estão a fazer-se nesta empreitada, nesta linha rosa, que já se tinha feito na primeira fase e, às vezes, são até mais vanguardistas. Foi há 20 anos e agora estamos a repeti-las!

"(...) agora é giro: uma pessoa desce, acompanha, explica às pessoas que reagem com um "Epá, mas isto é assim". Os papers são um bocadinho o resultado destas visitas, basicamente é contar uma história."
20. Um geólogo, contemporâneo ou não, que admire muito?
Já falei dele. Eu respeito muito toda a gente, uma pessoa é um somatório das experiências e pessoas com quem conviveu, experiências positivas e experiências negativas - tudo contribui. Mas se me perguntarem qual a pessoa que mais me marcou, foi quando entrei para a faculdade. Era tudo completamente novo! Tudo, a faculdade, o enquadramento, nunca tinha tido aulas num ambiente diferente. E numa aula de cristalografia, e de uma forma pedagógica excelente, o professor Frederico Sodré Borges explica coisas de uma maneira simples – coisas extremamente complicadas –, e estando minimamente atentos conseguimos acompanhar. E fá-lo com uma humildade brutal. Para mim, é o mais próximo que eu tive assim de "Um professor". Nunca tive contacto com ele fora das aulas, mas acho que é "A pessoa, O professor". A letra pequenina, a perfeição na maneira como abordava os assuntos… Lembro-me que uma vez estava a falar de sistemas cristalográficos – ele já não era novo e estamos a falar dos anos '90 – e diz "Eu tenho aqui um softwarezinho que desenvolvi", quer dizer… Completamente incrível! Ele é uma pessoa que evoluiu com o tempo. Claro, já não estou em contacto com ele há muitos anos, quando saí da faculdade praticamente perdi o contacto, mas foi a pessoa de referência. Marcou-me.

Na futura Estação Casa Música, Metro do Porto.
21. E uma publicação favorita na área das geociências, tem?
Tenho! No outro dia estava a ver aqui o granito do Porto, estávamos com uma situação que se precisava de explorar um bocadinho mais, e lembrei-me de ir ver a notícia explicativa da carta geológica do Porto [1:50.000, Folha 9-C, LNEG]. E, por carolice minha, voltei a um velho amigo meu, desde o tempo da faculdade, que é a Carta Geológica 9-D [1:50.000, LNEG], do Anticlinal de Valongo. Acho que é uma carta, a nível cromático, bastante interessante, aqueles padrões, depois o anticlinal explicado no perfil em baixo. Para mim, se tivesse de escolher algum documento para uma cápsula do tempo, seria a folha 9-D do Anticlinal de Valongo. Houve uma outra disciplina de que gostei muito, petrologia metamórfica, dada pelo professor [Fernando] Noronha, e eu adorava a disciplina porque ele usava dois livros. Um era o do Winter [Principles of Igneous and Metamorphic Petrology], mas eu gostava mais – que eu achava top! – do outro livro, que é o do professor Portugal Ferreira sobre rochas metamórficas [1972, Rochas Metamórficas, Gráfica de Coimbra]. Eu não tenho nenhum exemplar, mas adorava a disciplina por causa daquele livro. Não conheci o professor Portugal Ferreira, já faleceu, mas seria uma pessoa interessante para conhecer.

Fiquei maravilhado com os minerais, com o sistema cristalográfico, "É isto que eu quero.
22. Qual foi o momento mais marcante na sua vida profissional?
Quando me perguntam o que é que mais gostaste, a resposta é a obra da estação Faria Guimarães, que é uma estação aqui do Metro do Porto, da primeira fase. Marcou-me. Eu entrei na área da geotecnia, para a estação da Trindade, e na altura era um mundo desconhecido. No início, uma pessoa tem sempre incertezas, ainda por cima ali colado à engenharia civil, lidava com projetistas, engenheiros civis, todos com muita experiência. Havia aqui todo um arsenal de tecnologias e histórias e de pessoas com 20, 30 anos de experiência. E há um momento em que aparece a oportunidade de fazer a estação Faria Guimarães e eu vou para lá para trabalhar com o engenheiro Carlos Branco, da Soares da Costa, e basicamente arranco com a obra quando não existia nada. E lembro-me do momento em que uma pessoa termina a escavação, da excitação total, e diz assim, "Epá, eu acho que consigo fazer isto!". Aquilo é como se fosse um primeiro filho. Eu todas as vezes que passo por lá, é um filho que de vez em quando vou visitar, "Deixa lá ver como é que isto está?".
23. Portanto, há um Antony antes e depois dessa obra. E quantos anos já tem de carreira?
Há sim, claramente, (risos) Desde que saí da faculdade, já lá vão 24.
24. Agora, um momento da sua carreira que tenha sido mais complicado, embaraçoso ou um falhanço, há?
Ora bem, tive uma situação em que disse "Preciso de começar a ter bastante cuidado". Foi a fazer cartografia, ainda numa fase em que não estava tão relacionado com a área de projeto… foi no metro do Porto, linha de Gondomar. E nós estávamos a fazer cartografia, estava com um colega, e o que é que aconteceu? Nós estávamos em cima de um depósito de terras que tinha sido colocado mesmo à frente do túnel, estávamos ali na transição granito-Complexo Xisto-Grauváquico. Estávamos a entrar numa zona com xistos – aquilo era uma zona de falha – e, portanto, bastante instável. Mas eu só estava a fazer cartografia, e o meu propósito era só esse. E houve um tipo que se lembrou de pegar numa pá mineira e começar a tirar terras. Eu tinha-lhe dado um sinal, "Epá, mais um minutinho e vamos embora!". Na altura, não acredito que tenha sido de propósito, mas ele deu um toquezinho na pá e eu fui para a frente. O meu colega conseguiu ter a destreza de ir para o lado. Lá consegui esconder-me ainda dentro do túnel e a frente do túnel desplacou completamente. Foi o mais próximo que tive de uma situação que dissesse, "Epá, isto podia ter corrido mesmo muito mal". Tanto que agora digo "Façam o levantamento e estejam sempre protegidos". O meu colega ficou mesmo desesperado. Uma pessoa anda aqui de baixo da terra e isto tem repercussões, tanto humanas como materiais. Eu tenho colegas que querem ser tão bons profissionais, querem ir medir as atitudes todas, as diaclases todas, mas há coisas e coisas. O maciço acabou de ser escavado, está numa fase de descompressão, qualquer coisa pode acontecer! Há coisas que se podem fazer de perto, mas não tão perto. Eu percebo que as pessoas tenham uma paixão e queiram fazer bem, mas não pode ser muito à vontade.

"E houve uma aula, na qual uma pessoa abre um livro de cristalografia e de uma forma pedagógica excelente, explica coisas de uma maneira simples – coisas extremamente complicadas –, e estando minimamente atentos conseguimos acompanhar. E com uma humildade brutal: o professor Frederico Sodré Borges."
25. Se pudesse viajar no tempo geológico e assistir a um evento, em segurança, qual momento escolhia? E a tomar o quê?
Tinha de ser algo com um estrondo. O que me vem assim à mente é um episódio que aparece na maior parte dos livros de Geologia, quando se começa a falar de vulcanismo, que é a erupção do Krakatoa. Gostava de ter assistido e gostava de ter sentido. Aquilo foi criação da vida, não é?! A ilha desapareceu, criou-se uma nova, aquilo deve ter sido algo assim fora do normal. Como aquilo é na Indonésia, podia beber uma caipirinhazinha, que eu gosto de caipirinha, e estar ali sossegadinho a apreciar. (risos)

Intraclasto
As preciosas pedras do Antony

Como intraclasto, o Antony trouxe-nos duas amostras da sua coleção pessoal que lhe trazem memórias de tempos não geológicos: a primeira, uma amostra do mineral favorito do Antony, a fluorite. Medalha de honra dos tempos em que a Mineralogia era a sua luz ao fundo do túnel, e apanágio dos alunos que conseguiam passar à primeira a Mineralogia e Cristalografia, foi-lhe oferecido pelo departamento um mineral à escolha (desde que não se esticasse!). O Antony só teve uma exigência: que a fluorite fosse tão escura quanto a alma de um estudante em época de exames. Já a outra, uma volframite, veio da sua primeira visita à Panasqueira: foi à caça de siderites e apatites, mas só apanhou "uns quartzozinhos". Um mineiro, habituado a ver no escuro, reparou no ar de desilusão e resolveu salvar o dia: enfiou-lhe um cristal de volframite na mão e disse-lhe 'Toma lá e não digas que vais daqui!'. Só o viu quando chegou lá fora.
Geomanias
Rocha preferida? Granito
Mineral preferido? Fluorite
Fóssil preferido? Bem, estudei aqui no Porto, Anticlinal de Valongo: trilobite.
Era, Período, Época ou Idade preferido? Vou manter o mesmo padrão, portanto, Paleozoico.
Unidade litostratigráfica preferida? O Granito do Porto, claramente!
Pedra mole ou pedra dura? Oh, uma pessoa do Porto... Pedra dura, não é?
W preferido? W4, claramente! É fácil de escavar, bastante estável. (risos)
Martelo ou microscópio? Martelo.
Recursos minerais metálicos ou não metálicos? Metálicos.
Esparite, Esparrite, sparite ou sparrite? Esparite.
Trabalho de campo ou de gabinete? Campo.
